Saakashvili: da Revolução das Rosas na Geórgia a vice-primeiro-ministro da Ucrânia

O ex-presidente da Geórgia já tinha sido governador da região ucraniana de Odessa, antes de entrar em conflito com o antigo chefe de Estado Petro Poroshenko, perder a nacionalidade que tinha ganho em 2015 e ser expulso. Volodymyr Zelensky reabilitou-o e agora convida-o para um cargo no governo.
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Primeiro liderou uma revolução sem sangue e foi presidente da Geórgia, mas saiu e foi acusado de abuso de poder e não pode regressar. Depois, foi nomeado governador da região de Odessa, na Ucrânia, mas a experiência durou pouco e acabaria por perder a nacionalidade ucraniana que lhe tinha sido dada e expulso do país. Agora, Mikheil Saakashvili está de volta.

O político de 52 anos foi convidado pelo novo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para o cargo de vice-primeiro-ministro, responsável pelas reformas. "O presidente confiou-me com a tarefa de liderar as negociações com o Fundo Monetário Internacional. A Ucrânia precisa de muito mais ajuda do que a que está a receber agora", disse Saakashvili aos jornalistas, na sexta-feira, em Kiev.

"A Ucrânia está a entrar numa tempestade económica. Temos que tomar decisões não convencionais de forma a salvar a economia ucraniana", acrescentou. A sua nomeação tem ainda que ter a luz verde do Parlamento da Ucrânia, o que deverá acontecer na próxima quinta-feira.

A Geórgia contestou a nomeação, com o primeiro-ministro Giorgi Gakharia a considerá-la "totalmente inaceitável" e a ameaçar chamar o embaixador ucraniano.

O gabinete do presidente Zelensky disse que Saakashvili é "bem conhecido na arena internacional e já demonstrou experiência na implementação com sucesso de reformas".

Ascensão e revolução

Saakashvili nasceu em Tbilissi, a capital da então República Socialista Soviética da Geórgia, a 21 de dezembro de 1967, sendo oriundo de uma conceituada família de intelectuais georgianos. Formado em Direito, pela Universidade Estatal de Kiev, em 1992, trabalhou na Geórgia na área dos Direitos Humanos e recebeu depois uma bolsa do Departamento de Estado dos EUA, tendo estudado na Universidade de Columbia.

A entrada na política fez-se em 2005 pela mão do amigo Zurab Zhvania (que mais tarde seria seu primeiro-ministro), que trabalhava então com o presidente Eduard Shevardnadze. Este era o líder de facto da Geórgia desde os tempos soviéticos, sendo primeiro secretário do Partido Comunista da Geórgia entre 1972 e 1985 e depois assumindo o cargo de chefe da diplomacia de Mikhail Gorbachev até à queda da União Soviética em 1991. Na nova Geórgia independente assumiu a presidência.

Eleito deputado nesse ano pelo partido de Shevardnadze, a União dos Cidadãos da Georgia, Saakashvili foi ganhando destaque e, em 2000, tornava-se ministro da Justiça. Apesar de ter lançado um programa de reformas do sistema judicial e prisional georgianos, acabaria por se demitir no final de 2001 em choque com outros ministros e com o chefe polícia de Tbilissi -- que acusou de tirar partido de negócios corruptos -- denunciando que o governo de Shevardnadze não era capaz de lidar com a situação.

A rutura com o presidente culmina na sua saída do partido e na fundação do opositor Movimento Nacional Unido (centro-direita, com toque nacionalista). Nas legislativas de novembro de 2003, Saakashvili denunciou a existência de frade e clamou vitória. Apelou então aos georgianos para saírem à rua para protestarem pacificamente contra Shevardnadze. Após duas semanas de manifestações, o presidente demitiu-se, naquela que ficou conhecida como a Revolução das Rosas.

A 4 de Janeiro do ano seguinte Saakashvili era eleito para a chefia do Estado georgiano com uma maioria de 96% dos votos.

Dois mandatos e queda

Apostando na sua política de reformas contra a corrupção e na abertura económica, Saakashvili prometeu a adesão da Geórgia à União Europeia e à NATO. Nos primeiros meses da presidência, enfrentou uma crise separatista na Ajária e resolveu o conflito pacificamente.

A situação complicou-se nas regiões da Abcásia e da Ossétia do Sul, que optaram pela militarização o que acabaria por levar ao confronto aberto já em agosto de 2008, na Guerra dos Cinco Dias (com as repúblicas separatistas a contarem com o apoio da Rússia).

Nessa altura, já Saakashvili tinha contudo sido reeleito, nas eleições antecipadas de janeiro de 2008, mas desta vez por uma curta maioria de 52.2%. Para trás tinham ficado meses complicados de protestos, após denúncias de corrupção por parte do ex-ministro da Defesa Irakli Okruashvili contra o presidente e o fecho da principal estação de televisão da oposição. Saakashvili chegou a declarar o estado de emergência e a resposta da polícia às manifestações foi vista como excessiva pelas organizações de Direitos Humanos.

O segundo mandato ficou marcado pelos protestos constantes contra o presidente, cada vez mais acusado de abuso de poder. O partido de Saakashvili acabaria por perder as legislativas de outubro de 2012 e, impedido de se candidatar a um terceiro mandato nas presidenciais de outubro de 2013, ele acabaria por deixar a Geórgia no final do mandato.

Os problemas com a justiça da Geórgia começaram no ano seguinte, com acusações desde abuso de poder a desvio de dinheiros públicos, mas Saakashvili nunca voltou ao seu país natal para enfrentar os tribunais, tendo sido condenado à revelia. Ele sempre negou as acusações e falou de um julgamento político.

Governador na Ucrânia

Saakashvili, que tinha estudado com Petro Poroshenko em Kiev, apoiou as manifestações Euromaiden em fevereiro de 2014, que culminaram na queda do presidente ucraniano Viktor Yanukovytch, considerado próximo dos russos.

O ex-presidente da Geórgia viria a ser convidado em maio de 2015 pelo novo presidente ucraniano para ser governador de Odessa. Nessa altura, abdicou da cidadania da Geórgia, que dizia significar a prisão garantida, e passou a ser ucraniano.

A escolha de Poroshenko tinha sido feita com base no currículo de Saakashvili de luta contra a corrupção, mas este acabaria por se demitir em 2016, acusando os aliados do presidente de corrupção e de bloquear as reformas e acabando por entrar em choque com o chefe de Estado.

Aproveitando que ele estava no estrangeiro, os ucranianos acabaram por retirar-lhe a cidadania, mas ele forçou a entrada num posto fronteiriço com a Polónia para voltar a entrar, em setembro de 2017. Seria contudo deportado cinco meses depois, apesar de muitas manifestações de apoio.

Saakashvili regressou à Ucrânia no ano passado, depois de o novo presidente Volodymyr Zelensky (cuja candidatura tinha apoiado) lhe devolver a cidadania, num dos seus primeiros atos oficias no cargo. Calculava-se então que poderia ser nomeado para um cargo político, mas ficou na sombra. Até agora.

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