Rolls Royce, Netanyahu e continências. A posse de Bolsonaro, de A a Z
Eleito no dia 28 de outubro, após vitória sobre Fernando Haddad, do PT, o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, do PSL, passou dois meses a formar um governo de 22 nomes, por entre controvérsias e surpresas, até à posse oficial, com pompa, em Brasília. Depois da festa, marcada para as 15.00 locais deste dia 1 de janeiro de 2019, 17.00 em Lisboa, com muitas continências, dado o superávit de militares no governo, o sucessor do impopular Michel Temer terá crise económica, desemprego, reforma da previdência, insegurança e a desconfiança do Congresso Nacional para fazer face já durante o primeiro de quatro anos de mandato como chefe do Estado deste país com 209 milhões de habitantes.
O apertadíssimo esquema de segurança na posse prevê bloqueios de drones, de fogos-de-artifício e até de sinal de telemóvel enquanto Jair Bolsonaro, 38º presidente brasileiro, estiver a circular na Esplanada dos Ministérios, avenida no eixo monumental de Brasília, mas também a proibição do uso de chapéus-de-chuva (ou de sol, caso, como se espera, o Verão brasileiro esteja inclemente) e carrinhos de bebé. E de qualquer tipo de animal, mesmo o mais doméstico e inofensivo.
"Ouviram do Ipiranga as margens plácidas...". A execução do hino brasileiro, sempre um dos momentos mais aguardado das posses, será executado pela Banda do Batalhão da Guarda Presidencial, como é tradição.
A preocupação com a segurança, nunca antes vista numa tomada de posse com tamanho dimensão, não resulta apenas da presença do presidente Jair mas também dos cuidados com os passos do senador Flávio, do vereador Carlos e do deputado federal Eduardo, os três filhos políticos do chefe do Estado que compõem o clã Bolsonaro e andarão pela Esplanada como potenciais alvos.
A ministra dos Direitos Humanos, pastora evangélica Damares Alves, ganhou estatuto de estrela ao longo das semanas que antecederam a posse por ser frontalmente contra o aborto e por dar a entender que, na sua opinião, o lugar da mulher é em casa. Mais tarde, correu na Internet um vídeo em que, emocionada num púlpito, contava ter visto Jesus Cristo a subir um pé de goiaba, imagem que a impediu de se suicidar, aos 10 anos, após abuso sexual de pastores. Entretanto, sossegou os críticos progressistas ao dizer-se intolerante com a homofobia e ao garantir que será a advogada e defensora dos direitos humanos que estará no ministério e não a pastora evangélica.
Outra tradição nas tomadas de posse, o grupo de pilotos da força aérea especialista em acrobacias brindará o novo presidente com uma apresentação logo a seguir à execução do hino e a uma salva de 21 tiros de canhão.
Amigo íntimo de Bolsonaro há décadas e ex-motorista do seu filho Flávio, não é suposto que esteja, fisicamente, na posse, como talvez tenha chegado a sonhar. Mas pairará sobre ela, qual fantasma, por ser a personagem central de um mal explicado caso financeiro que ensombra a família presidencial.
Não faltarão continências na posse: nos primeiros escalões do governo estarão oito oficiais da mais alta patente das forças armadas. Uns são conhecidos estrategas, outros são experientes gestores e alguns têm missões de paz no currículo, como Augusto Heleno, conselheiro e amigo do presidente, que chefiou a força multinacional das Nações Unidas no Haiti por 13 anos. Outro general destacado na era Bolsonaro será, é claro, o seu vice-presidente, Hamilton Mourão.
O novo vice-presidente do Brasil, ao lado da sua mulher Paula, será protagonista durante a posse. Com um histórico de controvérsias e desencontros de opinião com Bolsonaro, é natural que o general seja protagonista, aliás, durante todo o mandato.
Já depois da Praça dos Três Poderes receber os cerca de 250 a 500 mil populares, segundo a estimativa do governo, que vão chegar de todos os cantos do Brasil, o palácio-sede do Ministério das Relações Exteriores vai abrigar a etapa final da posse. Lá realizar-se-á um cocktail de receção às autoridades estrangeiras, com dois mil convidados previstos.
Os olhos dos brasileiros vão estar postos em Brasília, capital federal, mas a memória fixará o episódio ocorrido numa cidade de médio porte, Juiz de Fora, em Minas Gerais, a mais de 600 quilómetros dali, a 6 de setembro do ano que agora termina. Nesse dia, Bolsonaro foi esfaqueado por um manifestante, elevando desde então o alerta de segurança em torno do hoje presidente para níveis máximos.
No meio do tumulto em redor da dissolução do Parlamento israelita e da convocação de eleições gerais para 9 de abril, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou, desmarcou, voltou a anunciar, tornou a desmarcar e, enfim, confirmou presença na posse de Bolsonaro, cuja intenção de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém tanto lhe agradou.
O novo ministro da Saúde é investigado por suposta fraude em licitação, tráfico de influências e pagamentos não declarados na criação de um sistema de informática em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, onde foi secretário da prefeitura. Na altura da sua escolha, em novembro, Bolsonaro, que também é arguido no Supremo, já somava quatro ministros a braços com a Justiça (os outros eram Onyx Lorenzoni, Paulo Guedes e Tereza Cristina). O último dos 22 escolhidos, entretanto, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, foi até condenado por improbidade administrativa.
Como é hábito, a nova primeira-dama, de 38 anos, será um dos focos de atenção da posse. Mãe de Letícia, fruto de um casamento anterior, e de Laura, filha mais nova do presidente eleito, Michelle é intérprete de libras, a linguagem brasileira de surdos-mudos. Evangélica devota, frequenta o culto Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do controverso pastor Silas Malafaia, que celebrou o casamento com o católico Bolsonaro, de 63 anos. Pretexto para a realização antes da posse de um culto ecuménico.
O presidente da Venezuela será o ausente mais notado. Inicialmente convidado, foi depois "desconvidado" pelo próprio Bolsonaro, assim como Miguel Díaz-Canel, chefe do Estado cubano. Maurício Macri, presidente argentino, apesar de manter afinidades ideológicas com o novo presidente brasileiro, deve fazer-se representar por um membro do governo, supostamente por não ter gostado de ouvir o seu homólogo dizer que visitaria Santiago antes de Buenos Aires, como é tradição.
O filósofo que montou a base teórica que Bolsonaro e parte da nova direita brasileira professam seguirá a posse de Richmond, a cidade norte-americana onde reside, em vez de se deslocar a Brasília. No governo, porém, a sua presença faz-se notar nas Relações Exteriores e na Educação, cujos dois novos ministros, Ernesto Araújo e Ricardo Vélez, foram indicação sua. Eles, da tal como Olavo, não acreditam em aquecimento global mas creem numa conspiração globalista que reúne, desde os empresários Rockefeller e George Soros a seguidores de Marx e Gramsci.
Donald Trump, a referência política de Bolsonaro, não vai a Brasília. No lugar do presidente norte-americano estará o secretário de estado Mike Pompeo.
Em vez das 17.00 locais, o horário habitual das tomadas de posse presidenciais, a de Bolsonaro, a pedido do próprio, será às 15.00 locais, com início solene na Câmara dos Deputados. Em Portugal serão 17.00.
Será o Rolls Royce do costume a transportar Bolsonaro e Michelle pela Esplanada. A decisão sobre se a capota vai ou não ser levantada - a maior novela dos dias que precederam a cerimónia - será tomada apenas horas antes do evento. "De acordo com as informações de segurança de que dispusermos na hora", disse Sergio Etchegoyen, o ministro (ainda da era Temer) responsável pela operação.
O novo ministro (chamam-lhe superministro, dado o acúmulo de tarefas sob sua alçada) é a estrela mais cintilante do novo governo. O juiz da Lava-Jato que mandou para a cadeia o ex-presidente Lula da Silva (do PT) será, no entanto, alvo de escrutínio ainda mais intenso do que os colegas.
Após dois melancólicos anos na presidência, em função do impeachment de Dilma Rousseff (do PT), o presidente Michel Temer entrega a faixa a Bolsonaro. Termina o mandato com uma taxa de aprovação popular de apenas 5%.
Depois de concorrerem às eleições com candidatos separados, o PT (de Fernando Haddad) e o PSOL (de Guilherme Boulos) voltam a unir-se a uma só voz na contestação à posse de Bolsonaro, porque, "apesar do resultado nas urnas ter sido legítimo", dizem, "a lisura do processo eleitoral foi descaracterizada pelo golpe do impeachment" e pela "proibição ilegal" da candidatura de Lula da Silva. Assim, embora convidados, como é de praxe, os seus senadores e deputados não estarão na cerimónia.
Caso Netanyahu volte atrás mais uma vez e dada a ausência do presidente norte-americano Donald Trump, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, com quem Bolsonaro disse esperar trabalhar intimamente no futuro, será a estrela da tarde. Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, entretanto, também já confirmou a presença na tomada de posse do 38.º presidente do Brasil.
O ministro da Transparência, Fiscalização e Controladoria Geral da União, que frequentou a mesma academia militar de Bolsonaro, é um dos cinco que transitam do governo de Temer para o atual, sinal do entendimento entre os presidentes cessante e eleito.
Acusado de xenofobia ao longo da carreira política - respondeu no Supremo por supostamente ter ofendido índios e descendentes de africanos - o novo presidente voltou, nos últimos dias antes da posse, a enfrentar acusação semelhante. Em causa, a ausência no governo, pela primeira vez na história, de ministros do norte e do nordeste, que representam cerca de metade da população brasileira.
Além de xenófobo, Bolsonaro foi também acusado de misoginia em mais de uma ocasião. O cromossoma Y, no entanto, não está completamente sozinho no seu governo: há duas mulheres entre os 22 ministros. Mais do que no de Temer, que começou com zero e terminou com uma em 29. No sentido oposto, Dilma teve 18 no total.
Depois de 28 anos a ocupar o mesmo gabinete da Câmara dos Deputados, Bolsonaro troca a câmara baixa do Congresso Nacional pelo Palácio do Planalto. À partida, esse gabinete seria herdado por um deputado do sexo masculino por ficar numa ala do edifício sem casas de banho privativas, no entanto, para que não caísse em mãos adversárias, o novo presidente "ofereceu-o" à sua correligionária do PSL Carla Zambelli, que havia solicitado trabalhar no local.