Poucos acreditavam que eu seria capaz. Isto não abona a meu favor, é certo, mas até eu duvidava se conseguiria levar a experiência até ao fim. Houve quem apostasse jantares, enquanto outros arriscaram dinheiro. "Nem um dia, Joana." Aguentei dez, tal como prometido. Foram 240 horas sem redes sociais. Não tive crises de abstinência, mas passei pela fase em que os meus dedos procuravam instintivamente as apps no smartphone. De resto, foi bem mais fácil - e melhor - do que eu estava à espera..Para que se perceba o nível de dependência - se é que podemos chamar-lhe assim -, a primeira coisa que fazia ao acordar era entrar no Facebook, depois no Instagram, a seguir no Messenger. Repetia o ciclo antes de começar a trabalhar, nas pausas, na hora de almoço, às vezes durante o horário de trabalho - perdoem-me, ao lanche, antes de jantar, depois de jantar. Ah, e antes de dormir, claro. Quando não acordava a meio da noite e ia espreitar o que se passava nas redes..Segundo o estudo "Os portugueses e as redes sociais", da Marktest Consulting, cada português passa, em média, 1.30 horas por dia nas redes sociais, mas posso assegurar que passava bem mais. Bem mais mesmo. Fosse como distração, como escape ou sei lá bem porquê, dava por mim a fazer scroll compulsivamente. Sentia que perdia tempo, que me incomodava com coisas que não têm de interferir na minha vida, mas não fazia nada para mudar isso. Queixava-me. E continuava lá. No Facebook desde 2009, no Instagram desde 2012..Escrevi sobre as alterações cognitivas e comportamentais que as redes sociais podem provocar no nosso cérebro, mas continuei a usá-las da mesma maneira. Elas estão feitas para nos manter lá, seja através do som das notificações que cria o desejo de ver o que se passa, seja pelo mecanismo dos likes, que provoca a libertação de dopamina (o neurotransmissor do prazer) no cérebro. E nós continuamos a fazer scroll, viajando numa montanha-russa de dopamina, tal como os toxicodependentes ou os viciados no jogo..Nos últimos meses, ouvi falar de várias pessoas que tinham feito um "detox de redes sociais". "Vou entrevistá-los", pensei. Mas depois: "Joana! É disso que tu precisas." Podia ter esperado pelas férias - até porque o Facebook é um instrumento de trabalho - mas senti que tinha de ser agora..Apaguei as aplicações no dia 11 de março, segunda-feira, à meia-noite, depois de fechar as contas em todas as sessões onde estava ligada no computador. Houve ansiedade, nervosismo, o coração bateu mais depressa. E senti-me estúpida por isso. Por um lado, há o sentimento de que estás a desligar-te de uma parte de ti, e, por outro, a ideia de que podes perder algo importante. Coincidência ou não - há quem acredite que não é -, tive insónias. Dormi mesmo muito mal..Abri várias vezes o calendário no primeiro dia enquanto os meus dedos procuravam instintiva e desesperadamente o Instagram. Talvez durante o segundo dia também. E até no terceiro. Fui perguntando se estava a perder alguma coisa importante. "Não. Só lixo." Partilhei com uma amiga o desafio, e ela decidiu fazer o mesmo. "Estamos juntas", disse-me. Confessou "um certo nervosismo" quando apagou as aplicações, e eu senti-me aliviada. "Ufa. Não sou a única.".Percebi desde logo que sair das redes sociais é ganhar tempo. Para os hobbies, para a família, para os amigos, para tratar de assuntos que andas a adiar há meses. Para acabar um livro e começar outro. Para ir ao cinema. Para visitar os primos. Para telefonar a um amigo que não vês há séculos - e, sim, o número tem de estar mesmo gravado nos contactos. De repente, parece que os dias têm mais horas. Mas também cresce a sensação de que se pode perder coisas. "Para ires ao concerto tens de aceitar o convite no Facebook. É só para convidados." Pormenores que se contornam, mas que te fazem pensar que quem não está nas redes sociais fica de fora..Falha global atinge Portugal.Na quarta-feira, uma falha global no Facebook e no Instagram atingiu Portugal. "Eles estão contigo, Joana." Como tive de escrever sobre o assunto, segui atentamente os comentários no Down Detector. Muita indignação, muita gente a dizer mal do Mark Zuckerberg. Eu seria uma daquelas pessoas. Num dia normal, eu estaria em pânico.."E o que é que fazes quando tomas café?", perguntou-me uma amiga. Primeiro, tomo café. Imagino que o mindfulness seja mais ou menos isso: estar focado no aqui e no agora. Não é uma tarefa fácil. Aguentas alguns minutos, mas ao fim de pouco tempo estás a navegar na internet. Não há redes sociais, mas existem milhões de outros sites. Percebes que há uma sede constante de informação. Só não levas com tanto "lixo"..O fim de semana era a prova de fogo. E foi superada. Com amigos, com jantares, com música. E com mais foco, mais atenção nas conversas, mais disponibilidade para ouvir. Sem a necessidade constante de ver notificações ou de publicar uma foto no Instagram..Na segunda-feira fiquei doente: "Estarei a somatizar?" Não. Claro que não - era uma alergia alimentar. E, embora fosse uma altura propícia para ceder à tentação, consegui resistir. Graças ao YouTube, aos filmes, às séries. E à Eliete, da Dulce Maria Cardoso, que me chegou pelo correio, enviada por uma grande amiga..Fotografei apenas dois momentos em dez dias. Se estivesse nas redes sociais, teria tirado dezenas de fotografias para alimentar stories no Instagram. Mas, afinal, não sendo para publicar, aquelas situações não tinham qualquer interesse em ser fotografadas..Concluí, entretanto, que não perdes nada realmente importante, porque há sempre alguém que te faz chegar a informação. E há inúmeras páginas de Facebook - como a do DN - às quais se pode aceder sem ter conta..Regressei ao mundo virtual no dia 21, quinta-feira, o que me causou alguma ansiedade - a mesma ansiedade que me fez deixá-lo. Estou agora a tentar perceber o que vou fazer com isto.