Sai um pires de caracóis
Não é um assunto pacífico. Se para alguns um prato de caracóis é o melhor petisco de verão, outros nem se atrevem a provar. Confesso que, desde que me lembro de ser gente, apanhar caracóis nas madrugadas de maio e comê-los durante os meses de verão eram parte da rotina familiar. Não se podiam apanhar em todo o lado - recordo-me dos avisos do meu pai que onde havia umas certas plantas os caracóis não sabiam bem - e o tempo em que ficavam guardados nas caixas de rede eram determinantes para o sabor final. "Estão a limpar", era o argumento paterno que frustrava as minhas tentativas de alimentar os pequenos animais.
Orégãos secos, louro, alho, piripíri, sal e vinho branco são os condimentos mais usados na preparação do molho, mas as receitas e os segredos fazem a diferença de restaurante para restaurante. E este verão decidi que não podia adiar mais a ida ao santuário dos caracóis em Lisboa: o Júlio dos Caracóis, junto a Xabregas.
Apesar de ter feito a secundária nos Olivais e morar na zona oriental da cidade, havia sempre um impedimento de última hora que me desviava da Rua do Vale Formoso de Cima. Enguiço quebrado, foi altura de finalmente conhecer Vasco Rodrigues, que herdou do pai Júlio o negócio de família fundado há mais de 50 anos.
Logo à entrada, o cheirinho que sai de um tacho enorme lembra-me os finais de tarde da infância e adolescência. O segredo da receita não o revela Vasco Rodrigues, mas explica: "Os caracóis são lavados de um dia para o outro, ficam 30 minutos em lume brando e depois junta-se cebola, alho, sal e o tal segredo do tempero." Quanto ao resultado final, basta estar um pouco atento ao movimento da casa para perceber que poucos são os clientes que se ficam apenas por um prato de caracóis. Aliás, refere Vasco Rodrigues, "há um cliente que tem o recorde de 15 pratos de caracóis seguidos".
E mesmo que revelasse o segredo, suspeito que nunca conseguiria atingir o mesmo resultado, tal como acontece quando sigo à risca a receita da minha mãe. Acho até que essa incapacidade é mesmo um dos prazeres em comer bons caracóis, seja no Júlio, no Eduardo das Conquilhas (na Parede), no Boa Esperança (em Benfica), três dos mais referenciados restaurantes da capital quando se fala neste petisco.
Já na 13.ª edição, o Festival do Caracol Saloio, em Loures, é uma oportunidade para os apreciadores de caracóis descobrirem os mais diversos pratos feitos à base de caracol. A edição deste ano está em curso e, até 29 deste mês, junto ao Pavilhão Paz e Amizade,11 restaurantes sugerem as especialidades que vão desde o caracol à guilho aos rissóis e pataniscas de caracol, passando até pelo paté, açorda e feijoada de caracol.