Rony Lopes: "Tenho noção da concorrência na seleção e sei que é complicado ir ao Mundial"

O extremo de 22 anos tem sido a principal figura da equipa do Mónaco nesta temporada e explica porque esta é a sua melhor época até agora. A herança de Bernardo Silva, o relacionamento com Leonardo Jardim, o sonho do Mundial 2018 e a vida no principado são outros dos temas de conversa com o jogador português.
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A época no Mónaco está a correr bem. Era o que esperava ou está a superar as próprias expectativas?

Sim. Podia correr melhor, podia correr pior, mas neste momento estou satisfeito. Tenho jogado, fiz os primeiros jogos na Liga dos Campeões, fui chamado à seleção nacional. Estava à espera de jogar bastante e ser um jogador importante na equipa e agora estou a superar-me. Tenho a confiança da equipa e do treinador e isso tem-me ajudado muito.

Frente ao Olympique de Lyon de Anthony Lopes marcou o golo da vitória numa reviravolta épica (3-2)...

Foi o meu terceiro golo ao Anthony Lopes, em três jogos com o Lyon nesta época. Ele é um excelente guarda-redes e eu gosto muito dele, mas ainda gosto mais de lhe marcar golos [risos]. Já é um duelo especial. Foi um jogo muito bom, em que mostrámos ser uma verdadeira equipa. Começámos por estar a perder 2-0, depois perdemos dois jogadores por lesão, tivemos um jogador expulso e mesmo assim conseguimos ganhar (3-2). Foi um jogo especial para mim porque consegui marcar o golo da vitória, mas foi mais importante para a equipa, por ser frente a um adversário direto e termos conseguido o terceiro lugar. E foi num domingo à noite, aquele jogo que quase toda a gente vê. Foi o momento ideal para brilhar.

Nesta época já teve um golo anulado pelo videoárbitro (VAR) na Taça de França e outro em Alvalade, no jogo particular com o Sporting. Como é que os jogadores lidam com as decisões do VAR?

É muito complicado... de repente, o árbitro pede para ver o lance e anula o golo depois de já termos comemorado. É frustrante, uma pessoa festeja e já está a contar com mais um golo e, depois quando está tudo pronto para recomeçar o jogo, o golo não vale.

Mas já viu as imagens depois disso? O VAR ajuizou bem?

O VAR esteve bem, verdade seja dita, em relação a isso nada a dizer, só acho que, se ninguém da equipa adversária se queixou, então não havia necessidade de chamar o VAR [risos].

O erro faz parte do futebol ou o VAR pode ajudar a que os erros sejam menos penalizadores?

O videoárbitro veio para ajudar o futebol, quanto a isso não tenho dúvidas, mas a maneira como o usam é que eu acho que pode ser melhorada. Mas o debate e a dúvida não acabaram, a discussão não acabou nem vai acabar.

Nesta época tem sido decisivo, com golos e assistências, e revela mesmo números superiores aos de Bernardo Silva em época de estreia no Mónaco...

Eu estou satisfeito com os meus números. Fiz 26 jogos a titular, marquei seis golos e fiz nove assistências. Tenho sido decisivo e tenho ajudado a equipa, mas quero fazer muito mais, tenho capacidade para fazer muito mais. É verdade que no início da época se comparou muito o Rony Lopes com o Bernardo Silva. Eu até deixei de ir tanto ao Twitter porque havia muitas pessoas a fazer comparações e achei que não era muito saudável para mim ler aquilo. Hoje sei que os que me criticavam nessa altura são os mesmos que hoje me elogiam.

Quando o Bernardo Silva saiu para o Manchester City deixou uma herança pesada. Como lidou com isso?

Sim. A herança era pesada e eu sabia disso, mas também sabia que com a saída dele eu poderia conquistar o meu espaço. Não era garantido, outros colegas terão pensado o mesmo, mas se cheguei aqui não foi a pensar no que o Bernardo tinha feito, foi a pensar em mim e no que eu podia dar à equipa. Sei que muitos nos querem comparar, mas somos jogadores diferentes, até já jogámos juntos e a qualidade do futebol foi muito boa.

O Rony fez o percurso inverso ao Bernardo. Do City para o Mónaco...

Sim. Até falámos um pouco sobre o clube e a cidade, bastante fria por sinal. Ele está a gostar bastante da experiência que está a ter em Inglaterra.

Quando estava em Manchester chegou a acreditar que poderia integrar o plantel do City, depois daquela pré-época (2015-16) com Pellegrini?

Desde a primeira vez que eu fui para a pré-época com a equipa principal que comecei a ter alguma esperança. E com o Pellegrini as coisas estavam a correr muito bem, e comecei a sentir que podia ficar e ter algum tempo de jogo, mas depois não foi assim. Nem sempre as coisas correm como queremos ou merecemos e acabei por não ficar.

E como foi essa fase do "vou ficar, vou sair, vou ser emprestado". Foi difícil de gerir emocionalmente?

Mexeu um pouco comigo, porque era numa altura em que eu queria jogar, e, se não me engano, ia ter uma competição importante pela seleção (Mundial Sub-20) e sabia que era importante para estar a jogar. Estava a chegar ao último ano de contrato com o City, havia conversas para ficar, mas o contrato não era aquilo de que eu estava à espera, depois apareceu o Mónaco, que já tinha mostrado interesse em mim.

Nessa altura, Leonardo Jardim já era o treinador. Isso pesou na decisão?

Pesou o facto de ser bom treinador e português...

Como é ser treinado por ele?

É muito bom. É um treinador que vive bastante os jogos, vive bastante os treinos, um treinador que quer ganhar sempre, que aposta nos jogadores que confia estarem em melhores condições para ajudar a equipa naquele momento e ganhar os jogos. Um treinador que motiva os jogadores, que aposta nos jovens, que sabe as características e qualidade de cada um para as potenciar ao máximo. Tenta que cada jogador dê o máximo de si. Gosto dele.

Para quem dá nas vistas desde os 16, aos 22 já parece sénior. Este é o ano da consagração da promessa Rony Lopes?

Eu penso que sim. Esse é o meu objetivo. É verdade que falam de mim desde os 16 anos, não era normal um jovem ir para um clube como o City. Claro que depois havia quem me quisesse ver logo na equipa principal, mas as coisas não funcionam assim. Eu tinha 15 anos. Mas sim, espero que este seja o meu ano de afirmação. No Lille fiz bons jogos, mas tive algumas lesões e não rendi como esperava e como esperavam de mim. Em termos individuais, está a ser a minha melhor época, sem dúvida.

Falando no Lille. Como foi jogar um ano ao lado do herói do Euro 2016, o Eder?

Foi muito bom. O Eder é uma pessoa espetacular, ainda hoje somos grandes amigos e é uma pessoa muito simples, que trabalhou muito para chegar onde chegou e que merece tudo o que lhe aconteceu.

Ele disse numa entrevista que esse ano na Liga francesa para ele não foi fácil...

Sim, houve momentos que não foram fáceis para ele. Quando íamos jogar fora era sempre assobiado, mesmo nos próprios jogos em casa havia alguns assobios e isso mexia com ele. Mas o Eder tem noção do que fez [risos] e sabe que tem de viver com isso, com um lugar na história do futebol português.

Os franceses já digeriram a derrota no Euro 2016 e aquele golo do Eder?

Mal. No Mónaco não chateiam muito, mas no Lille, no ano passado, sim. Quando Portugal foi campeão, eu estava em estágio com o Lille e fartei-me de festejar. Os franceses ficaram tristes, com a derrota da França [Portugal ganhou 1-0] mas o pessoal do clube ficou bastante contente por ter sido o Eder a marcar.

E para o Rony a discussão entre a seleção brasileira e a portuguesa acabou com a chamada de Fernando Santos em 2017 ou ainda não...

Não posso dizer que é uma discussão encerrada, porque o jogo que fiz por Portugal (EUA, 1-1) foi amigável, mas o meu futuro passa pela seleção portuguesa.

O Mundial 2018 é um sonho difícil de concretizar ou um desejo possível?

Há sempre uma possibilidade de ir, mas tenho noção de que é bastante complicado e por isso não tenho isso como objetivo fixado. Mas, claro que se o selecionador me chamar, vai fazer de mim um homem feliz. Mas tenho noção das coisas e sei bem quem está à frente.

Ser extremo e português é sinónimo de qualidade e muita concorrência. Ronaldo, Quaresma, Nani e até o Gelson Martins...

Muita. Para a seleção é bom, quantos mais melhor e a nossa seleção tem crescido muito em qualidade. Eu tenho a perfeita noção do que é a concorrência na seleção nacional, mas sei o que posso dar. Eu comecei como número 10, mas nos últimos anos fui sendo mais extremo e as minhas características foram mudando com o tempo, fui-me tornando um jogador que dá mais velocidade ao jogo.

Da infância em Poiares até ao Mónaco, o caminho não foi fácil...

Nada fácil mesmo, mas valeu muito a pena. Só cheguei onde estou hoje com o apoio da minha família, o sacrifício dos meus pais, do meu irmão e da minha mãe. Tenho de lhes agradecer muito do que consegui. A solidão que eu senti quando fui para a Academia do Benfica, no Seixal, eles também sentiram, as alegrias que fui tendo, foram as deles também. Eu estava habituado a estar com eles e de repente fiquei sozinho num sítio onde não conhecia ninguém. Mas depois fui fazendo amizades e as coisas foram ficando mais fáceis. Fui obrigado a crescer mais rápido, sem dúvida.

Houve alturas em que quis desistir? Ou ser jogador profissional era a única opção?

Há sempre dúvidas, mas, como disse, sempre tive a família muito presente e deu para ultrapassar tudo. Desde os quatro/cinco anos que a bola era o objeto mais importante e sonhava fazer carreira. Quando fui para o Benfica esse sonho foi sendo cada vez mais real. Depois o Manchester City, agora o Mónaco. Hoje, o futebol para mim é quase tudo, é aquilo que me faz acordar todos os dias bem-disposto, a minha profissão, a minha paixão...

E o que significa o Benfica nesta altura da sua carreira?

Não vou dizer que é um objetivo jogar no Benfica. Gostaria de o fazer, seria sem dúvida especial, foi o meu clube de formação, onde aprendi bastante e criei grandes amizades. É um clube muito importante para mim e seria especial voltar a jogar lá. Quem sabe um dia, mas neste momento isso não me passa pela cabeça. O meu objetivo é fazer carreira internacional.

Como é viver no principado, é só luxo e glamour, como nos filmes?

Um pouco, sim... Vivo no Mónaco, mesmo ao lado do estádio, mas nunca fui pessoa de me deslumbrar, o que é bastante fácil quando vives com poucas condições e depois passas para um mundo de luxo. Era fácil ceder às tentações. Gosto de ter coisas boas, mas nada de luxo, gosto até de coisas bastante simples. Nunca entrei no casino, por exemplo. Sou jovem, mas não sou inconsciente, sei que posso comprar algo só porque gosto, mas não ligo a marcas e, se for algo assim mais caro, admito que penso bastante antes de comprar. Sou poupadinho. A primeira loucura que fiz quando tive algum dinheiro foi comprar um iPhone, o telemóvel que tinha não era grande coisa.

Quando se é jovem, tem fama, sucesso e dinheiro é fácil fazer amigos...

Desses eu quero distância! Eu sempre me apeguei mais aos amigos de infância e da adolescência, porque sei que é com esses que eu posso contar, se precisar de alguma coisa eles estão lá para mim. Não são como aqueles amigos que quando te veem querem sair à noite e ir de férias contigo. No Benfica, por exemplo, fiz amigos para a vida, como o Rebocho e o Rafael Guzzo. Nós os três e o Francisco Ramos, que era o FC Porto, tentamos estar juntos nas férias pelo menos uma semana...

Apesar de não viver em Poiares (terra da mãe) há mais de dez anos, continua muito ligado às raízes. E no verão não esqueceu a região que foi muito fustigada pelos incêndios - durante um jogo levantou a camisola com o nome Poiares/Lousã, em homenagem às vítimas.

Sou solidário e gosto de ajudar. Posso não dar muito ou sequer o suficiente, mas dou o que posso. Herdei isso dos meus pais. O que eu puder fazer para ajudar irei sempre fazer. O levantar a camisola foi só um gesto, mesmo que levasse cartão amarelo, isso era o menos, eu queria era mostrar às pessoas de Poiares e arredores que estava com elas naquele momento difícil e que iria ajudar de alguma maneira.

Mas não se ficou pelas intenções...

Não. No Natal fui lá e fiquei bastante emocionado quando cheguei à zona ardida e vi aquele cenário negro. Nunca vivi nada parecido, falar com pessoas que tinham perdido familiares, perdido a casa... foi difícil. Quando os meu pais chegaram a Poiares não tínhamos grandes condições e as pessoas ajudaram-nos sempre, sei o que é passar dificuldades e sei bem como aquele foi um momento difícil para eles. Tinha de ajudar e, para mim, o simples "obrigado" do Sr. António e da D. Laura marcou-me imenso.

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