Risco da dívida duplica com o vírus e ainda não há "fisga nem bazuca" para o combater
O risco da dívida portuguesa a dez anos medido em comparação com os títulos alemães com a mesma maturidade (os mais seguros da União Europeia) duplicou neste quase mês e meio em que já dura a crise do novo coronavírus.
Embora as taxas de juro ainda sejam relativamente baixas a nível histórico, a República Portuguesa já está a sentir na pele esse agravamento do prémio de risco da dívida pública, instrumento que, já fizeram saber os dirigentes europeus, terá de voltar a ser a principal fonte de financiamento dos planos de salvamento das economias europeias.
Esse financiamento virá certamente com condições (algumas ligeiras, outras não se sabe), mas o primeiro-ministro português, António Costa, garante que não haverá austeridade.
A ideia de criação de eurobonds, agora chamadas de coronabonds (dívida mutualizada entre todos os países) está morta e enterrada.
Nesta quinta-feira, os líderes dos 27 governos da União Europeia (UE) reúnem-se de novo por videoconferência para tentar desbloquear um acordo de valor robusto e assinalável que convença o mundo de que a Europa consegue entender-se e está unida nesta que vai ser a pior crise desde a grande depressão dos anos 20 do século passado, pelo menos.
De acordo com cálculos do DN/Dinheiro Vivo, este Conselho Europeu surge numa altura em que a crise começa a inflacionar a sério a fatura dos juros, mesmo com as medidas do Banco Central Europeu (BCE) ativas no terreno.
Do início de abril até ao dia de ontem (22), a taxa de juro média cobrada a Portugal nos mercados secundários de dívida pública (dez anos) era de 0,9%. A taxa diária apurada ontem subiu para quase 1,3%, valor que compara com os 0,2% e os 0,3% estava a crise quase a rebentar.
Isto faz que o prémio de risco face à Alemanha tenha subido de forma vertiginosa nas últimas semanas. Durante meses esteve na casa dos 0,6%, ontem já superava os 1,3%.
Ontem também, a agência que gere a dívida portuguesa, o IGCP, foi ao mercado emitir obrigações do Tesouro a dez e a seis anos. A dívida a dez anos (quase 600 milhões de euros) foi contraída a uma taxa de juro de 1,194%, segundo a instituição. Há pouco mais de um mês, Portugal conseguiu colocar 500 milhões (maturidade de dez anos também) a menos de metade do custo (juro de 0,426%).
É pesado. Portugal tem uma dívida equivalente a quase 120% do produto interno bruto (PIB) e uma fatura em juros que ronda todos os anos os oito mil milhões de euros (quase 4% do PIB).
O risco soberano de Portugal duplicou para os referidos 1,34 pontos percentuais, mas há países que estão ainda pior. Por exemplo, o prémio de risco de Itália face à Alemanha já ultrapassa os 2,1 pontos, indicam contas do DN/Dinheiro Vivo feitas até ao fecho dos mercados de ontem.
É nesta situação tumultuosa e de rápida degradação das condições económicas, sociais e financeiras dos países que os primeiros-ministros europeus se reúnem para chegar a um valor para a resposta ao pós-crise sanitária e a um primeiro acordo sobre o que devem ser os princípios gerais e as condições do plano de recuperação da Europa (que alguns gostam de chamar de plano Marshall, embora tenha pouco ou nada que ver com o plano de relançamento do pós-Guerra).
Ontem, no debate parlamentar de preparação para a telecimeira, Costa revelou que o plano vai ter de cair entre alguns destes números: um bilião de euros (um milhão de milhões, a proposta da Comissão Europeia, mas com fontes de financiamento ainda em aberto), 1,5 bilões (proposta de Espanha, que seria financiada com dívida perpétua, portanto de muito longo prazo e sem maturidade definida) ou 1,6 biliões, que é o valor das necessidades calculado pelo BCE, revelou Costa.
O primeiro-ministro de Portugal, que parece estar inclinado para apoiar a posição espanhola (de um governo aliado, também socialista), disse que agora a Europa tem de decidir se quer "uma fisga ou uma bazuca".
Assumindo que Portugal fica com 2% a 2,1% do bolo (que é a quota clássica do país a nível europeu), significa que um plano de relançamento de 1,5 biliões de euros que vigorasse durante dois ou três anos (a ideia é que seja temporário) daria recursos na ordem dos 30 mil milhões de euros ao país (perto de 15% do PIB anual do país).
João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços, espera que as verbas do plano de recuperação "não acarretem um aumento da dívida dos Estados", que esse dinheiro venha de "emissão de dívida conjunta realizada pela própria Comissão Europeia (criando uma taxa de solidariedade, em termos a definir)" e que o financiamento "não assuma a forma de empréstimos mas sim de apoios a fundo perdido às economias".
O representante patronal espera que "os apoios possam começar a chegar aos destinatários, se possível, a seguir ao verão de 2020".
Jornalista do Dinheiro Vivo