Rodrigo da Costa, o português que comanda o programa espacial da União Europeia

Um português de Chaves de 44 anos venceu o concurso público internacional e está a liderar a recém-nascida (a 12 de maio) Agência para o Programa Espacial da União Europeia (EUSPA).
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Este flaviense, cujo sotaque o denuncia, completou o secundário com média de 19 e a tese de mestrado em engenharia aeroespacial, na Holanda, com 20. A partir da sede da Agência para o Programa Espacial da União Europeia (EUSPA), em Praga, diz que o segredo para o sucesso é, "gostar muito do que faz".

Rodrigo da Costa está convicto que "uma nova era" está a nascer na qual os cidadãos cada vez mais vão beneficiar das tecnologias do espaço do Programa Espacial que comanda, com um orçamento de 15 mil milhões de euros para sete anos.

Como é que chegou ao mais alto cargo da UE para o Programa Espacial? Convenhamos que não é muito comum um português chegar ao topo neste género de área...
(risos) Cheguei através de um concurso público, com provas e um longo processo de seleção, que durou cerca de um ano e passou pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu. Fui escolhido por unanimidade para diretor-executivo da EUSPA, pelo Conselho de Administração onde estão representados todos os Estados-Membros da UE.

Onde começou esta vocação, como foi o seu percurso?
Ora bem, sou flaviense e completei no liceu Fernão Magalhães, em Chaves, o ensino secundário até ao 12º ano. Fui depois para o Instituto Superior Técnico (IST) onde entrei na licenciatura de Engenharia Aerospacial ....

Os seus pais têm alguma ligação a esta área?
Não. Os meus pais estão reformados. A minha mãe era professora de inglês e o meu pai era advogado. Ambos de letras sem nenhuma ligação às ciências nem engenharias.

E foi em Chaves que nasceu este interesse pelo espaço?
Em Chaves começou a crescer o bichinho pela engenharia, pelas matemáticas e pelas físicas. Quando chegou à altura de concorrer para a Universidade (1994) havia o curso de Engenharia Aerospacial do IST, que na altura ainda era pouco conhecido...

Com que média acabou o 12º ano?
Sinceramente não me lembro ao certo. Não quero estar a dizer um número errado. Tenho ideia de que era bastante alta. Tenho de ir ver. Foi há muitos anos. (mais tarde confirma que foi 19).

A Engenharia Aerospacial foi a sua primeira escolha?
Sim. Atraiu-me porque juntava as engenharias eletrónica, eletrotécnica e mecânica. A isso juntou-se o gosto pelos aviões, pelo espaço, que se foi desenvolvendo mais durante o curso. Comecei a licenciatura em 1994 e terminei em 1999. À medida que fui fazendo as cadeiras fui tendo mais ligação à parte espacial, por diferentes razões, mas sempre mais do ponto de vista técnico, da construção, da complexidade das máquinas, dos softwares e eletrónicas do que propriamente do ponto de vista científico. Participar na construção de máquinas complexas que ajudam a conhecer mais, a desenvolver novos serviços, aplicações, a trazer novos benefícios para as populações, é uma das melhores sensações.

Do IST foi para onde?
Entre o terceiro e o quarto ano fiz um inter-rail e viajei um mês praticamente por toda a Europa e essa viagem fez firmar-se em mim uma grande vontade de sair do país e de conhecer outras coisas. Concorri ao programa Erasmus e fiz o último semestre da licenciatura na Universidade Técnica de Delft, na Holanda. Esta Universidade estava ligada à Agência Espacial Europeia e o meu trabalho final acabou por ser nesta área. Nessa altura surgiu a oportunidade de continuar a desenvolver este projeto e de fazer o mestrado em Delft, na área da simulação e controlo. No último semestre trabalhei na indústria aeronáutica, em Bremen, Alemanha, numa empresa chamada DASA, que viria mais tarde a pertencer ao grupo AirBus. Quando acabei, em 2001, voltei para Portugal de férias e comecei a pensar em arranjar emprego. Tinha uma proposta de doutoramento em Delft e até estava a considerar isso. Entretanto, dia 11 de setembro de 2001 (dia do ataque às torres gémeas) ligaram-me da Alemanha a convidar para trabalhar na empresa onde tinha estado.

Calma. E acabou a tese de mestrado com que média?
(risos) Desse lembro-me, porque o professor nunca tinha dado uma nota tão alta na sua carreira e disse que lhe estava mesmo a custar muito, mas não tinha outra hipótese. Tive 10, na escala de 0/10 - 20, portanto.

Chegar onde chegou exigiu certamente muito estudo e trabalho. Mas também terá abdicado de algumas coisas. Não acontece por acaso. Isso inspira muitos jovens certamente...
Sim, é preciso estudo, muito trabalho e dedicação. Mas o mais importante para mim é gostar muito do que se faz. Ainda hoje, quando saio de casa para trabalhar gosto muito do que faço. Não é tanto trabalhar ou estudar um x ou y horas por dia, mas gostando do que se faz acaba por compensar mesmo aquilo de que se abdica.

E como é que foi a sua adaptação? Como era visto o português de Chaves com um mestrado de 20 valores na indústria aeroespacial da Alemanha?
É uma ótima pergunta. Enquanto no ambiente estudantil da Holanda, por toda a tradição que as universidades têm do Erasmus e pela consequente natural multiculturalidade, na Alemanha não foi bem assim. Fui para um ambiente industrial e, naturalmente, mais fechado. A dificuldade aí não foi tanto por ser estrangeiro, foi mais por ser um português no aerospacial. Hoje em dias já temos bastantes por toda a Europa, mas na altura não havia. Um colega até me disse, a brincar, que nunca tinha ouvido um nome português no aeroespacial e que só estava habituado a ouvir nomes portugueses quando estava de férias. Neste momento sou dos portugueses mais velhos da aerospacial da Europa, e nem me considero muito velho (risos). Mas a minha integração familiar ajudou muito, pois acabei por casar com uma alemã e temos dois filhos.

E o que faz exatamente na EUSPA?
A EUSPA existe há pouco mais de duas semanas, foi criada no passado dia 12 de maio. Antes eu estava na predecessora, a Agência da EU para a Navegação por Satélites, desde 2017. A EUSPA trabalha para o programa espacial europeu, com a Comissão Europeia, que é o administrador de todo o programa, e com a Agência Espacial Europeia (AES), que se ocupa das áreas de tecnologias e desenvolvimento, como os satélites - a que chamamos o upstream. A EUSPA é responsável por gerir as operações e utilização de todos os sistemas. No fundo, proporcionar os serviços aos utilizadores. Apesar da crise económica, foi é um dos poucos programas que cresceu na EU e temos um orçamento de quase 15 mil milhões de euros até 2027. A UE desenvolveu o sistema de satélites Galileo, de cobertura global, semelhante ao GPS. O sistema é utilizado em todo o mundo, no telemóvel, nos automóveis, etc.. Em Portugal qualquer pessoa que tenha um telemóvel dos novos modelos, a partir de 2017, usa o Galileo nas aplicações com localização ou até nas aplicações ligadas ao desporto, uma área que tem crescido imenso. Nós operamos uma constelação de 22 satélites, neste momento, dirigindo-os para as necessidades dos utilizadores, com cobertura global, tal como o sistema GPS norte-americano, o Glonass russo e o Beidu chinês.

E têm ainda o Egnos, o Copernicus...
Sim, o Egnos é um sistema de navegação direcionado sobretudo para a aviação, que está instalado em quase todos os aeroportos europeus e cada vez mais em heliportos e, por exemplo, em hospitais. Além da navegação, o programa espacial europeu tem mais duas áreas importantes. O Copernicus, que é um sistema de observação da Terra, com vários satélites de baixa altitude que tira fotografias de vários géneros e faz o mapeamento da Terra. Por exemplo, nos incêndios é o Copernicus que fornece as imagens de evolução dos fogos e impacto nas regiões afetadas. É a primeira coisa que as proteções civis por toda a Europa pedem são as imagens, que são quase em tempo real. O terceiro componente, que está agora a ser desenvolvido, são as telecomunicações seguras. O projeto chama-se GovSatCom e tem como objetivo dar aos Estados-Membros da EU a possibilidade de utilizarem um sistema de comunicações por satélite seguro e resiliente. O Galileo, que é um sistema de localização, tem um sinal que é utilizado por toda a gente e outro que e só está disponível para os governos da UE e para utilizadores autorizados, que podem ser, por exemplo, polícias, proteção civil ou forças militares para casos de emergência.

Que benefícios é que Portugal já tem do programa espacial europeu?
Logo à partida, como já disse, nos telemóveis de qualquer pessoa. Um outro pilar da EUSPA é dar apoio a empresas inovadoras que utilizem elementos e dados do programa espacial, sejam de localização do Galileo, ou imagens do Copernicus e no futuro as comunicações do GovSatCom para os diferentes setores económicos, como transportes, gestão de energia, agricultura. Através das aplicações, os utilizadores nas mais diversas areas podem utilizar a mais sofisticada tecnologia do programa espacial. Temos vários projetos multinacionais em curso com empresas portuguesas do setor espacial, há um grande envolvimento português no upstream e no downstream espacial. Posso dar como exemplo um projeto, chamado Scorpion, com o INESC-TEC, o Instituto Pedro Nunes e a SPI, para a agricultura: tem um pequeno robot que pulveriza automaticamente os produtos necessários pelas vinhas. Nas vinhas do Douro, a observação do Copernicus é utilizada, por exemplo, para se saber qual é o melhor momento para as colheitas. Ainda há dias tive a visita de vários embaixadores que estão aqui em Praga e falou-se nas potencialidades para a agricultura. Um especialista convidado disse mesmo que está em curso a 3ª revolução agrícola. A 1ª foi nos anos 50, com a introdução do trator; a 2ª foi nos anos 70 com a introdução dos químicos em larga escala; a 3ª agora nos anos 20, início do século XXI, foram os satélites, que permitem uma redução de utilização de químicos e pesticidas, a programação das plantações, regas, colheitas, controlo da quantidade de água no solo, etc. Por exemplo, pode haver muito menos desperdício de água. Pode-se controlar a utilização de fertilizantes, com uma diminuição brutal no impacto ambiental.

Se temos o GPS e funciona bem porque gastar tanto mais dinheiro num novo sistema da UE?
Essa é uma pergunta muito legítima e tem toda a razão de ser, à qual respondo de forma muito simples. Cerca de 12% do PIB depende da navegação por satélite. É um número impressionante. Sem navegação por satélite as companhias aereas não voam, as empresas de camionagem não transportam, não há plataformas digitais de transportes tais como a Uber, Izzy Move ou Bolt. Cerca de metade das aplicações que estão instaladas no telemóvel utilizam navegação por satélite. Muitas transações financeiras também. Ora, o GPS é operado pela Força Espacial dos EUA, é um sistema militar. O Glonass pela Agência Espacial russa. Ambas das Forças Armadas. O sistema chinês também é estatal. No limite podem ser desligados na Europa. A autonomia estratégica da UE é, pois, crucial e a pandemia veio demonstrar isso. Para a economia e para todos os setores estratégicos, nos quais estão as infraestruturas críticas, como as centrais elétricas, o setor dos transportes, a Banca. Tem um impacto enorme, além da economia, na segurança e no bem-estar de todos os cidadãos. A partir do momento em que a Europa tem um sistema próprio, dissuade os outros de desligar o deles, pois não têm qualquer vantagem nisso.

Disse recentemente numa entrevista que a criação da EUSPA representa uma nova era para a EU? Que alcance tem essa afirmação?
Acredito plenamente nessa afirmação. Até ao final do ano passado, estes programas, o Galileo, o Egnos e o Copernicus, eram geridos isoladamente. Com a criação do Programa Espacial da UE, um programa integrado, não só se continuam a desenvolver esses projetos, bem como o novo pilar das comunicações seguras, como se criam sinergias, com vantagens para os utilizadores. Na área de busca e salvamento, por exemplo, em casos de catástrofes naturais, é possível integrar numa aplicação do telemóvel o posicionamento do Galileo e as imagens do Copernicus. A nova era é a da criação de sinergias. Dar ao utilizador soluções que funcionam de maneira robusta, não interessando de onde vêm.

Que imagem pode prever para o futuro, digamos 10 / 20 anos, do espaço europeu?
O espaço vai ter um papel fundamental em todas as áreas da nossa economia e da nossa segurança. Julgo que para as autoridades o espaço vai ser muito importante. Para o cidadão comum o espaço vai transformar-se numa comodidade como, hoje em dia abrimos uma torneira e esperamos que corra água, daqui a 10 anos será natural para qualquer pessoa utilizar dados espaciais de posicionamento e comunicações todos os dias, sem dar conta.

Há sempre aquela parte de haver em cima de nós dezenas de satélites a observar-nos ao milímetro a todo o momento...
E isso é uma matéria muito importante. Uma das vantagens, precisamente, do programa espacial europeu - e que até é uma vantagem competitiva - é que está sujeito aos regulamentos de proteção de dados da EU, como se sabe, são dos mais avançados do mundo.

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