Rolling Stones em Cuba. Castro, "It's Only Rock 'n Roll"
"Hola Habana! Buenas noches mi gente de Cuba!" 26 de março de 2016. Esta frase de Mick Jagger, pronunciada num espanhol macarrónico, pode vir a ser citada de cada vez que, no futuro, se contar a história de Cuba. Essa e outras como: "Sabemos que há alguns anos era difícil ouvir a nossa música em Cuba, mas aqui estamos nós a tocar para vocês na vossa linda terra. Penso que os tempos estão a mudar. É verdade, não é?"
O vocalista dos Rolling Stones deve ter razão, pois disse-o num palco perante mais de 500 mil pessoas que aguardavam o concerto gratuito na Ciudad Desportiva de Havana, complexo lotado e rodeado por centenas de pessoas. Mick Jagger deve ter razão, pois logo depois levaria àquele palco o rock que a revolução cubana de Fidel Castro proibiu em 1959 por ser "imperialista", fazendo com que os cubanos escutassem e trocassem entre si discos dos Beatles ou dos Stones - considerados "diversionismo ideológico" pelo regime comunista - como quem lê e passa qualquer documento subversivo nas barbas de uma ditadura.
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"Stones: Temos estado à vossa espera a nossa vida inteira. Obrigado!" lia-se num cartaz por entre a multidão. A banda britânica hoje formada por Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts deu o seu primeiro concerto de sempre em 1962. Foi o ano da crise dos mísseis em Cuba e do início do embargo dos EUA ao país. Agora, os Stones chegaram três dias após a visita de Barack Obama, a primeira de um Presidente americano ao país em quase 90 anos (Calvin Coolidge fora o último, em 1928).
O "Hombre Nuevo" de Fidel Castro não ouvia It"s Only Rock 'N Roll, ou tantas das mais icónicas canções dos Rolling Stones que estes tocaram nesta sexta-feira em Havana: de Brown Sugar a Gimme Shelter, Start me Up, Sympathy for the devil. Não ouvia aquilo que se seguiu ao "Muchas gracias Habana, buenas noches"de Jagger. O "Hombre Nuevo" da revolução cubana não ouvia, portanto, You Can"t Always Get What You Want e Satisfaction, as canções- clímax que fecharam o concerto de Havana com cinco décadas de atraso.
Milhares de telemóveis filmavam e fotografavam o palco e a multidão na Cidade Desportiva. A hashtag #StonesCuba ia aparecendo à vista de quem frequentava o Twitter. Algumas das publicações foram de Yoani Sánchez, a autora do blogue Generation Y, que em 2008 recebeu o prémio Ortega Y Gasset de Jornalismo - "pela perspicácia com que o seu trabalho contornou as limitações à liberdade de expressão que existem em Cuba". Nesse ano, crítica acérrima do regime, tanto de Fidel como do irmão e atual Presidente Raúl Castro, Sánchez foi impedida de sair do país para receber o galardão espanhol. Nesse ano também, foi considerada pela Time uma das cem pessoas mais influentes do mundo.
"Não ouvimos ao vivo Michael Jackson, Freddie Mercury, Beatles e Amy Winehouse... mas chegaram os #StonesCuba", escrevia a cubana. E de novo Sánchez: "Em menos de uma semana, dois duros golpes para Fidel e para o que representa: Barack Obama e os Rolling Stones em Cuba..."
"Nunca imaginei viver isto"
As reações eram semelhantes. "Nunca imaginei viver isto" dizia Edelix Fonseca, um professor de 54 anos ao El País."Vai ser sem dúvida o maior concerto de sempre em Cuba. E estou convencido que será também o melhor. Finalmente os cubanos vão poder ver um verdadeiro espetáculo "notava, ainda antes do concerto, o músico cubano de rock Luis Manuel Molina ao Guardian. O jornal lembrava que muitos dos presentes, sobretudo os mais novos, não conheciam as canções, e que entre o público havia também quem lamentasse que a banda britânica tenha aterrado na ilha antes da democracia. Um cubano, Pablo, dizia ao 14ymedio dizia viver o concerto como se tratasse de uma "vingança". Uma "vingança" talvez mais espetacular do que a "retificação ideológica" feita pelo regime em 2000, quando deu o nome de John Lennon a um parque em Havana e ali lhe erigiu uma estátua, depois de anos a proibir a sua música. Este não foi o concerto com mais público que os Stones tiveram - Havana não bateu 1,5 milhões do Rio de Janeiro em 2006 . Mas foi gratuito, com o patrocínio de um empresário de Curaçao, Gregory Elias. E foi "histórico".