Roteiro por 11 obras de street art
Passaram pouco mais de dois anos desde que a Zest editou o livro Street Art Lisbon. Mas a quantidade e qualidade dos trabalhos com que artistas nacionais e estrangeiros coloriram a cidade entre 2014 e 2016 explicam a publicação deste segundo volume.
Em jeito de álbum, num formato prático e leve, com um mapa e coordenadas GPS de localização das 196 obras que reúne. Apesar de ter mais páginas que o primeiro, mesmo assim, "há algumas peças que ficaram de fora e que eu gostaria de ter posto", confessa ao DN o editor Nuno Seabra Lopes.
Em relação à edição anterior, há outra novidade: "procurámos colocar outras formas artísticas típicas da street art que não estavam tão representadas no primeiro volume, como os stencil ou os stickers; ou seja, há pequenos elementos da cultura urbana, que vemos em vários sítios quando caminhamos pela rua, pequenos apontamentos, que são giros e alegram a nossa cidade. Tentámos colocar algumas peças dessas neste livro para dar um panorama mais alargado". Para este roteiro que fez para o DN, são sete as tags nacionais nas onze obras imperdíveis. Que termina com uma sugestão fora da capital.
1 Hedof/AkaCorleone
Av. Álvares Cabral
Dos portugueses Hedof e AkaCorleone, "esta é uma peça que representa muito a cidade porque está tremendamente visível. A partir do Castelo e de vários miradouros, sobressai e tem um colorido tão intenso. Na zona da Baixa e do Castelo, entre os telhados e as cores claras dos edifícios, de repente deparamo-nos com esta joia de cores que dá a Lisboa um toque lindíssimo".
2 Mathieu Tremblin
Rua do Rio Coura
Uma escolha inesperada já que, à primeira vista, não passa de um gráfico de barras. "Este artista francês ficou famoso com um leque de peças diferente: pegou numa parede cheia de tags e basicamente pintou por cima e refez as tags em letra tipográfica. Como se fosse um burocrata a tentar dar uma normativa ao graffiti. Neste caso, uma peça feita para o Festival Muro [organizado pela Galeria de Arte Urbana da Câmara de Lisboa em 2016 no Bairro Padre Cruz], acaba por fazer, numa peça artística comissionada, uma crítica à arte comissionada. E de uma forma que as pessoas não estão à espera. Traz a linguagem do ambiente digital e do ambiente impresso em papel para a arte urbana. Há uma mistura de linguagens que as pessoas automaticamente reconhecem. Mas o que surpreende é ser ali, numa peça de street art."
3 Mosaik/Kilt/Regg
Calçada da Tapada
Em conjunto ou isoladamente, Mozaik, Kilt e Regg têm várias obras em Lisboa, a sua zona de atuação. "É uma das várias obras que podia ter escolhido deles. Feito nas sapatas da Ponte 25 de Abril, na zona do Calvário, é um trabalho incrível, tal como as de Tamara e do Oze Arv no mesmo local. Apesar de não estar num sítio em que as pessoas passam habitualmente, é um conjunto de trabalhos com uma magnitude tremenda".
4 Inti
R. Prof. Margarida Vieira Mendes
"Parece ser uma figura religiosa, mística. O pendor religioso faz parte desta peça e da obra dele em geral", diz Nuno Seabra Lopes sobre o trabalho do chileno Inti, nome que o artista tomou ao deus do sol Inca, em homenagem às suas raízes. A sua imagem de marca passa por murais de grandes dimensões, de cores muito vivas e sobre temas religiosos, tal como este de Lisboa.
5 Tamara Alves
Avenida de Roma
"A Tamara tem um grafismo muito específico, com várias figuras reincidentes que parecem representar um símbolo em concreto: a força animal, a natureza". São figuras antropomórficas, como neste caso, em que se vê a cabeça de um animal num corpo humano", justifica.
6 Armuyama (Pariz One/ Mr Dheo)
Travessa de São Vicente
"O Pariz tem duas ou três associações em que ele pinta com outras pessoas. Neste caso, Armuyama é o duo com Mr Dheo. É uma combinação muito feliz. Um exemplo de boa convivência e uma parceria pacífica entre Benfica e Porto, até do ponto de vista clubístico. Mr Dheo é não só um portista ferrenho como é o artista plástico oficial do FC Porto: foi ele que pintou toda a entrada do Museu do Porto. E Pariz é adepto do Benfica", contextualiza Nuno Seabra Lopes.
Quanto à obra escolhida, classifica-a de "curiosa". "Quando lhes pediram para pintar essa parede da Travessa da Queimada, tinham duas indicações contrárias: a parede está repartida entre a Voz do Operário e uma creche e cada um tinha um pedido diferente. Algo mais infantil para a creche e algo mais político que tivesse a ver com a Voz do Operário. Fizeram uma síntese belíssima entre as duas ideias: uma revolução política de várias personagens infantis.
7 Bordalo II
Rua Dom Lourenço de Almeida
De Bordallo II, nome artístico de Artur Bordalo, "um artista com preocupações profundas sobre as questões do planeta e do ambiente", Nuno escolheu o Guaxinão, "uma das obras da coleção trash animals que pretende chamar a atenção para os animais que sofrem com a poluição. São verdadeiras instalações que ele faz com lixo. É um dos artistas portugueses que cada vez mais se está a evidenciar lá fora, juntamente com o Mr Dheo, Vhils e Odeith".
8 Vhils
Rua dos Cegos
"Esta peça do Vhils é muito específica, mais pessoal, para a cidade, que tem a ver com a relação que o fado tem com a cidade e a relação do Vhils com Lisboa. É uma peça muito diferente do estilo escavado ou explodido que o tornou conhecido e reconhecido em todo o mundo: é feita com os artistas da cidade, os calceteiros. É a calçada portuguesa, envolve as pessoas que fazem a cidade e também revela uma ligação entre uma arte antiga portuguesa que está presente na rua com uma arte urbana contemporânea. É a mistura do passado com o presente. Para além de retratar ainda um outro símbolo da cultura nacional, Amália Rodrigues".
9 Sainer
Av. Afonso Costa
"É um dos grandes artistas a nível internacional. Ele, como o Vhils, é gigante, estrelas mundiais. A peça também é brilhante. O Sainer tem essa característica dos grandes artistas: quase tudo o que faz é incrível. É o caso desta. E está a pintar cada vez melhor. Esta escolha é também uma homenagem à Underdogs e ao trabalho que esta galeria tem feito pela cidade, tornando Lisboa num spot verdadeiramente internacional, trazendo artistas como o Sainer ou o Borondo". Neste trabalho, para além do estilo inconfundível das figuras traçadas pelo polaco um pouco por todo o mundo, mantém-se outra das características das suas obras: o rosto está sempre meio escondido.
10 Ram
Rua Inácio Pardelhas Sanchez
Miguel Caeiro, conhecido no meio como RAM, surge neste roteiro através de "uma das suas peças que obedece a um conceito de portal". Ou seja, "são obras feitas em conjunto com artistas internacionais, neste caso o norte-americano Mario Martinez" que, tal como ele, criam mundos fantásticos. Assim, a obra é composta por duas peças: uma aqui, em Lisboa, e outra no outro lado do portal [a espiral representada], em São Francisco.
11 Borondo
R. Prof. Maria Leonor Buescu
Há mais obras de artistas espanhóis na cidade, mas Nuno Seabra Lopes escolheu uma de Borondo. A explicação é simples: "tem uma linguagem muito própria, muito poética, muito humana. Os seus trabalhos são quase sempre representações de pessoas que nós não percebemos bem, não vemos na totalidade. É muito figurativo e, ao mesmo tempo, cheio de sentimento. Esta é uma imagem muito curiosa: o que se vê na parte de cima, que parece uma imagem tremida, é o reflexo na água de duas figuras humanas que caminham de mão dada. Um detalhe de uma beleza incrível".
E a provar que a street art é um movimento que já alastrou a todo o país, Nuno Seabra Lopes termina com uma sugestão longe da capital: "quem gosta mesmo de street art não pode deixar de ir a Estarreja ver a peça do australiano Fintan Magee, comissionada pela Mistake Maker para o Festival Estau, provavelmente uma das melhores peças do ano [de 2016] em todo o mundo".