Rodin: o artista na frieza do atelier
Moldar, olhar de outro ângulo e voltar a moldar, num contínuo aperfeiçoamento da forma. É este gesto manual obsessivo e compenetrado de Auguste Rodin que preenche grande parte do filme de Jacques Doillon, que chega hoje às salas portuguesas. Um retrato biográfico do mais célebre escultor francês que se firma em demasia nesse labor taciturno, e na dinâmica morosa da observação, com raros lampejos de vitalidade narrativa e frescura visual - terá sido esse um dos motivos que o levou a ser recebido com aspereza no Festival de Cannes, onde estava nomeado para a Palma de Ouro... No entanto, há uma dignidade essencial neste Rodin, para lá do seu fastio dramático, que deve ser reconhecida e apreciada.
Desde logo, como personagem central, o ator Vincent Lindon é um rosto comprometido com a verdade humana do artista. No correr dos anos 1880, a sua vida dividia-se entre a intensidade do trabalho, com a primeira encomenda do Estado - a famosa escultura As Portas do Inferno - e o romance com a jovem assistente Camille Claudel. O filme de Doillon remonta a essa época em que se conheceram e se entregaram a uma paixão inflamada e turbulenta, entre os caminhos da própria arte e a acidez da vida (vale a pena lembrar aqui A Paixão de Camille Claudel, com Isabelle Adjani e Gérard Depardieu, que em 1988 protagonizaram esse romance). Rodin vivia então com a sua companheira de muitos anos, Rose, e com ela acabaria por ficar. Mas a memória de Camille estaria sempre presente nas esculturas femininas, como um eco longínquo da sua cumplicidade.
Também por essa altura, o escultor tinha em mãos outra obra que se tornaria icónica: o monumento a Balzac. Entre a primeira rejeição e o momento de epifania do artista, que resultou na imagem que hoje se conhece de um Balzac envolto num comprido agasalho, estão as sementes da escultura moderna. Curiosamente, um rasgo artístico que não tem correspondência com o filme que a celebra...
Rodado essencialmente no ambiente fechado do atelier, Rodin acaba por ser um reflexo da solidão de Jacques Doillon, cineasta da geração de Philippe Garrel, Jean Eustache ou Maurice Pialat (a pós-Nouvelle Vague), que se tem distanciado de uma certa modernidade cinematográfica. Esse distanciamento é de tal forma consciente que podemos olhar para o protagonista, encerrado num diálogo permanente com as esculturas, como a imagem de uma resistência íntima e silenciosa. Contudo, o cinema intimista do realizador de Ponette perde-se aqui um pouco em função de uma estrutura convencional, muitas vezes episódica - como os momentos em que Rodin se cruza com o poeta Rainer Maria Rilke ou com o escritor Octave Mirbeau - deixando escapar a acutilância dramática. Sentimos frio neste atelier.