Rita põe os turistas a fazer voluntariado. E eles gostam

Rita Marques e Diogo Areosa integraram o Programa de Apoio ao Empreendedor Social da Santa Casa para criar a ImpacTrip, cujo objetivo é ajudar os turistas a fazer voluntariado e a criar um impacto positivo nas comunidades. Ajuda de Mãe ou a Refood são duas das instituições para onde enviam voluntários, que já contribuíram com mais de 25 mil horas de trabalho
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No meio de uma sala cheia de bebés, Elyse e Kay destacam-se. São ambas estrangeiras e estão a ajudar as duas funcionárias da Ajuda de Mãe a tomar conta dos bebés que aqui ficam. A australiana e a escocesa são turistas e voluntárias: fizeram duas semanas de voluntariado e, ao mesmo tempo, aproveitaram para conhecer Portugal. As duas chegaram à Ajuda de Mãe através da ImpacTrip.

A empresa de Rita Marques e do sócio Diogo Areosa ajuda "os viajantes a terem um impacto positivo social e ambiental". Ou seja, cria "experiências turísticas que permitem ao viajante ter um impacto positivo nas comunidades através do voluntariado ou de negócios sociais das organizações nossas parceiras", explica a jovem empresária de 27 anos.

O negócio surgiu em 2013, depois de Rita ter decidido abandonar um estágio internacional na Malásia para ir viajar e "conhecer as comunidades locais, viver a cultura". E achou que a melhor forma de conhecer a cultura local era fazer voluntariado. Depois percebeu que em Portugal não havia nada assim e juntou-se a Diogo para criar uma empresa que respondesse a essa procura, numa altura em que o turismo começava a explodir no país.

Uma aposta que acabou por contar com a ajuda do Programa de Apoio aos Empreendedores Sociais (PAES) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, logo no ano seguinte. "Felizmente entrámos e tivemos muita formação e especialmente tempo para pensar e para refletir em várias dimensões do projeto. Esse tempo foi essencial para refazermos várias ideias que tínhamos pensado e solidificarmos o modelo de negócio e a partir daí seguimos o nosso caminho", explica a cofundadora da ImpacTrip.

Hostel mais sustentável do país

Para Rita, seguirem o caminho significa não só a gestão das viagens solidárias, um pouco por todo o país, mas também o lançamento do hostel mais sustentável de Portugal - a Impact House. Um espaço que se propõe receber os voluntários e acolhê-los como se estivessem em casa. Mas onde existe uma vermicompostagem, com minhocas vindas dos EUA para "fechar o ciclo da comida" (comprada a produtores locais e a granel "para poupar nas embalagens") e um jardim vertical que é alimentado pelos resultados da compostagem, com plantas comestíveis. O plástico vai ser triturado para ser transformado em objetos - como pratos -, tudo com o objetivo de "fechar ciclos", explica a empresária social, formada em Gestão. E desta forma, "reciclar o menos possível" e conseguindo também ser neutros em termos de emissões de carbono. O espaço tem capacidade para acolher 42 pessoas.

Apoiar as mães adolescentes

Os hóspedes da Impact House dedicam-se depois aos projetos que mais se adequam às suas preferências e competências. Uma das organizações é a Ajuda de Mãe. Foi essa a escolha de Elyse Bauchamp, de 19 anos, que veio de Sydney, na Austrália, para estudar em Londres e que aproveitou para conhecer Portugal em abril. A estudante de Serviço Social viu em Lisboa -"uma das cidades mais seguras do mundo" - o local ideal para "dar uma mão" no trabalho social. "Vi este projeto de apoio e achei que era muito bonito apoiar as mães adolescentes", justifica. Elyse consegue manter o sorriso apesar dos choros concentrados dos bebés, uma experiência inédita, que a tem ensinado a "ter paciência". Mas no voluntariado já é veterana: já trabalhou com refugiados na Bélgica e na construção de uma escola no Camboja.

Kay Simpson encontrou-se com Elyse na Ajuda de Mãe. Como os bebés têm até um ano e meio não se perdem na tradução. É a primeira experiência da escocesa de 20 anos como voluntária e, como em casa trabalha no apoio domiciliário a pessoas idosas, decidiu ajudar durante as férias com as crianças. "Seria sair da minha zona de conforto e também é a primeira vez que viajo sozinha para fora do país", conta a escocesa.

As duas jovens acabam por ser uma ajuda importante para a associação, na divisão de tarefas diárias, com os bebés. Tal como elas, por aqui vão passando voluntários de todo o mundo, que Rita Marques e o sócio vão encaminhando. À ImpacTrip já chegaram viajantes "de 52 nacionalidades" e no conjunto já dedicaram "mais de 25 mil horas de voluntariado aos mais de 300 parceiros sociais e ambientais", pormenoriza Rita Marques.

Entre os programas disponíveis contam-se também o combate ao desperdício alimentar, nomeadamente através do voluntariado na Refood, uma organização que resgata a comida em excesso que sobra nos restaurantes e outros parceiros e a entrega a quem precisa.

Angelica Gregorian, de 22 anos, veio da Austrália, viajar três meses pela Europa. Quis que o último mês fosse de voluntariado e acabou por escolher Portugal e a Refood. Logo no primeiro dia, ficou no atendimento de quem chega para levantar refeições. Gostou sobretudo de "interagir com as pessoas". Reconhece que está a fazer "uma pequena coisa pelas pessoas", mas espera que "o grande sorriso e uma cara acolhedora" ajudem a criar um impacto positivo na vida de quem passa pela Refood.

Há outras atividades que até parecem mais tradicionais como programas de férias, como o mergulho, mas neste caso o objetivo é a limpeza do oceano - e, todos juntos, estes mergulhos já tiraram mais de 1500 quilos de lixo do fundo do mar.

E não se pense que as atividades não podem ser para todas as idades e em família. Há, por exemplo, um passeio no Parque Sintra-Cascais em que "ao mesmo tempo se passeiam cães abandonados, que têm essa necessidade". A ImpacTrip criou assim um peddy-paper no parque natural para resolver esta necessidade. Depois, durante a tarde, faz-se "um piquenique no centro de recuperação do lobo ibérico", em Mafra. "Este é um programa para famílias que é muito procurado."

Continuar a concretizar sonhos

Os projetos da ImpacTrip dividem-se em turismo responsável, que são estas experiências de curta duração (dois, três dias, uma semana), e os programas de voluntariado internacional. Nestes, juntam-se duas das três marcas da empresa: a ImpacTrip e a Impact House. Paralelamente, Rita e Diogo criaram ainda uma terceira marca: a ImpacTeam, que ajuda as empresas a resolverem problemas sociais.

Este tipo de turismo "não é para toda a gente", mas, como Rita Marques faz questão de sublinhar, "não é o turismo dos pobrezinhos". "As pessoas cada vez mais querem minimizar o impacto negativo que o turismo tem nas comunidades locais e nós queremos minimizar esse impacto negativo e ter impacto positivo", assegura. Uma ideia partilhada por milhares de pessoas, como mostram os números de participantes no voluntariado internacional, que "tem vindo a crescer".

Apesar do balanço positivo, Rita e Diogo ainda não conseguiram pôr em prática a primeira ideia de todas: "As Rotas de Inclusão em que queremos formar pessoas ex-sem-abrigo ou sem--abrigo que queiram ser guias, contadores de histórias em Lisboa. E é um projeto que temos vindo a desenvolver, mas por falta de tempo e de encontrarmos as pessoas certas ainda não conseguimos, mas queremos muito e está nos nossos planos."

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