Robert Zemeckis
Não há na Hollywood contemporânea muitos fabricantes de sonhos com o poder e a desenvoltura de Robert Zemeckis. Desde Regresso ao Futuro que é assim. Os grandes estúdios deram-lhe luz verde e de discípulo de Spielberg passou a rival. Um grande contador de histórias que tem ido do suspense de A Verdade Escondida ao drama de grande espectáculo de Castway - O Náufrago, passando pela ficção científica em Contacto, até ao incatalogável Forrest Gump, filme amado e odiado que lhe deu Óscares e uma riqueza inimaginável. De há uns anos para cá tem explorado uma nova técnica de animação, a performance capture, onde um computador regista o movimento corporal e facial dos actores a partir do que eles fazem quando estão ligados num pijama com sensores em pleno estúdio próprio para o efeito. Um milagre dos avanços tecnológicos que permitiu a Zemeckis gerar a fantasia natalícia em Polar Express. Depois, veio Beowulf, aventura de fantasia anglo-saxónica, onde os efeitos técnicos foram melhorados e ampliados. Quer se queira quer não, uma forma de criar autenticidade à animação. As más-línguas dizem que isto é o começo do reinado das imagens sintéticas, o fim da «carne e osso» no cinema. As línguas ainda mais cruéis afirmam que tudo isto carece de alma, que é apenas um feito técnico e que a animação nunca deveria travestir-se de imagem real. Seja como for, Zemeckis volta agora com nova insistência neste campo. Chama-se Um Conto de Natal, uma adaptação bastante literal (mas com acrescentos) do clássico de Charles Dickens, em que Jim Carrey dá corpo e expressão a um Scrooge rabugento e mau como as cobras, bem como mais oito personagens (chega a ser uma criança e um fantasma-sombra). Acima de tudo, é um espectáculo 3D, pensado para satisfazer noções da fórmula Disney. Como se a prioridade fosse empolgar de forma visual a redenção do avarento mais famoso da Inglaterra vitoriana. Para isso, há muita viagem pelos céus de Londres, muita demonstração das capacidades técnicas da performance capture.
Pioneirismo virtual
Dê por onde der, este avanço da performance capture terá para sempre como cineasta pioneiro o seu nome. «Pioneiro?», pergunta ele. E concede: «É um bom termo, sim, senhor! Quando se faz algo que nunca antes foi feito surge uma combinação de medo e conquista. São muitos sentimentos diferentes.» A seguir, em meados de Dezembro, chega Avatar, onde Jim Cameron mistura actores reais com corpos de efeitos de performance capture. A 20th Century Fox está a vender o filme como revolucionário. Depois, talvez apenas em 2011 (já foi filmado, mas agora estão os técnicos de volta dos computadores), The Adventures of Tintin: The Secret of the Unicorn, de Steven Spielberg, precisamente o cineasta que lhe deu a mão em Regresso ao Futuro, produzindo os três filmes dessa saga. Ou seja, a profecia de Zemeckis está a acontecer. Por motivos estéticos ou económicos, Hollywood está a recorrer a esta nova tecnologia para filmar a fantasia. O próprio Peter Jackson pediu ao actor Andy Serkis para se ligar aos fios e deixar o computador criar o revestimento do seu trabalho para Gollum, na série O Senhor dos Anéis, e King Kong no filme com o mesmo nome. Mas para o cineasta que reinventou o cinema de aventuras nos anos oitenta com Em Busca da Esmeralda Perdida, a concorrência é, sem hipocrisias, saudável: «Nesta coisa do digital, quem faz por último tem sempre maior qualidade. O poder dos computadores cresce de ano para ano. A tendência é para de filme para filme haver maior sofisticação.» Outra das coisas que Zemeckis gaba desta técnica inovadora é a possibilidade de ter mais tempo com os actores e gerir como quiser a logística da produção. Neste caso, garante que nem o computador foi abaixo muitas vezes: «Basicamente estávamos muito bem acompanhados pelo pessoal informático. Devo dizer que é um sistema muito complexo, mas felizmente nunca perdemos dados nem nada do género relativamente ao processo de captação das interpretações. Adoptámos inclusive uma expressão, esta filmagem foi “à prova de bala”».
Jim Carrey show
E se a conversa em torno de A Christmas Carol vai sempre dar aos processos tecnológicos, a verdade é que a estrela do espectáculo é Jim Carrey, que mais do que nunca pode ser o primeiro actor a começar a ser premiado pela indústria por uma interpretação virtual. Zemeckis torce um pouco o nariz em relação à Academia, acredita que os votantes ainda não estão preparados para tamanha ousadia, mas é o primeiro a dizer que o seu actor merece o Óscar em 2010: «Nunca se sabe com a Academia, mas também talvez não valha a pena estar a fazer campanha para ele. Eles são muito teimosos». Mas se houver atenção de prémios para Carrey que, na verdade tem o seu nome creditado em nove personagens, o próprio Gary Oldman também terá de ser considerado. O actor britânico, além de ser o assistente de Scrooge, tem mais duas personagens baseadas no seu movimento e expressões faciais.
Brevemente…The Beatles
A seguir, Zemeckis e a sua equipa ImageMovers oferecem-nos os Beatles animados. Nem mais, o musical Yellow Submarine: «Será algo nunca antes visto, mas chamar-lhe revolucionário… isso já não sei. Uma coisa é certa, será um passo em frente em relação a Um Conto de Natal.» Pois, com tanto passo em frente qualquer dia já não sabemos o que é animação ou imagem real. Em filmes como Transformers ou mesmo Força-G, essa dúvida faz cada vez mais sentido. «Hoje com as fotografias já não sabemos dizer o que é verdadeiro ou virtual. Daqui a muito pouco, isso vai acontecer no cinema», diz, sem problemas…