Terminou com um piscar de olhos, acompanhado daquele sorriso que habita a cara dos sonhadores. Nas palavras de Piers Morgan, a conversa com Cristiano Ronaldo foi uma entrevista extraordinária, com um homem e um futebolista extraordinários. Assino por baixo..As reações estão aí, tal como se esperava. O Manchester United (MU) mostra-se furioso. Afinal de contas, o jogador português teve a coragem de dizer que o rei vai nu. O clube parou no tempo, não se modernizou, não ganha nada, contrata treinadores que o não são, tornou-se numa anedota desportiva e fez aquilo que sempre fazem os incompetentes: arranjou um bode expiatório, o escolhido para ser o culpado de tudo. Só que o Ronaldo de 2022 não é o Cristiano que lá assentou praça em 2003. Hoje, é um general, que perante tantos sinais de desrespeito foi à luta e disse o que tinha de ser dito, sem medo nem censura..Desenganem-se os que pensam que o MU o vai triturar. Ronaldo e a sua equipa de apoio são bem mais competentes do que os mandões do clube inglês. Primeiro, porque este jogador tem recursos para enfrentar sem tremer a ofensiva dos seus ainda patrões. Depois, porque é notório que a entrevista foi minuciosamente preparada, deixando pouca margem para uma ação judicial consequente. Ronaldo usou do direito de opinião e não creio que tal seja crime em terras de Sua Majestade. Acabará tudo num acordo de rescisão, com Ronaldo a rumar para outras paragens e a perdoar a remuneração da consultoria estratégica que acabou de prestar..Sobre os ingleses, estamos falados. Vamos agora aos portugueses. O povo gosta da frontalidade e estará do lado de Ronaldo. Como diz o ditado, "quem não se sente não é filho de boa gente". Já muitos dos comentadores de serviço, que povoam os programas televisivos e as páginas de alguns jornais, tendem para a crítica envergonhada: o Ronaldo pecou no timing da sua entrevista, porque agora só se vai falar dele..Aqui, só consigo reconhecer hipocrisia e ingratidão. Errou no timing? No passado, com ou sem polémica, o tema das concentrações da seleção foi sempre Ronaldo e mais Ronaldo. Sempre, porque ele é o melhor de todos os tempos. Os que agora esboçam a crítica gastaram horas, dias, anos a falar de Ronaldo e a escrever sobre ele. Foram milhares de capas de jornais e aberturas de noticiários que usaram e abusaram de Ronaldo. Muita gente ganhou dinheiro com o objeto Ronaldo e a festa foi grande porque ele marcava e continuava a marcar golos. No momento em que o homem exerce o direito de desabafar, defender-se do enxovalho e acautelar o seu futuro, as ratazanas saltam do barco e gritam: "errou no timing"..Isto acontece porque vaticinam o ocaso da estrela Ronaldo. Pensam que já não lhes é útil, que está no fim. Por falar em fim, recordo o Portugal-Irlanda de 2021: 15", Ronaldo falha um penalti; 45", a Irlanda marca; últimos minutos, com tudo perdido, Ronaldo gesticula, reclamando apoio do público; 89", Ronaldo marca de cabeça; 90+6" minutos, Ronaldo volta a marcar de cabeça e sela a vitória. Hoje, como há um ano, pode não ser boa ideia subestimar o nosso capitão..Cristiano merece mais deste país. Aos 11 anos, embarcou no Funchal para perseguir o sonho de ser o melhor do mundo. Sozinho. Aos 37 anos, é o português mais notável da História de Portugal, estatuto que conquistou exclusivamente por via do mérito. Se não somos hoje solidários com o grito de revolta deste português de eleição, quando o seremos?.Professor catedrático