Rob Dunn: "Há um crescente descrédito populista na ciência"

Rob Dunn, biólogo, escritor e professor de Ecologia Aplicada no Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Carolina do Norte, esteve recentemente no Congresso Português de Cardiologia, em Albufeira, a falar sobre a história das estatinas, a sua importância na prevenção e tratamento do colesterol elevado e, ainda, sobre o papel da biodiversidade para o futuro da medicina cardiovascular. Ao DN, conta como estes fármacos têm prolongado vidas nos últimos anos e diz que o descrédito nas estatinas se pode comparar ao que está a acontecer com as vacinas.
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Qual a importância das estatinas para a medicina?
As artérias coronárias obstruídas, aquelas que fornecem oxigénio ao coração, são um problema grande e comum para os humanos dos tempos modernos. As artérias entopem devido à combinação de colesterol LDL alto e inflamação, o que piora com a pressão arterial alta. As estatinas tornaram-se uma maneira de reduzir a gravidade da aterosclerose ao interferir com uma peça deste puzzle, o colesterol LDL. Ao fazê-lo, prolongaram e continuam a prolongar muitas vidas.


Há quem questione, no entanto, a utilização destes fármacos. Porquê?
Quem sabe. Temos provavelmente uma variedade de coisas a acontecer aqui. Uma dessas coisas é existir, na cultura ocidental, um crescente descrédito populista na ciência, nos cientistas e nos médicos. Em parte, é possível que esta resposta faça parte desta onda maior (que também leva as pessoas a não serem vacinadas). Quando prescritas adequadamente , as estatinas são úteis e ajudam a prolongar vidas.


Qual a relação entre o colesterol e as doenças cardiovasculares?
Os humanos estão predispostos a desenvolver a aterosclerose e artérias obstruídas, quando comparados a outros primatas. A aterosclerose resulta de uma resposta exagerada do sistema imunitário ao colesterol LDL no sangue. O nosso colesterol LDL é mais alto do que costumava ser, graças a dietas de baixa qualidade. As nossas reações imunitárias estão também frequentemente mais "reativas" do que costumavam estar por várias razões. Estas duas coisas juntas tornam os nossos corpos, que já têm propensão à aterosclerose, mais suscetíveis. Finalmente, a nossa pressão sanguínea está mais alta, o que torna estes bloqueios mais problemáticos e com maior probabilidade de levar a um ataque cardíaco.

Do que fala no livro "O homem que tocou o seu próprio coração"?
"O homem que tocou o seu próprio coração" é a estória da história da nossa compreensão dos nossos corações e a história das nossas tentativas para tratá-los. Mas é uma história contada no contexto de uma imagem maior, a do nosso passado evolutivo e da biodiversidade. Esta imagem maior oferece-nos novas perspetivas sobre como o coração trabalha, como o coração falha e como nós podemos tratá-lo. É uma imagem maior que, normalmente, falta à medicina, mas que nos conecta com o resto da vida e com a ideia de que a nossa história enquanto humanos só faz realmente sentido à luz do resto da vida.


Refere, muitas vezes, a importância da biodiversidade no futuro da medicina cardiovascular. Qual o seu papel?
A biodiversidade tem muitos papéis, mas um deles é no auxílio à descoberta de novas terapêuticas. As estatinas, tal como a ciclosporina (um imunossupressor que torna os transplantes cardíacos possíveis), vêm de fungos selvagens. Tal como muitas outras drogas (incluindo os primeiros antibióticos). Ao perceber a biologia destes fungos podemos continuar a fazer tais descobertas, mas também as podemos acelerar. Penso que através do estudo da biologia destes fungos no seu ambiente selvagem e da procura de novas drogas à luz desta biologia podemos acelerar a taxa de descoberta dez ou vinte vezes. Por fim, a maior parte das nossas melhores soluções tem vindo da natureza. E continuará a ser assim por muito tempo.

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