Rui Moreira vai a julgamento. Mantém que é "infâmia" e acena com recandidatura

O autarca do Porto promete que não irá prolongar o julgamento com expedientes dilatórios e assegura que é inocente nesta ação, à qual atribuiu intenção políticas para o afastar do combate autárquico deste ano na cidade Invicta.
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Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, vai a julgamento no processo Selminho, onde é acusado de favorecer a imobiliária da família, da qual era sócio, em detrimento do município, anunciou ontem o Tribunal de Instrução do Porto. A juíza Maria Antónia Ribeiro, do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto, decidiu pronunciar o autarca, pelos crimes de prevaricação e abuso de poder.

Pouco tempo depois de se conhecer a decisão do TIC do Porto, Rui Moreira fez uma declaração à imprensa, sem direito a perguntas, em que reiterou a sua inocência neste processo: "Considero um insulto infame que digam que beneficiei a minha família".

O autarca do Porto ligou o seu caso às eleições autárquicas, que decorrem este ano, e garantiu que o facto de ir a julgamento em nada altera a sua "ponderação" para se recandidatar a um novo mandato na câmara do Porto enquanto independente. O que soou quase a um anúncio da recandidatura que ainda não aconteceu.

Rui Moreira, que se mostrou emocionado na hora de ler a sua declaração, sublinhou que "esta decisão (do TIC) não me deu nem me tirou razão", mas "apenas remeteu a decisão para outro tribunal. E prometeu que não irá prolongar , com expediente dilatórios, o andamento de "um processo que surge em vésperas das eleições autárquicas".

Insistiu que "é absolutamente inequívoco que não tive qualquer participação no processo em que esteve envolvida a minha família" e que ficou conhecido como o processo Selminho. Lembrou que este caso começou em 2004 e que foi desencadeado em tribunal em 2010, "muito antes de ser presidente da câmara", com a ressalva de que os terrenos da família acabaram por ser perdidos em favor da autarquia na altura em que já era autarca. "Perigosos tempos estes", concluiu.

O processo, garantiu, está "na avaliação da minha recandidatura". E se proferiu a palavra "avaliação", quase que anunciou naquele momento, em que se mostrou bastante emocionado, ser candidato. "Seria uma traição aos portuenses e aos que me têm apoiado. Desiludam-se os que pensam que este processo me afasta da luta pela cidade que amo. Aguentarei inabalável como granito". E foi ao pai que dedicou essa resistência.

No debate instrutório, realizado em 29 de abril, o Ministério Público (MP) defendeu que Rui Moreira fosse a julgamento, reiterando que, enquanto presidente do município, agiu em seu benefício e da família, em prejuízo do município, no negócio dos terrenos da Arrábida. Isto, num conflito judicial que opunha há vários anos a câmara à empresa imobiliária (Selminho), que pretendia construir num terreno na escarpa da Arrábida.

A defesa de Rui Moreira, que pode perder o mandato na autarquia do Porto, requereu a abertura de instrução, fase facultativa que visa decidir por um Juiz de Instrução Criminal se o processo segue e em que moldes para julgamento.

O JN, que teve acesso à decisão instrutória, revelou que a juíza concluiu que "foram recolhidos indícios suficientes de terem ocorrido os factos imputados ao arguido, os quais constituem autoria do crime de prevaricação (de titular de cargo político)" Maria Antónia Ribeiro considerou ainda que "é solidamente previsível que, se submetido a julgamento, venha a ser aplicada ao arguido, em função da prova colhida nos autos, uma sanção penal".

Esta decisão do TIC do Porto vem ao encontro do que foi defendido em debate instrutório pelo Ministério Público que sempre defendeu a ida de Rui Moreira a julgamento: "A única parte que ganhou com isto foi a Selminho. A Câmara [do Porto] não ganhou nada. O Dr. Rui Moreira atuou em benefício seu e da empresa da sua família e fê-lo contra a lei", disse então o procurador Nuno Serdoura.

Na mesma altura, a defesa do autarca batia-se contra essa possibilidade, argumentando que o caso Selminho está assente "num processo de intenções, teorias e fabulações" do procurador do MP. O advogado Tiago Rodrigues Bastos recordou que estes mesmos factos já haviam sido analisados pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que considerou não haver qualquer ilegalidade. Não foi o que entendeu o Ministério Público.

Na origem deste processo está um terreno na escarpa da Arrábida, cuja propriedade foi disputada entre a Câmara do Porto e a imobiliária Selminho, da família de Rui Moreira, empresa que comprou um terreno a um casal que o tinha adquirido em 1970, mas sem registo da transação. Na altura a Selminho era controlada pela mãe de Rui Moreira (5%) e por uma sociedade detida por ele e pelos irmãos (95%).

Em 2005, a imobiliária pede autorização para construção de um edifício de apartamentos de 12 pisos neste terreno, com vista para o mar, e conseguiu garantir os direitos a essa construção. Mas em 2006, com a entrada em vigor do novo PDM do Porto, vê negada essa possibilidade. Quatro anos depois, em 2010, a Selminho interpõe uma reclamação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal para que fosse declarada a ilegalidade de dois artigos do PDM que impossibilitavam a concretização do projeto, que a acontecer devia dar direito a um indemnização superior a 1,5 milhões de euros.

Depois de pedidos de pareceres ao LNEC, a Câmara do Porto decidiu adiar a decisão de revisão do PDM contestado para a altura em que o documento deveria ser revisto, ou seja em 2016.

Mas entretanto, em 2013, Rui Moreira toma posse como presidente da autarquia, depois de ter sido eleito num movimento de cidadãos. Dois meses após assumir cargo, o autarca passou uma procuração a advogados para poderem representar os interesses da câmara no processo da Selminho.

Em 2017, o Bloco de Esquerda apresentou uma queixa sobre este caso, mas foi arquivada. Rui Moreira decidiu então que o município deveria reclamar a parcela da encosta da Arrábida e, em 2019, um tribunal de primeira instância diz que a escritura de venda à Selminho é inválida. Em 2020, o Supremo Tribunal de Justiça anula o contrato de compra e venda entre o casal supostamente proprietário - e que o tinha registado por uso capião - e a sociedade imobiliária da família de Rui Moreira.

O Ministério Público alega que o autarca - que se for condenado perderá o mandato e incorre numa pena entre dois a oito anos de prisão - praticou atos na dupla qualidade de representante do município e sócio da empresa imobiliária.

"Quero deixar claro que é absolutamente falso e mentiroso que alguma vez tenha tido alguma intervenção enquanto presidente do município. Era preciso ser muito tolo para que, depois de me ter candidatado e recandidatado ao cargo que hoje ocupo, me colocasse numa posição tão frágil", defendeu-se Rui Moreira.

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