Robert Redford e Jane Fonda descalços na cama
Fazer à moda antiga, fazer bem. A receita deste drama clássico é simples e sem grandes invenções. Uma história de amor entre um homem e uma mulher na terceira idade. Mesmo sem a tal poeira do arrojo inovador, que dizer de um filme que começa quando uma mulher (Jane Fonda) bate à porta do vizinho (Robert Redford) e lhe pede para começar a dormir com ela todas as noites? Ele, meio atordoado, diz que vai pensar. No dia seguinte, aceita o desafio.
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A ideia é estes dois viúvos fazerem companhia um ao outro. O acordo não contempla sexo, segundo ela "esse departamento já está fechado há muito na sua vida", mas passamos grande parte do tempo num jogo divertido: quando é que vai acontecer a consumação daquele amor que cresce? Ela, mergulhada numa solidão que acarreta traumas do passado (a filha de 5 anos tinha morrido tragicamente), precisa de falar, seja do que for. Ele, também traumatizado pela fama de adúltero, lamenta os erros do passado, vai dizendo que não é grande falador, mas todas as noites vai abrindo o livro da sua vida. A maneira como eles se apaixonam é terna e natural. Não tem peripécias do outro mundo nem piruetas narrativas, mesmo quando ambos têm de levar com o falatório da pequena cidade e com a desaprovação do olhar do filho dela (um surpreendente Matthias Schoenaerts, conhecido de Longe da Multidão e Ferrugem e Osso).
O mérito de Ritesh Batra (cineasta dessa desilusão que era O Sentido do Fim, estreado entre nós recentemente) é não forçar uma palha, deixar as coisas acontecer entre Jane Fonda e Robert Redford. O filme deixa-se levar precisamente por eles, um caso de química que não se explica. Ou melhor, explica-se com as expectativas que este encontro, cinquenta anos depois de Descalços no Parque, de Gene Saks, traz. Fonda e Redford representam um imaginário da cultura cinematográfica americana. São o casal de um certo sonho americano bom. São algumas as gerações que cresceram com eles e ambos aqui têm a consciência desse feitiço do tempo. Aparentemente, este projeto nasce de uma vontade dele de voltar a contracenar com ela. Por isso, escolheu ele próprio o realizador e produziu o filme. Para quê? Para ver o que acontece, e aquilo que sai deste reencontro é pura química.
Uma boa parte do filme passa-se com ambos deitados numa cama a média luz a falar ou a olhar um para o outro. Our Souls at Night não precisa de mais nada, tem já toda a química do mundo - Fonda e Redford. Não importa se estão velhos e com os corpos cansados, mas estão lá e produzem algo na ordem do milagre. É muito bonito de se ver.
Baseado no romance de Kent Hauf, este é um argumento com uma segurança narrativa envolvente, capaz de descrever muito bem estados de espírito e personagens de corpo inteiro. Os diálogos são escritos com uma finura melodramática certa e há uma aposta em pequenos pormenores que fazem a diferença, muitas vezes pontuados com humor (a maneira como Fonda convida Redford a aninhar-se nos lençóis pela primeira vez).
Por muito que haja uma certa sombra de telefilme, esta é uma escrita estritamente cinematográfica, pedindo até alguma permissão a uma certa cadência de peça teatral clássica. Para isso, ajuda também toda esta contenção emocional e o rigor de subtileza. Nós, ao Anoitecer não se transformou num tear jerker porque a sua escrita recusou efeitos piegas dramáticos e porque Fonda e Redford nunca forçam o tom.
Vamos sempre lembrar-nos desta história de amor de canto de cisne por eles. Robert Redford e Jane Fonda estão aqui cheios de amor para dar ao espectador.