Rotundas e semáforos roubam lugar a sinaleiros

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S ão já só quatro os polícias sinaleiros a exercer a actividade em Lisboa. Chegaram a ser 270. Mas o número foi diminuindo conforme foram sendo construídas rotundas ou colocados semáforos. "É o progresso", explicam os mais velhos. Quem os quer ver "dançar" terá de se deslocar a Belém, Xabregas ou ao Príncipe Real. Um dos sobreviventes a esse progresso é o agente Paixão, sinaleiro desde 1992.

De chapéu colonial, luvas brancas e apito na mão, tudo como manda a tradição, António Paixão, 44 anos, coordena, há mais de dez anos, o trânsito no cruzamento da Rua de São Mamede com a Rua da Escola Politécnica. Só lhe falta mesmo a peanha, o velhinho palanque branco onde os sinaleiros costumavam estar a comandar o trânsito. Entre as 08.00 e as 11.30 e as 16.30 e as 20.00 lá está ele em pleno cruzamento, sempre com um sorriso. Até porque outro humor não fazia sentido para quem considera a sua profissão uma arte: "O sinaleiro deve ser muito elegante. Os sinais de sinaleiro têm de ser feitos com muita precisão para que os condutores o percebam", explica ao DN.

À parte da sinalética, este polícia sinaleiro ajuda quem quer que lhe peça ajuda, desde o simples pedido de informações sobre ruas ao pedido para atravessar a estrada em horas de maior confusão ou se for caso disso trocar dois dedos de conversa para matar o tempo . "Sou muito polivalente", diz com brio.

Mas não se pense que o agente Paixão não se irrita: "Há pessoas que passam aqui só mesmo para me irritar. Atravessam fora da passadeira, metem-se à frente dos carros. Os peões são o meu maior problema." Ainda assim, o conhecimento e maturidade que ganhou com os mais de 15 anos ao serviço da PSP permitem-lhe outra abordagem que não a do mau da fita. "Tenho um papel social importante aqui, mais de prevenção do que de punição", frisa, adiantando que mesmo assim, sempre que se justifique, "passo uma ou outra multa. Há condutores que me desobedecem. Eu mando-os parar e assim que viro as costas arrancam."

Memórias

António Paixão lembra os primeiros tempos de serviço na Rua da Escola Politécnica. Confessa não terem sido fáceis mas entende que "valeu a pena". "Quando vim para aqui, em 1995, as pessoas não estavam habituadas a obedecer a um sinaleiro, principalmente os estudantes, que passavam sempre fora da passadeira", conta, lembrando que tudo passou a ser diferente quando "uma professora da Universidade Aberta colocou um papel no elevador a dizer: 'O polícia sinaleiro é para ser respeitado.'"

Com o tempo, o "cabeça de giz" - como na gíria são conhecidos os polícias sinaleiros - foi fazendo amigos: "Tratam-me como se fosse da família." "Este senhor é a pessoa mais simpática desta cidade. Não é, Paixão?", diz ao DN uma senhora que entretanto atravessa a estrada. As crianças então adoram-no. "Chamam-me o Sr. Lei, que é o polícia do Noddy." Ainda houve um presidente da junta de freguesia local que chegou a propor sinais luminosos para aquele cruzamento, mas "as pessoas votaram contra, disseram que preferiam o sinaleiro", conta, orgulhoso.

Formação

Natural de " de uma vila perto de Coimbra chamada Ceira", o agente Paixão veio cedo para Lisboa para ingressar na PSP. Os intervalos entre os turnos na Rua da Escola Politécnica permitiram-lhe tirar o bacharelato em Acção Social. Actualmente está a tirar o complemento para obter a licenciatura em Ciências Sociais, na vertente Política Social. "Gostava de trabalhar como assistente social", confessa.

Da terra natal as saudades não crescem muito porque volta sempre que pode. "Há 20 anos que faço parte do Grupo Folclórico de Coimbra, por isso tenho mesmo de ir lá frequentemente", conta.

Sobre o futuro dos polícias sinaleiros, o agente Paixão diz que, apesar de só existirem quatro, "são para manter", porque argumenta "os 'cabeça de giz' são a imagem da Divisão de Trânsito e da cidade de Lisboa".

Chegaram a existir 270 agentes nas ruas de Lisboa, actualmente já só há quatro a exercer a especialidade de sinaleiro. António Paixão é um dos sobreviventes ao progresso da cidade. Há mais de dez anos que coordena o cruzamento da Rua de S. Mamede com a Escola Politécnica e diz que a sua função é uma arte. Os miúdos chamam-lhe o Sr. Lei, o polícia do 'Noddy'
Polícias sinaleiros surgiram em 1927

Foi em 1927, por ordem do comandante da Secção de Trânsito, que foram criados os polícias sinalei-ros. Na altura era obrigatório anda-rem equipados de capacete, luvas e cassetete branco, usando também uma braçadeira vermelha com um T. O número de "cabeças de giz" chegou a atingir os 270, divididos por três turnos.

Os agentes estavam espalhados pelas principais e mais complicadas artérias da cidade. Até há não muito tempo era comum ver-se um polícia em cima de uma peanha de madeira pintada com riscas brancas e vermelhas. O palanque foi inventado para proteger o agente do trânsito, tornando-o mais visível à distância.

Os lugares para sinaleiro abriam por concurso, e depois de seleccionados os agentes faziam um curso de formação e um estágio, que geralmente era acompanhado por um outro agente mais experiente. Prática ainda hoje em curso. Com o passar do tempo e com a construção das rotundas e instalação de semáforos, estes profissionais do trânsito foram desaparecendo e hoje restam apenas quatro.

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