Ruben A. e as coisas
A convite do Círculo José de Figueiredo, presidido por Álvaro Sequeira Pinto, teve lugar no Museu Soares do Reis, do Porto, uma invocação de Ruben A., comissariada por João Pimenta e com a presença de Alexandra Andresen Leitão, filha, e de Dália Dias, investigadora essencial sobre o homenageado. Foi para mim um gosto reencontrar-me com a memória fascinante do autor das obras-primas A Torre da Barbela e O Mundo à Minha Procura. Com emoção, ouvimos a leitura de cartas adoráveis a sua filha, avultando a descrição pormenorizada da inauguração do edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian, plena de graça, sobre uma instituição que o escritor tanto admirou. Escolhi invocar algumas marcas indeléveis do gosto de Ruben. E veio-me à memória a afirmação de sua prima Sophia: "O Ruben tinha o dom da amizade, cultivava os seus amigos e era um homem que via nos amigos qualidades extraordinárias. Era uma pessoa que nos dava um extraordinário apoio em todos os planos da vida". Sentimo-lo intensamente em cada palavra que dele recordámos.
Falando de afetos, comecei por lembrar a Casa do Sargaço, em Montedor, no Carreço, "ali no solarengo e hospitaleiro Alto Minho, nas bordas da velha estrada real que liga Viana do Castelo a Caminha". E, em estilo muito próprio e cativante, lembrando o "cenário infindo do mar imenso", ele, eterno andarilho, convidava o viajante: "Quando fores a Carreço, pensa só em lá voltar porque foi pouco o tempo em troca de tão grandes riquezas que te deram. Sabes, digo-te o que sinto: vale a pena ser português para conhecer Carreço". E esse amor à terra era infinito, lendo com confessado prazer Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico de Orlando Ribeiro, que era dos seus livros diletos. Mas o amigo Raul Miguel Rosado Fernandes admirou-se quando Ruben se entusiasmou pelo "Monte dos Pensamentos" em pleno Alentejo, em Estremoz, que adquiriu com a herança da tia Olga Andresen. Era um amante de antiguidades, no esteio, aliás, de seu pai. E José Maria Almarjão, antiquário de primeira água, que não pode ser esquecido, lembrava que "aos fins de semana varríamos os antiquários, tanto no "Sargaço" como em Estremoz. O Ruben estava sempre nervoso para ir "à caça". Eu normalmente descobria as peças e o Ruben sabia sempre quem estaria interessado em comprá-las! Descobríamos, entre outros, retratos, arquivos, moinhos manuais de café e chegámos mesmo a comprar uma charrete aos ciganos no meio da estrada..." Livros, quadros, faianças, azulejos, uma célebre cantoneira, primeiras edições de Camilo ou desenhos de Alvarez. Quanto a imagens de Cristo confrontava-as com as de José Régio, que lhe fala da sua "velha toca atravancada de velharias poeirentas".
A personalidade de Ruben é inesgotável de criatividade imaginação e sonho, mas também de sensibilidade e de rigor histórico. Alugou um Rolls Royce para ir buscar ao aeroporto Menez e o seu primo Ruy Leitão. Comprou um táxi de 1933 para vir de Londres até ao Sargaço, fazendo furor no pacato Minho - Lord Snob, AXL-478. O século XIX apaixonava-o. Foi o melhor biógrafo de D. Pedro V, o primeiro homem moderno que houve em Portugal. A geração de 1870 era também a sua: "É-me difícil escrever, porque estou a ouvir Antero que me vara pelo seu olhar e para o qual não estou totalmente habituado, mas, por outro lado, me encanta ao correr das suas palavras. Antero é um peso". Falava da estátua do amigo Barata Feyo. Afinal, o convívio com os ressuscitados da Barbela era o dia-a-dia. E uma noite disse a José Maria Almarjão: "Isto não é uma reza, mas faço a mim próprio uma espécie de exame de consciência - se hoje fiz alguma coisa boa para qualquer pessoa - e fico satisfeito que é raro o dia em que não tenha feito um empurrão qualquer"...
Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian