Sala dos Embaixadores aberta para obras

Até ao verão, a Sala dos Embaixadores, do Palácio de Queluz, vai estar em obras à vista dos visitantes. O restauro, de 180 mil euros, vai recuperar algum do esplendor dos elementos decorativos. Mas as marcas do tempo não vão ser apagadas.
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Ponto prévio. Os dourados não vão brilhar como novos nem o reflexo dos espelhos será imaculado no final do restauro iniciado nesta semana na Sala dos Embaixadores do Palácio Nacional de Queluz. "Não queremos passar a ter um palácio do século XXI. Temos de manter as marcas da passagem do tempo. Nem é correto, do ponto de vista ético, estar a tentar ocultar [as marcas do tempo]. Senão, vamos tendo palácios do século XXI, XXII e por aí fora", explica Carlos Marques, conservador-restaurador da Parques de Sintra, empresa que gere o monumento desde 2012.

Após um ano de trabalho intensivo e com esta intervenção em mente desde que a Parques de Sintra é responsável pelo monumento, no início desta semana a tranquilidade da sala usada por D. João VI para o beija-mão e que ainda hoje é usada em cerimónias oficias foi invadida pela ruidosa instalação de andaimes, primeiro passo visível deste restauro integral, num valor estimado de 180 mil euros. Até ao próximo verão está prevista uma verdadeira revolução nesta sala onde diariamente irão trabalhar "entre seis a oito pessoas, talvez dez em alguns momentos", refere Carlos Marques. Sem que a sala seja fechada ao público, dentro do espírito "Aberto para Obras" seguido pela empresa que gere também o Parque e o Palácio Nacional da Pena, o Palácio da Vila em Sintra, o Chalet da Condessa d"Edla, o castelo dos Mouros, o Palácio e os Jardins de Monserrate, o Convento dos Capuchos e a Escola Portuguesa de Arte Equestre.

Por isso mesmo, na quinta-feira de manhã, o DN encontrou uma Sala dos Embaixadores já sem o trono e os jarrões que marcam a sua decoração, e, entre uma sinfonia metálica, os andaimes iam sendo montados de uma forma previamente estudada: "Criámos um corredor de passagem com aberturas no tapume para permitir aos visitantes espreitarem a evolução dos trabalhos e salvaguardando-os de poeiras. Ao mesmo tempo cria--se um espaço um pouco mais privado para os trabalhadores", explica Vanessa Ferreira, diretora técnica do património construído da Parques de Sintra.

Não há uma situação em concreto que tenha pesado na decisão da empresa em avançar agora com o restauro desta sala. "Desde a reconstrução [após 1934, ano em que um grande incêndio destruiu várias salas do Palácio] para cá, a Sala [dos Embaixadores] ainda não teve nenhum restauro de fundo. Foi considerada prioritária tendo em conta a deterioração dos vários elementos e agora o que vai ser feito é um restauro integral, que ultrapassa bastante os elementos artísticos", explica ao DN Inês Ferro, diretora do Palácio de Queluz, que no primeiro semestre do ano recebeu 87 mil visitantes, mais 19 mil do que em igual período de 2016.

Vanessa Ferreira contextualiza: "Desde que a Parques de Sintra gere o palácio, foram estabelecidas prioridades. Numa primeira fase foi dada atenção às obras mais prementes, no exterior - coberturas, fachadas, jardins -, para solucionar os problemas de infiltrações e dar dignidade e uniformização à imagem do palácio."

Ultrapassada esta fase mais crítica, que passou até pelo regresso das fachadas do palácio ao azul original, e por dotar o palácio de uma cafetaria, sala de eventos e auditório, "que nos permitem conciliar a visita dos turistas com esse tipo de serviços, agora estamos em condições de nos debruçarmos sobre este trabalho um bocadinho mais fino, mais delicado, que são os restauros dos revestimentos interiores", acrescenta Vanessa Ferreira.

Carlos Marques sublinha que há todo um trabalho invisível que vai ser feito por trás da "pele" de madeira (de casquinha) que reveste paredes e teto. E Vanessa Ferreira pormenoriza: "A sala está equipada, tal como todo o palácio, com sistema de iluminação, sistemas de deteção de incêndio e de intrusão e também de telecomunicações. Por cima de nós [do teto da sala] estão os sótãos, usados como galerias técnicas para fazer a passagem de todas essas infraestruturas. Como em alguns casos vamos ter de remover estes painéis decorativos, vamos modernizar as infraestruturas e aproveitar para, pontualmente, substituir os sistemas de iluminação, procurando sistemas mais eficientes, sobretudo nos apliques de parede."

Antes do início da obra, nesta semana, houve todo um trabalho de preparação. E quando começou? "Muito sinceramente, terá começado pouco tempo após o estabelecimento das prioridades em termos de intervenção. Diria que pouco depois de o palácio ter passado para a gestão da Parques de Sintra. Mais intensivo, no último ano. Cada vez que temos de intervir num espaço, encaramo-lo sempre como um objeto total. Estar a intervir faseadamente, primeiro nos lustres, depois nas pinturas, depois nos elementos dourados, depois nas madeiras não faz sentido. Apesar de usarmos isso [o restauro à vista] como mais um meio de atração, o visitante também se cansa um bocadinho", responde Carlos Marques.

Quanto ao trabalho preparatório, passou por identificar "o tipo de materiais que tínhamos e o estado de conservação de cada um deles". Madeira, espelhos, elementos dou- rados em papier mâchê e telas pintadas a óleo aplicadas sobre madeira são os diferentes elementos a restaurar. E, com as paredes todas revestidas a madeira, a desinfestação é também uma das tarefas importantes para travar as condições de degradação dos materiais.

Uma das mais-valias desta obra é permitir identificar a antiguidade de cada elemento. Isto porque, "na sua grande maioria, tudo o que hoje se pode ver na Sala dos Embaixadores é resultado da recuperação feita em 1934". Mas alguns elementos podem ser contemporâneos da construção de raiz do palácio, começado a edificar em 1754, segundo projeto do arquiteto francês Jean-Baptiste Robillon. Como as telas figurativas tinham sido retiradas no âmbito do restauro que estava em curso aquando do incêndio de 1934, Carlos Marques tem esperança de que algumas sejam as originais. "Com a limpeza e algumas análises que vão ser feitas às superfícies, vamos conseguir tirar conclusões sobre isso", avança o conservador-restaurador.

Ao contrário do que aconteceu em 1934, agora as telas não vão ser retiradas, a não ser que durante a obra se chegue à conclusão de que é necessário. "Se houver problemas no suporte, por exemplo, aí vamos tirá-las, apeá-las como se costuma dizer", explica Carlos Marques.

Quanto aos espelhos, conta, "são muito complicados e não há propriamente um tratamento que se possa fazer. Vamos tentar atenuar estas manchas, causadas pela humidade em excesso e vamos colocar uma barreira por trás dos espelhos para evitar que haja contacto direto entre a humidade que vem da parede e a parte de trás do espelho. Conjuntamente com isso, estamos a estudar a possibilidade de fazer algum tipo de circulação do ar lá dentro [entre a parede de alvenaria e o revestimento de madeira]".

Os elementos dourados são outro dos pontos a ter em atenção. "A única forma de os tornar mais dourados seria redourar e aí íamos enganar um pouco o tempo. Com a limpeza vai melhorar. Mas o ouro que temos aqui é à base de cobre e oxida, o que provoca um certo escurecimento. Ao limpar, vamos ganhar um pouco de brilho, mas não vai ficar um tcharam de dourado." A confirmar no próximo verão.

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