Roberta Metsola, a maltesa anti-aborto que quer presidir ao Parlamento Europeu
Em 2019, os grupos do Partido Popular Europeu (PPE), dos Socialistas e Democratas (S&D) e do Renovar a Europa chegaram a um acordo para eleger o socialista italiano David Sassoli como presidente do Parlamento Europeu. A ideia era que na segunda metade do mandato, que começa agora em janeiro, um eurodeputado do PPE (o maior grupo do hemiciclo) assumiria o cargo, pensando-se que o escolhido seria o alemão Manfred Weber. Mas este não avançou e, no mês passado, os populares elegeram a deputada maltesa Roberta Metsola, de 42 anos, como a sua candidata. Dentro do S&D há quem defenda contudo rasgar o acordo e o facto de Metsola ter uma posição antiaborto é só uma das razões.
A advogada especialista em Direito Europeu cedo se envolveu na política europeia. Nascida em janeiro de 1979 em Gzira, naquele que é o mais pequeno país da União Europeia (UE), Roberta Tedesco Triccas estudou na Universidade de Malta e foi uma das primeiras maltesas a aproveitar o programa Erasmus, tendo passado pelo Colégio da Europa, em Bruges. Fez parte da ala da juventude do Partido Nacionalista e foi secretária-geral dos Estudantes Democratas Europeus. Foi jurista na representação permanente de Malta na UE (o país aderiu em 2004) e passou pelo Serviço de Ação Externa até ter sido eleita eurodeputada à terceira, em 2013 (falhara em 2004 e 2009). A atual vice-presidente do Parlamento Europeu é casada com o finlandês Ukko Metsola e tem quatro filhos.
O currículo, que inclui a defesa dos direitos LGBT e dos migrantes, parece impecável. "É uma excelente candidata. Uma mulher, jovem, que vem de um pequeno país. É muito simbólico", elogiou Weber - a confirmar-se a eleição será a primeira maltesa a ocupar uma posição de topo na União Europeia. Mas para o centro-esquerda, o facto de não esconder a sua oposição ao aborto e de ter optado, em setembro, pela abstenção numa resolução que exigia à Comissão que criminalizasse a violência contra as mulheres, é uma mancha nesse mesmo currículo.
Contudo, as opções políticas de Metsola não são o único problema para o S&D, que arrisca perder peso nas instituições europeias com a saída de Sassoli. Isto numa altura em que o centro-esquerda parece estar a ganhar força no velho continente - em especial após a vitória do SPD na Alemanha e a eleição do chanceler Olaf Scholz. "Já comecei a negociar com o líder do PPE Manfred Weber para ver se podemos chegar a acordo para reequilibrar a representação do S&D no Parlamento Europeu e fortalecer as nossas prioridades políticas", disse a líder do grupo parlamentar do S&D, a espanhola Iratxe García.
O voto dos eurodeputados do grupo em Metsola também não está garantido, podendo ainda haver a escolha de avançar com candidato próprio às eleições de 17 de janeiro em Estrasburgo. O problema é que, para ser eleito, um candidato do S&D precisaria dos votos do Renovar a Europa, sendo que estes parecem inclinados a manter o acordo de 2019 - que colocou Charles Michel, deste grupo político, como presidente do Conselho Europeu, além de Ursula von der Leyen, do PPE, na presidência da Comissão Europeia.
"Também queremos ouvir a candidata proposta pelo PPE porque alguns dos seus pontos de vista são inaceitáveis para nós. Vamos convidá-la para uma sessão de perguntas com os nossos eurodeputados, onde eles podem colocar as questões e falar das preocupações que têm, e esperamos compromissos e clarificações sobre alguns assuntos importantes como os direitos das mulheres, a justiça fiscal, o Estado de Direito e a justiça social", acrescentou. Essa audição será na segunda semana de janeiro e só depois haverá uma decisão sobre o voto.
Metsola venceu a eleição interna no PPE com 64,4% dos votos, diante da neerlandesa Esther de Lange e do austríaco Othmar Karas. "A segunda metade desta legislatura será crucial para a Europa e vou trabalhar arduamente para continuar a construir pontes nesta casa, à medida que trabalhamos em conjunto para fazer avançar importantes dossiers legislativos e aproximar a tomada de decisões das pessoas em cada Estado-membro", disse então. Na corrida a presidente do Parlamento Europeu, e à espera de uma decisão do S&D, enfrenta para já a espanhola Sira Rego, candidata do grupo da Esquerda, e o polaco Kosma Złotowski, dos Conservadores e Reformistas.
Simone Veil (1927-2017): Sobrevivente do Holocausto, a antiga ministra da Saúde francesa foi a responsável pela legalização do aborto em França. Entre 1979 e 1982 foi a primeira mulher no cargo de presidente do Parlamento Europeu.
Nicole Fontaine (1942-2018): Vinte anos depois da eleição de Simone Veil, coube a outra mulher francesa voltar a presidir ao Parlamento Europeu. Eurodeputada desde 1984, Nicole Fontaine esteve no cargo entre 1999 e 2002, tendo depois sido ministra da Indústria antes de voltar ao hemiciclo europeu.