Romance

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- Quem é esta rapariga? - perguntou o meu pai, apontando a fotografia. Conheço-a bem: ainda há dias vi uma cópia no hall de entrada lá de casa, sobre uma camilha. Tinha 20 anos, a minha mãe. Era bela e inocente, roliça como os do meu tempo nem sempre sabem apreciar.

- É a minha irmã - disse o meu tio Samuel.

Reparou logo na volúpia, mas calou-se. Então, o meu pai agarrou na moldura e sentenciou:

- Vou-me casar com ela.

O meu pai tinha sido pastor de cabras e ovelhas. Fizera-se homem no Ultramar, como pára-quedista, e depois emigrara para Paris a salto. Há algum tempo que conduzia autocarros no aeroporto de Orly.

Sou talvez o único açoriano sem um só familiar nos EUA ou no Canadá. Em contrapartida, toda a minha família paterna se dispersou por Champigny-Sur-Marne, Créteil, Sucy-en-Brie, região onde o irmão mais velho da minha irmã se tornou muito cedo o açoriano de serviço.

Por amor também. Mas essa é outra história ainda.

Naquele dia, o meu pai pediu uma direcção para onde escrever. Escreveu durante um ano. Da primeira vez que veio à ilha, já só voltou a França a apanhar os pertences.

À França, dizia-se então.

Os meus pais casaram-se faz em Dezembro 43 anos. Ainda andam de mãos dadas. Durante toda a nossa adolescência, beijavam-se em qualquer circunstância. A minha irmã franzia o nariz, como nos filmes:

- Que nojo.

Divertia-nos, aquele amor, e talvez só a chegada dos netos lhe tenha trazido alguma concorrência. Mesmo assim, de vez em quando os dois precisam de umas férias sozinhos. Para namorar.

Exactamente que milagre produz uma história de amor assim, cultivada sobre mais nada senão uma série de cartas ultramarinas, não posso sequer adivinhar. Àquilo que funda um açoriano para o resto da vida, tenho-o bem claro: basta a fotografia de uma bela mulher.

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