Salários da função pública podem subir abaixo da inflação em 2023
O governo voltou ontem a fechar a porta a uma atualização intercalar dos salários da função pública em 2022 e também admite a possibilidade de não vir a acompanhar a inflação nas atualizações de 2023, que serão negociadas a partir de outubro.
A subida do próximo ano "terá em conta os valores da inflação, mas também a avaliação que for feita da natureza dessa inflação nesse momento, do sucesso das medidas que, entretanto, estamos a tomar para conter os preços e, naturalmente, como sempre, da situação do país", indicou Mariana Vieira da Silva, com a pasta da Administração Pública nesta legislatura.
"É importante sabermos que todos os passos que são dados têm de ser sustentáveis no tempo. A situação financeira, a situação económica do país será muito importante", avisou após uma primeira reunião com as estruturas sindicais da função pública que serviu para listar prioridades negociais.
Neste ano, os salários dos funcionários públicos foram atualizados em 0,9%, correspondentes a 1% de inflação de 2021, medida pelo INE em novembro à qual foi descontada uma décima por conta de uma variação negativa de preços no ano anterior. O ano terminaria com uma subida média de 1,3%.
Já para 2022, o governo antecipa que os preços do cabaz de compras nacional subam 3,7%, numa previsão que se depara já com um valor médio de inflação de 4,3% para os primeiros três meses deste ano.
O Executivo de António Costa insiste, porém, no caráter possivelmente temporário da subida de preços para justificar uma atualização contida neste ano e eventualmente também no próximo, no que segue acompanhado das principais instituições internacionais.
O ministro das Finanças tem vindo a argumentar que atualizações mais generosas poderiam alimentar uma espiral inflacionista, com a ministra da Presidência a remeter os sindicatos novamente para as palavras de Fernando Medina. "O governo foi já claro", referiu.
Mas, as estruturas sindicais não saíram convencidas. A Frente Comum lamentou a "inflexibilidade absoluta do governo" e indicou que irá reunir sindicatos a 26 de abril para decidir a resposta a dar. Sebastião Santana defendeu que face às atuais previsões, no final de 2022 e a contar desde 2010, os trabalhadores da função pública estarão a acumular 15,4% de perda de poder de compra.
A mesma insatisfação foi manifestada pelo Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) e pela Fesap. Mas se o STE não viu margem do governo para alterar a posição quanto à melhoria da situação da função pública na proposta de Orçamento para 2022, a Fesap ainda disse esperar algum "sinal" que espelhe a intenção do governo de aumentar o peso dos salários na economia, como consta do programa para a legislatura. O secretário-geral da Fesap, José Abraão, deu conta da expectativa de o governo ainda dar mais algumas décimas a salários em 2022 ou subir o subsídio de refeição, que se mantém nos 4,77 euros desde 2017.
Mas, para já, o que Mariana Vieira da Silva põe à frente dos sindicatos é um calendário para programar negociações, a partir de junho. Nas matérias a resolver em quatro anos e meio de legislatura estão a simplificação dos procedimentos de recrutamento, a subida de salário inicial para técnicos superiores que estava programada para ocorrer até 2023, as recomposições nas carreiras de assistentes técnicos e assistentes operacionais face à subida do salário mínimo, a revisão da Tabela Remuneratória Única e ainda a revisão do sistema de avaliação de desempenho da função pública, o SIADAP. De entre estes objetivos, Vieira da Silva reconheceu a urgência de alterar os níveis remuneratórios de assistentes técnicos e assistentes operacionais, cujos salários de entrada passarão a ser indistintos com uma elevação do salário mínimo aos 750 euros prometida para 2023.
Nas declarações aos jornalistas após as reuniões, a ministra da Presidência detalhou ainda dados da proposta de Orçamento de 2022 quanto à evolução da massa salarial nas administrações públicas. Considerando apenas os funcionários públicos existentes, o aumento será de 2,5%, sendo que atinge os 3,6% se consideradas novas contratações (o governo pretende recrutar mais 8100 trabalhadores).
A despesa com salários deverá chegar aos 25,8 mil milhões de euros, num aumento de 900 milhões. Em outubro, a subida prevista era ainda de 780 milhões de euros, mas a revisão dever-se-á agora ao facto de o governo trabalhar com dados completos para 2021 na proposta orçamental entregue neste mês.
Ainda assim, a subida continua a não ser justificada com os valores inscritos pelas Finanças nos quadros orçamentais, que deixam de fora 120 milhões de despesa programada com pessoal.