River-Boca: a final mais longa pode acabar com uma vitória na secretaria
O River Plate-Boca Juniors que vai definir o campeão da Taça Libertadores parece querer transformar-se na final mais longa da história do futebol. No jogo da primeira mão, no La Bombonera, que terminou empatado a dois golos, a chuva obrigou a adiar a partida por um dia. Neste fim de semana, acontecimentos bem mais graves levaram a Conmebol, entidade que supervisiona o futebol na América do Sul, a adiar o superclássico para data ainda a definir, na sequência do ataque de adeptos do River ao autocarro do Boca que deixou alguns jogadores com ferimentos e a grande maioria deles traumatizados.
O jogo decisivo começou por estar inicialmente marcado para sábado às 17.00 (20.00 em Portugal continental). Mas horas antes da partida, e já com o Estádio Monumental a rebentar pelas costuras, o autocarro do Boca foi atacado por todo o tipo de objetos - pedras, garrafas, latas, paus e até gás pimenta. Os jogadores do Boca declararam logo que não havia condições para jogar. E o jogo acabou por ser adiado duas vezes para horas posteriores, antes de passar para as 17.00 (20.00) de domingo. Mas esta data também acabou por ser cancelada.
Neste domingo, o Boca Juniors oficializou através de um comunicado aquilo que os seus jogadores e dirigentes haviam dito na véspera: "Depois dos atos de violência sofridos nas imediações do estádio, e de ter constatado a magnitude e a gravidade dos mesmos, e as consequências que se deram no plantel, o Boca considera que as condições não estão reunidas e solicita a suspensão do jogo, assim como a aplicação das sanções correspondentes."
Perante esta tomada de posição da equipa, Alejandro Domínguez, presidente da Conmebol, resolveu encerrar a questão. "As equipas não estão em igualdade de condições. A final será reprogramada", disse o dirigente em declarações aos jornalistas, fugindo à questão sobre o pedido do Boca para o River ser penalizado: "Vou encontrar-me com os presidentes dos dois clubes para combinarmos em conjunto uma data que agrade a todas as partes." Esta reunião está agendada para esta terça-feira.
Uma coisa é certa: nesta semana será impossível que o jogo se realize, devido à Cimeira do G20, que vai reunir na capital argentina os maiores líderes mundiais e toda a segurança está unicamente escalada para este evento. De acordo com o jornal desportivo Olé, o mais provável é que a partida, caso se realize, seja na semana de 3 a 9 de dezembro, em princípio sábado (8) ou domingo (9).
Há, contudo, mais um imbróglio para resolver em toda esta história em torno da final da Taça Libertadores. Na reclamação feita pelo Boca Juniors, o clube fala em aplicação de sanções ao clube rival. Ou seja, os responsáveis do clube da Bombonera querem ver o River castigado pelos distúrbios dos seus adeptos - o que num cúmulo jurídico pode dar uma vitória na secretaria. "Defendo que os jogos se ganham dentro do campo, mas como presidente do Boca tenho responsabilidades e fizemos uma exposição dos acontecimentos à Conmebol. Vamos esperar que o Tribunal da Conmebol se pronuncie", referiu neste domingo Daniel Angelici, em conferência de imprensa.
E a verdade é que situações deste género estão previstas no artigo 8.2 do regulamento disciplinar da Conmebol, que diz o seguinte: "As associações-membros e os clubes são responsáveis pela segurança e pela ordem tanto no interior como nas imediações do estádio, antes, durante e depois do jogo do qual sejam anfitriões ou organizadores. Esta responsabilidade estende-se a todos os incidentes de qualquer natureza que aconteçam, encontrando-se por eles expostos a imposição de sanções disciplinares e o cumprimento das ordens e instruções que possam ser adotadas pelos órgãos judiciais." Ou seja, a Conmebol pode considerar que o River é responsável pelas ações dos seus adeptos e decretar o Boca Juniors vencedor. Outra possibilidade passa por realizar a partida à porta fechada, sem adeptos.
Rodolfo D'Onofrio, presidente do River Plate, não acredita que a Conmebol decida atribuir a vitória ao Boca Juniors ou aplique qualquer castigo ao seu clube. "Na terça-feira, às 10.00, o presidente da Conmebol está à nossa espera para marcarmos uma nova data para o jogo se realizar. Não tenho a menor dúvida de que o jogo vai mesmo realizar-se. Qualquer outra coisa não será válida, nem lógico. O jogo vai ter o River no campo e adeptos no estádio, sem qualquer dúvida", reagiu.
Não seria a primeira vez que um clássico entre River e Boca seria decidido na secretaria. Em maio de 2015, na segunda mão dos oitavos-de-final da Taça dos Libertadores, quando as duas equipas regressavam dos balneários para o relvado na segunda parte, adeptos do Boca lançaram gás pimenta na direção dos jogadores do River que se encontravam ainda no túnel. Os atletas tiveram de ser assistidos em pleno relvado, pois a maioria não conseguia parar de coçar os olhos. O árbitro esperou alguns minutos, mas deu por encerrado ali o jogo. Na secretaria, o River acabou por ser apurado para as meias-finais da prova.
Este episódio de violência que adiou a Taça Libertadores é apenas só mais um de uma rivalidade com mais de cem anos, que teve como momento mais negro um jogo entre as duas equipas disputado em 1968 e que ficou conhecido como a Tragédia da Porta 12. No Monumental de Nuñez, casa do River Plate, morreram 71 adeptos do Boca Juniors (houve ainda centenas de feridos), pisados e asfixiados pela multidão que se juntou junto à porta 12 do estádio.
O futebol argentino sempre foi marcado por episódios de violência. Para combater o estado das coisas, em 2013, depois da morte de mais um adepto num estádio (em confrontos durante o jogo entre o Lanús e os Estudiantes, em La Plata), a Associação de Futebol da Argentina (AFA) decidiu, com o apoio do governo da altura, impedir a entrada de adeptos das equipas visitantes nos estádios, aplicando a medida a todas as divisões do futebol argentino.