RUI FRIAS: Deco e a selecção: uma relação de amor e ódio

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Em 2003 Deco entrava na selecção portuguesa após um polémico processo de naturalização que dividiu opiniões publicadas e as sensibilidades dentro do próprio balneário da selecção.

Suportado pelo apoio de um seleccionador também brasileiro e de persona- lidade férrea, Deco inaugurava então a vaga de importação da selecção por- tuguesa neste milénio - abrindo a por- ta que Pepe e, mais recentemente, Liedson acabaram também por aproveitar.

Deco era, então, o "mágico" do meio- -campo do FC Porto de José Mourinho que estava a caminho da dupla vitória europeia, na Taça UEFA e na Liga dos Campeões; era, na altura, uma espécie de "o último 10" do futebol moderno, que "obrigou" a antecipar a reforma de Rui Costa na selecção.

Foi com Deco em campo que Portugal viveu o melhor período da sua história, chegando, sucessivamente, a uma final de um Europeu (2004) e às meias-finais de um Mundial (2006). Mais do que isso, foi muito graças a Deco e à sua função de "costureiro" de praticamente todo o futebol ofensivo da selecção no relvado. A "decodependência" passou a ser uma evidência e acabou por ser "engolida" até pelo "barões" do balneário que lhe torceram o nariz à chegada.

Homenagem feita à sua história na selecção, impõe-se olhar para a actualidade. Sete anos depois da sua estreia com a camisola de Portugal, Deco já não é o "mágico" que fazia a diferença no FC Porto, nem aquele costureiro de luxo que vestia Ronaldinho no Barcelona campeão europeu de Rijkaard. Perdeu fulgor, ganhou marcas de cansaço no corpo e o talento que as suas botas faziam então planar alegremente pelos relvados passou a arrastar-se de forma mais lenta e sofrida. Deco entrou, ele próprio, na curva descendente que desmascarou em Rui Costa há sete anos.

O Barça, aliás, demorou pouco tempo a perceber isso - e "dispensou-o" para o Chelsea. Os azuis de Londres também o sentiram e tiveram um Deco intermitente, com apagões cada vez mais prolongados. A selecção portuguesa também o sente na pele há pelo menos dois anos - alguém se lembra de um grande jogo do número 20 de Portugal desde o Euro 2008?

Deco, sejamos realistas, passou a ser um problema. Porque não é o mesmo e porque, ao contrário do que aconteceu no Euro 2004 com Rui Costa, não tem outro Deco pronto a substitui-lo. Mas, principalmente, porque Carlos Queiroz ao longo dos últimos dois anos foi incapaz de encontrar uma solução para um problema óbvio. Solução que tanto podia passar por uma táctica que resguardasse Deco de grandes desgastes e lhe valorizasse apenas aquilo que a idade não retira - a classe e qualidade do seu passe - como por tentar promover um substituto que permitisse mascarar a dependência do meio-campo em relação a um jogador em fim de linha. Queiroz fez o contrário. Preferiu acreditar num milagre da eterna juventude e abdicou até de qualquer alternativa natural a Deco na convocatória para o Mundial - ignorando João Moutinho ou Carlos Martins.

Para funcionar como equipa Portugal continua, assim, a depender de um Deco que, como Jorge Jesus denunciou - colocando o sal na ferida -, agora "joga a gasóleo". Com um motor assim, Portugal é um carro potente que não chega sequer a accionar o turbo (Cristiano Ronaldo). E, por tudo o que significou para o futebol português na última década, Deco não merecia ser um problema da selecção actual. Muito menos ao ponto de se transformar num problema disciplinar que acaba por devolver à figura de Deco, neste seu fim de linha na selecção (despede-se neste Mundial), o tom de polémica com que entrou em 2003.

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