Robert Plant regressa com uma prova de evolução e inspiração
Será difícil - e, até certo ponto, caricato - tentar descobrir uma história do rock que não reconheça a importância dos Led Zeppelin. Seja pela abertura de portas a tudo o que se fez depois na secção metálica ou pela circunstância de uma banda que, originalmente, se dedicava aos blues ter conseguido ultrapassar todas as fronteiras, o quarteto continua a fintar as leis do tempo, colocando-se sempre na linha da frente, entre os gigantes que a memória perpetua. Há um lado bom nesta "persistência": o facto de as grandes canções e as épicas aventuras da banda continuarem a chegar regularmente ao domínio público. Mas há um aspeto negativo que é a tendência para subvalorizar tudo o que os três Zeppelin sobreviventes fizeram depois da dissolução oficial do conjunto que nos deixou Whole Lotta Love, Immigrant Song ou Over the Hills and Far Away.
Estamos longe de poder pensar em abandono. John Paul Jones gravou a solo, incluindo uma banda sonora, trabalhou com Diamanda Galás, tocou com os R.E.M., os Foo Fighters, Peter Gabriel, Lenny Kravitz, Brian Eno, Paul McCartney, Ben Harper, produziu os Heart e os Mission, integrou os Them Crooked Vultures (com Dave Grohl, dos Foo Fighters, e Josh Homme, dos Queens Of The Stone Age).
Jimmy Page, que chegara dos Yardbirds, alinhou com Jeff Beck (e, mais tarde, com Eric Clapton, formou os meteóricos XYZ (com Chris Squire e Alan White), liderou e gravou com The Firm (ao lado de Paul Rodgers, ex-Bad Company), dirigiu a gravação de um álbum de Roy Harper, trabalhou com Crosby, Stills & Nash, colaborou com David Coverdale (o grupo chamava-se prosaicamente Coverdale/Page), tocou com Puff Daddy e os Limp Bizkit, juntou-se fugazmente aos Black Crowes. Também publicou discos em nome próprio e dois álbuns, No Quarter e Walking Into Clarksdale, em parceria com... Robert Plant.
De todos, este é claramente o mais prejudicado pela sombra omnipresente dos Zeppelin, é mesmo este último que publicou nada menos do que onze discos a solo (contando já com Carry Fire), um álbum de palco, além de quatro registos em colaboração, os dois referidos com Page, outro com os Honeydrippers (com Page e Jeff Beck envolvidos) e ainda mais um - o mais inesperado - com a cantora country Alison Krauss, o notável Raising Sand.
Contas feitas, Plant esteve pouco mais de doze anos com a banda que o mitificou. A solo, leva o triplo do tempo. Mas, como se confirma pelas críticas internacionais, o escrutínio de Carry Fire começa precisamente pela busca de riffs de guitarra elétrica que possam evocar os gigantes de outrora, pela alusão a alguns elementos instrumentais que recordam a complexidade e a riqueza sonoras de Kashmir (uma das canções míticas dos Zeppelin), pela procura obsessiva dos momentos em que as notas mais altas da voz de Plant remetem para o passado distante. O cantor e autor até reage diplomaticamente à situação, reconhecendo que não se pode ficar só com as boas consequências de uma recordação tão dominante. Mas, como confessa à revista Uncut, já só consegue rir-se quando lhe perguntam se ainda se sente o mesmo homem que, em tempos, foi escolhido como o dono do melhor peito (ou tronco) do rock... "Vou a caminho dos 70 anos, isto [a eleição popular através do inquérito de uma revista] passou-se há 40... Não fosse eu um interessado em mitologias e ainda podia acabar por levar isto a sério...".
Juntar os interesses
Plant quase deixou de cantar em dois momentos: primeiro, quando lhe morreu um filho (Karac, 1972-1977). Foi decisivo o papel de John Bonham, baterista dos Zeppelin, vizinho e amigo, no regresso de Plant à atividade. Três anos depois, quando o próprio Bonham faleceu, Robert voltou a querer parar e chegou a aceitar um período experimental como professor. Nunca chegou a cumpri-lo, muito por influência de Phil Collins (baterista dos Genesis e cantor, que chegaria a tocar com uma reunião especial dos Led Zeppelin para o Live-Aid, em 1985), que o convenceu a continuar. Hoje, todas essas reticências se esfumaram com o passar dos anos e Plant até faz planos para o futuro imediato na música.
Um deles passa por cumprir a digressão que levará Carry Fire ao palco. O que não será um desafio simples, se levarmos em consideração a panóplia instrumental a que a banda de apoio, os Sensational Space Shifters, recorre ao longo do disco - dos americaníssimos dobro e slide guitar até ao djembe e ao bendir, mais chegados à world music. O álbum parece congregar o essencial dos interesses atuais de Plant: a música americana de raiz, com algumas inflexões que chegam a deixá-la nos horizontes de folk e country; os blues, mesmo numa variante que se prende com a prática de músicos do Norte de África, mais do que nas origens do Mississipi e cercanias; as "músicas do mundo", bem expressas nalguns temperos orientais, na construção dos arranjos; algumas pitadas de R&B, espalhadas por diferentes canções.
Claro que o fio condutor é - e será sempre - a voz de Plant, colocada de forma a não querer copiar os feitos de há quase meio século. Mas quem se debruçar sobre a intensidade elétrica de Bones and Saints ou sobre a paixão acústica transbordante em Season"s Song, ficará com uma ideia aproximada da abrangência geral, que tem pontos altos no dueto com Chrissie Hynde em Bluebirds over the Mountain (a única versão presente), nos arranjos de Carry Fire (quase psicadélico) ou de Carving up the World Again (quase rockabilly). No aspeto lírico, Plant continua a ocupar o seu posto de observador privilegiado - porque experiente e vivido - e assim consegue novas perspetivas para olhar questões já muito debatidas, da emigração e dos refugiados ao crescimento desregrado dos nacionalismos.
Está em muito boa forma e, insiste-se, não merece continuar a ser tratado como um "órfão" do que fez noutras épocas. Mesmo assim, a notícia fica para o fim: na referida entrevista à Uncut, Plant faz questão de se mostrar disponível e disposto a uma comemoração do meio século dos Led Zeppelin. Para os mais distraídos, será já em 2018. Querem ver que temos festa?