Ruído gera discórdia entre bar de Luís Represas e dono do prédio de alojamento local
Considerado o bar mais antigo com música ao vivo de Lisboa, o Xafarix tem estado envolvido em polémica nos últimos dois anos por causa do ruído. O prédio do espaço gerido por Luís Represas foi transformado num alojamento local e os turistas e vizinhos queixam-se de não conseguirem dormir nas noites em que há música ao vivo.
O proprietário, o francês Antoine Monnier, já apresentou várias queixas na Câmara Municipal de Lisboa na sequência de duas medições de ruído que provam o ruído excessivo do espaço; o município diz que já sancionou o bar com restrições de horário; o músico disponibiliza-se para fazer mais obras, mas só se forem pagas pelo dono do prédio. No meio desta situação, o Xafarix obteve, à segunda tentativa, o estatuto de Loja com História.
"Quando comprei o prédio já sabia que havia um bar com música ao vivo. Gastámos mais de um milhão de euros em todas as obras e que incluíram um projeto de isolamento para minimizar o ruído causado pelo bar. Só que ao fim de um ano de trabalhos apercebemo-nos de que isto não tinha sido suficiente", lamenta o empresário francês, que criou a empresa Hermitage Castelo e comprou outros dois prédios na capital para convertê-los em alojamento local, no Castelo e na Sé.
O primeiro teste de som ao Xafarix foi feito em 24 e 25 de agosto do ano passado. "Verificou-se que para o período noturno o interior do bar não cumpre os requisitos legais aplicáveis à emissão de ruído", refere o relatório a que o JN/Dinheiro Vivo teve acesso. O bar, entretanto, esteve dois meses fechado para "obras de insonorização", entre outubro e o início de dezembro.
Só que o Xafarix reabriu e o barulho a mais voltou, na noite de 14 para 15 de dezembro, mesmo depois da instalação de um limitador sonoro selado, na semana anterior. Os sistemas de controlo de ruído da Polícia Municipal detetaram o ruído excessivo, o que levou à abertura de um processo para impor a segunda restrição de horário de funcionamento deste bar - a primeira restrição foi imposta no final de dezembro.
Luís Represas justifica os problemas de ruído com a instalação de um elevador no prédio, que terá interferido com o isolamento acústico do bar. "Estamos a tentar adaptar a nossa atividade musical a esta situação. Se concluirmos que é impossível continuar a atividade, teremos de a suspender para fazer esses trabalhos. É nossa intenção que as duas atividades coexistam", referiu o músico ao JN/Dinheiro Vivo no final de dezembro. O francês alega que o barulho não vem da zona onde está o elevador.
Mas o dono do Xafarix quer que as obras sejam pagas sobretudo pelo dono do prédio. "Vimos solicitar à Hermitage Castelo, enquanto proprietária, senhoria e principal interessada, a realização de obras de beneficiação da insonorização do espaço que arrendamos, com eventual recurso aos fundos municipais, estando, naturalmente, disponíveis para prestar a colaboração necessária a este objetivo", refere o músico em e-mail enviado na quinta-feira ao empresário francês.
O dono do prédio defende-se com o contrato de arrendamento. "São da conta da sociedade inquilina todas as obras de reparações interiores e exteriores cuja necessidade resulte de causa ou acidente que lhe possa ser imputado, e também custear todas as obras de reparação tornadas necessárias em virtude do uso que lhe der."
As desavenças entre o músico e o empresário não ficam por aqui. O Xafarix foi o primeiro espaço de música ao vivo a receber o estatuto de Loja com História, que distingue locais com características únicas desde há várias décadas em Lisboa. Mas Antoine Monnier contestou a candidatura durante a segunda tentativa, em 2018.
Numa primeira fase, em 2017, o grupo de trabalho que gere o projeto recusou atribuir o estatuto por falta de cumprimento de critérios como o significado para a história cultural da cidade, a existência de mobiliário e iluminação únicos e a decoração do interior. Luís Represas contestou a decisão e pediu mesmo o testemunho de Luís Silveira Botelho, inspetor-geral da Inspeção-geral das Atividades Culturais.
Em janeiro de 2018, o relatório de avaliação foi revisto e o Xafarix passou a respeitar os critérios necessários para receber o estatuto municipal. Em maio, o conselho consultivo aceitou o documento e o processo de consulta pública decorreu em agosto do ano passado. "Não fomos informados antecipadamente desta candidatura, que era o que deveria ter acontecido", lamenta Antoine Monnier.
Após os advogados do empresário francês terem enviado o relatório que detetou o excesso de ruído, foi proposta pelo grupo de trabalho a suspensão de candidatura, que foi oficializada em meados de outubro.
Dois meses depois, no entanto, a Câmara Municipal de Lisboa aceitou atribuir, em definitivo, o estatuto de Loja com História ao Xafarix, alegando que tinha sido resolvido o problema do ruído. Com esta classificação, além de se proteger de um eventual desalojamento graças a uma moratória de cinco ou dez anos, também pode aceder a um fundo municipal que comparticipa eventuais obras em até 80% (obras até 25 mil euros) ou mesmo na totalidade (em casos excecionais, se custarem mais de 25 mil euros).
Com a falta de entendimento entre proprietário e inquilino, antecipa-se uma batalha nos tribunais.