Rita Barata é uma das primeiras portuguesas a trabalhar o vidro manualmente. Um ofício extremamente raro entre o sexo feminino, não só no nosso país como em todo o mundo, por exigir muita força e resistência ao calor, características que tendem afastar as mulheres..Atualmente, podemos encontrá-la na fábrica de vidro e cristal da Vista Alegre, em Alcobaça, toda desembaraçada, a colher vidro ou a carregá-lo na ponta da cana de sopro, que pode chegar a pesar mais de quinze quilos, para o moldar depois. Foi aqui que aprendeu a trabalhar no vidro artístico, na equipa do mestre António Esteves, e aqui continua porque adora o que faz..A sua trajetória de vida é sinónimo de coragem e determinação, seguindo as pisadas da mãe e das tias maternas, que souberam criar com sucesso o seu próprio negócio e educar os filhos sozinhas, depois de se divorciarem..Tinha apenas catorze anos quando se insurgiu contra o que considerava ser a forma injusta como a avó paterna tratava a família materna, especialmente depois de o seu avô falecer, altura em que a expulsou, a ela e sua mãe, da casa onde sempre tinham vivido e que seu avô lhes havia destinado..No momento, disse-lhe tudo o que a restante família queria dizer, mas não tinha coragem, e ficou com a grata sensação de dever cumprido..Depois de concluir o ensino secundário seguiu para o ensino superior apenas por imposição do pai. Como estava indecisa acerca do que escolher, optou pelo curso que lhe permitia ficar perto de casa - Design de Cerâmica, na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha..Foram tempos boémios, de fraco rendimento escolar. Aguentou até ao terceiro ano, sempre com disciplinas por fazer, e depois de esgotar o dinheiro que a mãe havia destinado aos estudos, decidiu que tinha de procurar emprego..Sentia necessidade de se apaixonar por um trabalho com o qual se pudesse sustentar. Preferia um trabalho manual, inserida numa equipa, do que outro em que ficasse sozinha frente a um computador..Na altura, existia muita dificuldade em encontrar trabalho em design, pelo que pensou que teria mais possibilidades se procurasse um ofício que pouca gente quisesse. Encontrou o que procurava em Leiria, quando viu anunciado um curso de vidreiro, no Centro de Formação Profissional para o Sector da Cristalaria (CRISFORM)..Foram sete meses de formação intensa no trabalho do vidro no forno e na técnica do maçarico. Seguiu-se um estágio na fábrica da Marinha Grande e mais seis formações de curta duração, três delas em pintura de vidro com a exímia pintora Olinda Colaço, por quem nutre grande admiração..Depois, conseguiu emprego no centro de formação, onde tirou também o curso como fundidora e condutora de fornos, ao lado do engenheiro químico Sidónio Oliveira, que foi o seu grande mestre na teoria da tecnologia do vidro e no trabalho do vidro artístico..Perguntamos-lhe se sentiu algum tipo de discriminação, ao que responde que "no início notei desconfiança pelo facto de ser mulher. Mas depois, à medida que lhes demonstrei saber fazer exatamente o mesmo que eles, passei a ser tratada como igual"..Em 2008, com a chegada da crise, Sidónio Oliveira aconselhou-a a procurar um trabalho no vidro que lhe permitisse evoluir profissionalmente. Como tinha jeito para o maçarico, pediu para ser aprendiz numa fábrica de vidros científicos, a NORMAX, onde após um estágio ficou a trabalhar durante três anos..Gostava do que fazia, mas sentia-se insatisfeita com o parco vencimento e continuava sem possibilidades de progressão na carreira, pelo que se despediu e foi viver para o Alentejo..Infelizmente, não foi das decisões mais acertadas e como não encontrou trabalho, decidiu tirar o curso de formação de formadores e regressou a casa..Pouco depois, foi convidada a dar formação na técnica do maçarico no centro de formação CENCAL, no Polo da Marinha Grande, e em 2017, uma amiga propôs-lhe trabalhar com o mestre Esteves, na Atlantis, na obragem de vidro artístico..Para ela foi um sonho tornado realidade, porque já conhecia o magnífico trabalho daquele artesão do vidro e sabia que poderia aprender muito com ele..Atualmente, depois de mais de dezasseis anos nesta atividade, continua a ser uma raridade, ainda que confesse conhecer outras mulheres na fábrica que já tentaram ir para o forno, ainda que nunca as tenham deixado..Acerca das razões para que tal aconteça, refere o mesmo preconceito de sempre, pois também ela o sentiu na pele e teve muita dificuldade quando tentou encontrar trabalho como condutora de fornos. Chamaram-lhe doida e mandaram-na dar uma volta..Mas no seu caso, foi o facto de não desistir que fez a diferença, e apesar de todas as contrariedades continua a adorar o que faz. O convívio com os colegas e "o desafio de controlar a massa quente que nunca está quieta". Só lamenta o facto da arte que aprendeu com tanta dedicação ser extremamente mal paga no nosso país..*Autoras do livro Mulheres do meu país - século XXI inspirado na obra homónima de Maria Lamas. O livro, que tem design gráfico de Andrea Pahim, está à venda nas livrarias online e no FB. O DN publica nesta segunda quinzena de agosto uma seleção de 15 perfis de portuguesas notáveis.