Rosário Salgueiro: "Os jornalistas da RTP estão magoados"

Viveu uma semana como sem abrigo e e uma outra na Caritas. A subdirectora de informação da RTP admite que está uma pessoa diferente desde que fez o <em>Mudar de Vida</em>. Rosário Salgueiro garante que não há manipulação na informação pública.
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Como surgiu o Mudar de Vida?

Propus há um ano ao José Alberto Carvalho, o director de informação na altura, viver uma semana como sem abrigo, para o programa Linha da Frente. Foi duro física e psicologicamente. E quando o Nuno Santos me convidou para ser subdirectora de informação dos não diários, propus-lhe fazer um programa do género. Não tinha necessariamente de ser eu, podia ser outro jornalista, sendo que ele me pediu que fosse eu.

Como subdirectora de informação, não é um sobrecarga de trabalho?

É preciso ser organizada e isso consigo ser. E tenho outra característica, eu sou workaholic, por isso, se não fosse o Mudar de Vida, ia ser as reportagens do 30 Minutos, que eu como coordenadora do Telejornal já fazia. É um problema sobretudo para a família. Foi muito cansativo fisicamente porque um programa de meia hora, sendo semanal, obriga a que esteja sempre a fazer dois programas de captação ao mesmo tempo, para termos um programa de avanço. Significa que chego à RTP às sete da manhã e saio muitas vezes às dez da noite.

Qual o momento mais dificil até hoje?

Foi sem dúvida acompanhar o velejador. Estivemos quatro dias em alto mar, e vomitei de manhã à noite. Fez com que eu tivesse uma infecção respiratória. Psicologicamente, tenho dificuldade em escolher entre duas: viver durante mais de dez dias num centro de emergência infantil, em que temos crianças abusadas sexualmente, mal tratadas fisica e psicologicamente, crianças que são abandonadas à nascença. A outra que está no mesmo patamar foi como voluntária da Caritas em Setubal. Há 17 novas famílias pobres que procuram a Caritas em cada dia. São pessoas que até há um ano tinham trabalho como eu, e que foram vendendo os seus anéis e agora já só têm os dedos. E os dedos estendem-nos à caridade. Os amigos foram desaparecendo, a família também, porque ajudam numa primeira circunstância, numa segunda e terceira, mas depois a pobreza vai-se estendendo ao núcleo familiar. É como se nos estivéssemos a olhar ao espelho.

É facil tratar temas tão complicados sem se se envolver e manter a objectividade?

É muito difícil e isso notou-se na imagem. E tanto eu como o Rui Rodrigues (repórter de imagem) deixámo-nos afectar. Apesar de toda a nossa experiência, os casos eram tão próximos de nós, das nossas vidas... Quando estávamos a editar, nas perguntas que eu fiz notei que devia ter feito outras. Porque ali já tínhamos um distanciamento, já não estávamos a olhar a pessoa nos olhos. Houve duas vezes que tivémos de repetir imagens porque ficámos literalmente afectados pela circunstância. Uma pessoa estava no restaurante social, era o quinto dia que ela lá ia, e a dada a altura eu e o Rui deixámos de ser jornalistas e tivémos ali durante muito, muito tempo a conversar com ela.

Este programa tem mudado a sua vida?

Mudou a minha vida desde logo na disponibilidade para a família. Eu costumo dizer que o sucesso deste Mudar de Vida devo agradecê-lo, não só aos colegas que todos os dias trabalham comigo, como à minha família. Deixei de ir aos almoços da família, deixei de ir aos jantares, porque não folgo há três meses. Agradeço-lhes a paciência.Tenho uma amiga que diz que precisava de fazer o meu novo perfil psicológico, porque sou uma pessoa diferente. Tornei-me diferente depois daquela semana em que vivi como sem-abrigo. Olho de uma forma diferente para a nossa sociedade, olho para um cantoneiro de maneira diferente, para a dureza do campo depois de ter andado nas vindimas.

Já pensou mudar de vida?

Já pensei em mudar de vida, agora que vou 15 dias de férias (risos), e prometi desligar o telemóvel. Eu gosto e preciso desta adrenalina.

Por falar em mudanças. Em que medida a privatização da RTP vai fragilizar a informação?

Vamos ver que medidas é que vão avançar. Tanta água ainda vai correr de baixo da ponte. Já ouvimos tantas outras conversas sobre a RTP, que quando a água chegar ao mar farei comentários. Até dia 1 de Janeiro de 2013 logo se vê. Naturalmente que não gostava de ver outro canal privado. Eu tenho uma filha de 11 anos e custa-me muito que às nove e meia da noite a minha filha tenha de ir ver cabo porque não tem alternativa. É bom porque o inglês dela está muito melhor. Em qualquer canal privado a alternativa vai ser mais do mesmo. Como profissional da RTP estou tranquila. Os bons profissionais estão muito tranquilos.

A RTP vai ter de aprender a viver com menos dinheiro. Menos dinheiro pode significar menos informação?

Não necessariamente. Menos dinheiro significará outras opções na programação. Na Informação não sei. Alguém terá de tomar essas opções.

Por tudo o que se tem ouvido, sente que a sua redacção está descontente com todo este processo?

Nós temos uma redacção preocupada, não com estas notícias, mas sobretudo com os ataques constantes ao seu profissionalismo. Eu fui coordenadora do Telejornal durante dez anos e não há redacção mais escrutinada do que esta. Mas há estes mitos de que o poder político manda aqui, de que os profissionais da RTP não trabalham. 20 horas, 16 horas, 12 horas de trabalho efectivo, não estou a dizer em permanência aqui, não é trabalho? Naturalmente que os jornalistas da RTP estão magoados e posso falar em nome deles, por estas críticas são constantes. Somos um saco de boxe muito fácil, mas sempre foi assim. Sempre fomos o alvo fácil, porque nós também não nos defendemos, mas para quê? Certamente que as nossas palavras serão mal interpretadas.

Como os motiva?

Às vezes é muito dificil motivar, quando a única coisa que temos para dar às pessoas é trabalho. E é por aí que vamos. Com boas reportagens, bons especiais, trabalho que motive.

O que sente quando lê que a informação da RTP é manipulada pelo poder político?

É absolutamente falso. Absolutamente falso. Eu gostava, como profissional da RTP, que todos esses senhores e senhoras que dizem que a nossa informação é manipulada que provassem concretamente, no dia-a-dia. São tão sapientes da realidade da RTP que provem com exemplos concretos quando é que houve influência do poder político, económico ou social, nos diferentes alinhamentos da televisão. Provem.

Nunca sentiu essa pressão?

Não. Nunca. Naturalmente que os assessores do governo A, B ou C, ou da oposição, ou as empresas de comunicação A, B ou C telefonam. Mas isso é pressão? Não.

Então esses telefonemas são o quê?

É o trabalho deles. Ninguém me disse nunca "pões esta peça, não pões aquela peça", também saberiam que isso não ia acontecer, nem tão pouco seria autorizado este discurso. Nunca ninguém nos fez esse tipo de manipulação.

Apesar das saídas de Judite Sousa e José Alberto Carvalho, a informação da RTP continua líder... A que se deve isso?

(Sorri) Temos uma Redacção excepcional. Não conheço as outras bem, porque sempre trabalhei nesta. Temos todos muita pena deles terem saído. Eu em particular, porque tudo o que aprendi foi com a Judite Sousa. O José Alberto Carvalho, além de ter sido meu director, é meu amigo. Os rostos fazem-se, os líderes fazem-se, mas a verdade é que nós temos uma mão de obra muito boa, jornalistas e editores que ninguém mais tem. São de facto de uma dedicação apesar da pancada que estão sempre a levar, os salários serem muito baixos comparativamente... e isso é que faz a diferença. A informação não se ressentiu para fora. Internamente, sim.

Na sua opinião o que mudou na Informação da TVI com as contratações de José Alberto Carvalho e Judite Sousa?

A TVI ficou a ganhar com a entrada deles os dois.

Há quem diga que a TVI se descaracterizou com esta nova informação. Que está muito parecida com a RTP. Concorda? Em quê?

Isso carece de uma análise muito mais ao conteúdo do que só do que vejo nos jornais. Outra análise do que meramente opinativa.

A crise pode afectar a qualidade do trabalho jornalistico?

(Silencio) Temos de ver as contas. Este ano foi um ano atípico em termos de acontecimentos, o que nos obrigou a grandes deslocações que não eram contabilizadas. A Primavera árabe não era contabilizavel no ano passado. Vamos ter de analisar e fazer opções.

Mas já há alguma medida estudada para este ano de 2012?

Nuno Santos é a pessoa indicada para falar disso.

Como subdirectora de informação da RTP, como vê o conjunto de propostas que sugerem acabar com a RTP Informação?

Não faz sentido, como grande parte das palavras daquele documento. Mas muita água vai correr.

Mas acredita que vai acontecer?

Não. Não acredito. Porque é um bom produto. E não me venham dizer que é mais do mesmo, porque não é. Se fizerem a análise de conteúdo, vão ver que não é.

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