Rui Rio força Governo a assumir a dívida total da Casa da Música
Após um dia conturbado, em que o Governo e a Câmara Municipal do Porto viveram um «braço-de-ferro» a propósito da questão do passivo da Casa da Música (CM), a assembleia-geral da instituição acabou por aprovar ontem o modelo de gestão previsto (fundação), com o Estado a assumir a dívida de cerca de 100 milhões de euros, recebendo em contrapartida a titularidade do terreno onde se encontra o edifício.
A nova fundação pode agora avançar, uma vez que foi nomeada a comissão liquidatária para a dissolução da Casa da Música/Porto 2001 SA, que é composta pelo actual Conselho de Administração, de que fazem parte Couto dos Santos, Agostinho Branquinho e Óscar Liberal. A extinção da sociedade ocorre a partir do final do ano. Este desenlace foi, contudo, difícil e polémico, com o presidente da câmara a acusar, durante a manhã de ontem, o Governo de recuar na questão do compromisso de assumir o passivo total.
O autarca foi surpreendido, segunda-feira, com um parecer do Ministério das Finanças que aceitava que a operação fosse feita desde que os 3,5 milhões de euros, relativos ao investimento inicial da autarquia, fossem considerados prémio de emissão (capital social), o que implicava que a câmara perdesse 87 por cento desse valor e fosse ainda envolvida na resolução de parte do passivo. O ministério enviou ainda outro documento em que assumia a parte das dívidas relativas aos empréstimos (juros e amortizações de empréstimos). No entanto, o valor do passivo levou o autarca a não aceitar a proposta.
Durante todo o dia, Rui Rio desdobrou-se em negociações com a Secretaria de Estado do Tesouro, no sentido da proposta da autarquia ser aceite pelo Governo, o que veio a acontecer. «Esta situação obrigou a uma braço-de-ferro com o Governo, mas é minha obrigação, enquanto presidente da Câmara do Porto, defender a cidade e a Casa da Música», disse o autarca, já ao final da tarde. A assembleia-geral, reunida ao início da noite, viria a confirmar o acordo obtido por Rui Rio, com o Ministério das Finanças a assumir a dívida.
Com estas decisões, a futura fundação, que irá gerir a CM, fica desobrigada de qualquer passivo e terá como principal missão a gestão do espaço. De acordo com o presidente da Câmara do Porto, a fundação pode ser criada e entrar em funcionamento antes da liquidação da sociedade, dado serem dois processos distintos.
A Fundação Casa da Música será financiada por capitais maioritariamente públicos (60 por cento), com a restante fatia a pertencer a privados. Contudo, do rescaldo da assembleia, não foram avançadas novidades relativamente à composição da nova fundação.
Do lado do Governo, e após o protesto matinal de Rui Rio, a ministra da Cultura, Maria João Bustorff, veio esclarecer, a meio da tarde, que nunca esteve em causa o compromisso de assumir o passivo. «Houve alguma precipitação e mal-entendido», referiu a ministra à Lusa, manifestando-se «contente por ver o problema resolvido». Além disso, assegurou que se mantém 15 de Abril como a data de inauguração do equipamento.
Após o desabafo de Rui Rio, o Partido Socialista defendeu em comunicado a criação de «uma fundação em proporções e moldes semelhantes aos do Centro Cultural de Belém».
Os socialistas, porém, apontaram o dedo a Rui Rio e responsabilizaram-no pelo «mal-entendido» com o Governo, considerando que «resulta do desprezo total a que a maioria que dirige a autarquia tem votado as questões da cultura». O PS referiu ainda que a CM sempre foi entendida muito mais como «um fardo a suportar» do que como «uma alavanca para a dinamização cultural e consolidação do Porto como polarizador da cultura regional, nacional e internacional».