Salário líquido sobe até 5% com menos descontos para o IRS. Mas há casos de perda de rendimento
O novo modelo de retenções na fonte para trabalhadores por conta de outrem e pensionistas que entra em vigor no sábado, dia 1 de julho, deverá assegurar um aumento do salário líquido que pode chegar aos 5%, segundo as simulações elaboradas pelo Ministério das Finanças.
"Este novo modelo visa assegurar o cumprimento de dois objetivos fundamentais: garantir que a um aumento do rendimento bruto corresponde sempre um aumento do rendimento líquido ao final do mês; assegurar uma maior e crescente aproximação do valor das retenções na fonte ao valor do IRS liquidado através da entrega da declaração Modelo 3 de IRS", afirma a tutela, liderada por Fernando Medina, no comunicado divulgado esta sexta-feira.
Na nota das Finanças, são apresentadas três simulações para solteiro sem dependentes, solteiro com um dependente e casado, dois titulares, com um dependente.
No caso de um agregado de apenas uma pessoa, os ganhos líquidos mensais face ao primeiro semestre variam entre 1% a 2% ou entre 12,48 e 33,78 euros para salários brutos acima de 762 euros, que é o teto da isenção, e até 3400 euros. Por exemplo, um trabalhador solteiro que aufira 850 euros brutos mensais irá sentir um aumento, já depois dos descontos para o IRS, de 17,39 euros, o que corresponde a uma subida de 2%.
Já um solteiro com um dependente pode ver o seu salário líquido aumentar entre 2% a 5% ou entre 21,91 euros e 65 euros para o mesmo intervalo remuneratório. Vejamos esta simulação: um trabalhador com um filho a cargo com um vencimento de 850 euros brutos por mês vai ganhar mais 36,72 euros por mês, o que corresponde a uma subida da remuneração líquida de 5%.
No caso de um casal com um dependente, o ganho líquido está balizado entre 1% e 3% ou entre 10,52 euros e 48,40 euros. A simulação para um salário bruto de 850 euros por mês mostra um incremento, já depois dos descontos para o IRS, de 21,82 euros ou de 3% face ao ordenado líquido de junho.
"Na prática, trata-se de uma aproximação do valor da retenção na fonte mensal ao valor de IRS que virá a ser efetivamente liquidado anualmente", esclarece o Ministério das Finanças, concluindo que, "para a generalidade dos contribuintes, a aplicação das tabelas resultará num aumento do rendimento líquido mensal face ao valor que auferiam no primeiro semestre do ano".
Assim, trabalhadores e pensionistas já poderão dispor "de rendimento que é seu, em vez de esperarem pelo reembolso - que só ocorre no ano seguinte, momento em que passará a haver menos acerto a fazer", salienta. Ou seja, com a aproximação do valor das retenções ao imposto efetivamente devido, os trabalhadores deverão esperar um reembolso menor no próximo ano.
Mas nem todos os trabalhadores irão beneficiar de um alívio na retenção na fonte, que resultaria num aumento do ganho líquido, tal como o Dinheiro Vivo já noticiou. Assim, solteiros com um filho, portador de um grau de deficiência igual ou superior a 60%, que ganhem acima de 1118 euros brutos por mês, inclusive, vão passar a descontar mais, o que se traduzirá num salário líquido inferior.
O alerta foi dado pela Deco Proteste e depois confirmado pelas contas do Dinheiro Vivo para vários escalões de rendimentos. A manterem-se estas tabelas, as perdas salariais podem variar entre um euro por mês para vencimentos brutos mensais brutos de 1118 euros e 161 euros para ordenados ilíquidos de 8000 euros, em comparação com o regime de retenção em vigor. Se calcularmos os descontos para um salário de 1700 euros, por exemplo, a penalização será de 63 euros por mês.
Entretanto, o ministro das Finanças, Fernando Medina, adiantou, na passada quarta-feira, durante uma audição no Parlamento, que o governo irá "analisar a questão" dos trabalhadores solteiros com filhos deficientes a cargo que irão perder salário com as novas tabelas de de IRS, que entram em vigor a 1 de julho. É a primeira vez que o governo aborda esta matéria. Quando o Dinheiro Vivo noticiou, em primeira mão, esta penalização, também questionou o Ministério das Finanças mas não obteve resposta.
Agora, durante aquela audição, Fernando Medina admitiu retificar as tabelas: "Vou analisar a questão e se houver correção a fazer, faremos". E mais não disse.
O Dinheiro Vivo voltou a questionar a tutela se vai efetivamente corrigir as tabelas e como, mas até ao momento não obteve resposta.
O peso que as Finanças atribuem ao filho deficiente é uma das principais justificações para o agravamento da retenção. Até junho, um dependente com grau de deficiência igual ou superior a 60% era equiparado, em termos fiscais, a cinco filhos, o que aliviava significativamente os descontos. A partir do segundo semestre, o mesmo descendente irá valer apenas 3,5 filhos, segundo as contas do Dinheiro Vivo. Esta informação não está disponível no Portal das Finanças, mas antes em despachos do Ministério das Finanças, pelo que não é de fácil descodificação pelo público em geral.
Assim, e até junho, o despacho n.º 14043-A/2022 de 5 de dezembro de 2022 define que "cada dependente com grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60 % equivale, para efeitos de retenção na fonte, a cinco dependentes não deficientes". Esta norma, que "produz efeitos até ao dia 30 de junho de 2023", segundo o mesmo diploma, tem como consequência direta o desagravamento da retenção na fonte, porque quantos mais filhos um trabalhador tem mais ampla é a abrangência da isenção e menores são os descontos.
A partir do segundo semestre, as regras mudam. Não só as tabelas deixam de funcionar numa lógica de taxas percentuais, passando a aplicar-se uma fórmula com base em valores nominais, como também os filhos deficientes passam a ter uma menor importância na redução dos descontos sobre os salários. De acordo com o despacho n.º 14043-B/2022 de 5 de dezembro de 2022, "por cada dependente com grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60 %, é adicionado à parcela a abater o valor de 84,82 euros". Uma alteração que "produz efeitos a partir do dia 1 de julho de 2023", lê-se no mesmo texto legal. Esse valor somado aos 34,29 euros que é dedutível por filho perfaz 119,11 euros, ou seja, fica 52,35 euros aquém dos 171,45 euros que deveriam ser abatidos aos rendimentos do trabalhador, caso o filho em questão valesse por cinco dependentes sem incapacidade. Ou seja, o dependente com deficiência vale agora menos 30,5% ou menos 1,525 filhos, o que equivale a 3,5 descendentes saudáveis.
Esta desvalorização vai agravar a retenção na fonte. Por exemplo, com as tabelas atuais, trabalhadores com ganhos de 1700 euros brutos descontam 110 euros por mês. A partir do segundo semestre, vão começar a reter 173 euros, mais 63 euros mensais.
Em todas as simulações para rendimentos iguais ou acima de 1118 euros foram verificadas perdas. Há, contudo, uma exceção. Quem recebe 1800 euros brutos mensais, terá um ganho líquido de dois euros. Por outro lado, para salários iguais ou inferiores a 1117 euros, não se verificou qualquer alívio na retenção face às tabelas atuais, uma vez que esses escalões de rendimentos estão isentos.
Lembre-se que os descontos em sede de IRS são adiantamentos que os trabalhadores fazem ao Estado relativamente ao imposto a liquidar no ano seguinte. Maior retenção não significa agravamento da carga fiscal. Ou seja, quem descontar mais agora poderá depois receber um reembolso maior. Trabalhadores que retenham menos podem reaver menos imposto ou até ser chamados a pagar, no acerto de contas.
salome.pinto@dinheirovivo.pt