Desde sempre que o flamenco faz parte da vida de Rocío Márquez, que começou a cantar quando ainda era pouco mais que uma bebé, na companhia da mãe e do avô. Aos 34 anos é já um dos nomes maiores deste estilo musical, que soube reinventar sem nunca renegar à tradição. Deu-se a conhecer em 2008, no famoso festival internacional de flamenco Cante de las Minas, em Múrcia, onde arrecadou logo diversos prémios, entre eles o prestigiado Lámpara Minera. O primeiro disco em nome próprio, Aquí y Ahora, surge no ano seguinte e logo aí demonstra que a tradição não é para ela "um princípio ou um fim", mas sim um percurso para chegar a novos território musicais, como afirma em entrevista ao DN..Desde então já editou mais cinco álbuns, além de diversas colaborações, como os registos que gravou com o violagambista e maestro espanhol Fahmi Alqhai ou com a Orquestra Nacional Espanhola, dedicado à obra do compositor Manuel de Falla. O último trabalho de Rocío Márquez, o muito elogiado Visto en el Jueves, foi editado no início do ano passado e é a razão desta estreia nos palcos de Lisboa e do Porto, onde a cantora andaluza surge acompanhada pelo guitarrista Juan Antonio Suárez Canito e pelo percussionista Agustín Diassera, para duas noites de flamenco como é raro ouvir-se em Portugal..Como vão ser estes espetáculos, que marcam a sua estreia em Lisboa e no Porto? Espero que representem o início de uma relação bastante duradoura com o público português. Já tinha estado antes em Lisboa, mas apenas de visita e adorei. No Porto é que vai ser mesmo a minha primeira vez e estou muito ansiosa, não só para atuar lá mas também para conhecer um pouco a cidade, que me parece maravilhosa..Vem apresentar o último disco Visto en El Jueves, que foi recentemente editado em Portugal e tem recebido as melhores críticas, certo? Sim, esse álbum serve de base ao espetáculo, apesar de também tocarmos outras coisas. Trata-se de um disco muito importante para mim, não só porque reuni alguns dos meus melhores amigos para o fazer mas também pelo facto de ter interpretado temas que fazem parte do meu imaginário desde sempre..Foi quase como um regresso às origens do flamenco, por parte de uma artista que se destacou pela renovação que fez deste estilo, concorda? Sim, sem dúvida, mas para nos atrevermos a tentar renovar estilos tão tradicionais como o flamenco ou o fado, aqui em Portugal, é preciso conhecê-los profundamente. Eu estudo o flamenco desde muito nova, conheço todas as suas tonalidades, mas enquanto artista sempre tive a necessidade de trazer essa tradição para o meu terreno. Creio que esse foi o feito mais importante da minha carreira, conseguir partir dessa mesma tradição e não apenas fazer dela um início ou um fim..E qual é afinal o seu terreno? Não faço ideia (risos). Sempre que me tentei etiquetar acabei sempre por limitar a mim própria, pelo que passei a preferir que sejam os outros a fazê-lo. E isso de colar rótulos aos artistas, em especial na música, é sempre muito subjetivo, depende sempre de onde atuo e de quem me escuta. Se eu for tocar ao Primavera Sound se calhar vou ser considerada uma artista muito tradicional, mas quando me apresento num festival de flamenco mais tradicional, se calhar já me acham mais vanguardista..Como é que os fãs do flamenco mais tradicional lidam com essa inovação? Presumo que seja como aqui, com o fado. A afición do flamenco é muito variada e portanto bastante diferente entre si. Há de tudo, há quem goste da novidade e há quem a critique. E estão no seu direito, porque reconheço que nem sempre acerto nas minhas decisões. Mas isso faz parte do jogo, o que realmente importa é a busca, essa é que tem de ser feita de uma forma totalmente verdadeira..Quando é que se começou a interessar pelo flamenco? Desde que me conheço, praticamente. A minha mãe cantava flamenco, tal como o meu avô e uma prima minha. Era algo sempre muito presente na minha família, em especial quando nos reuníamos todos, como no Natal ou nos casamentos e batizados. Ninguém era profissional, mas somos de Huelva e como tal é algo que faz parte da nossa cultura e está sempre, a toda a hora, nas nossas vidas. Há um vídeo meu a cantar com apenas 3 anos e aos 9, por influência de uma colega de escola, ingressei na Penã Flamenca de Huelva, onde comecei a aprender todas as nuances do flamenco, que tanto pode ser triste como alegre, bailado ou apenas escutado. E mais tarde, já na juventude, fui estudar para a Fundação Cristina Heeren, em Sevilha, por onde também passaram muitos outros artistas da minha geração. Foi aí que o flamenco se tornou, de vez, a minha vida..É também muito ativa em termos políticos e sociais, chegou a cantar à capela à porta de uma mina, em Leon, em solidariedade com os mineiros que aí estavam em protesto, contra o encerramento das minas, e criticou fortemente o governo espanhol, aquando do aumento do IVA para os bens culturais. Acredita que essa também é uma obrigação dos artistas? Cada pessoa é um mundo e acima de tudo temos é de estar bem com a nossa consciência. Não posso falar por todos os artistas, mas, no meu caso, é impossível não usar a tribuna que me é dada pela música para fazer ouvir a minha voz em favor daqueles que muitas vezes não a têm, como era o caso desses mineiros..Rocío Márquez.Centro Cultural de Belém, Lisboa, 11 de janeiro, sábado, 21.00 €15 a €18.Casa da Música, Porto, 12 de janeiro, domingo, 21.30. €18