Rio Maior. Ação popular tenta travar abate de árvores por alegadas razões de segurança

Centenas de árvores têm vindo a ser abatidas na zona de Rio Maior, pela Infraestruturas de Portugal (IP). Depois da estrada que liga a vila a Santarém, é agora a vez da EN 114, que a liga a Caldas da Rainha. Um grupo de cidadãos está disposto a "ir até às últimas consequências" para as preservar.
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Em Rio Maior, as árvores não morrem de pé. Ou não é essa a vontade da IP (Infrastruturas de Portugal) que desde há vários meses já terá abatido mais de 400 árvores, e se prepara para continuar essa "operação limpeza" nas bermas da EN 114, invocando "razões de de segurança rodoviária".

"Tenho 50 anos, vivi a maior parte da minha vida na minha terra (Rio Maior) e nunca pensei assistir a uma coisa destas, embora, confesse, que há uns anos já tinha tido esta espécie de iluminação: muito do belo natural que existe é por mero acaso, porque alguém não cultivou ou construiu, e a natureza seguiu um pouco do seu curso. Portanto, expetativas baixinhas, por assim dizer". O desabafo de João Correia, professor de Ciências, cruza-se com o de mais três dezenas de amigos, conhecidos e defensores da natureza. Esta semana, alguns deles concentraram-se junto ao local para falar ao DN da "incongruência desta ação, a coberto do DL n.º 124/2006, de 28 de Junho, sendo que as principais vítimas têm sido carvalho-cerquinho, freixo, cipreste, cedro, choupo, entre outras árvores".

"Foram cortadas centenas de árvores e, agora, pelo menos mais 170 árvores encontram-se marcadas no espaço de pouco mais do que 1 km, entre as Bocas de Rio Maior e Senhora, num troço de estrada particularmente belo pelo efeito de túnel arbóreo criado pelos carvalhos e sobreiros de grande porte", explica João Correia, que desde o verão se dedica com afinco a denunciar, junto de várias entidades, o que mais lhe parece um atentado ambiental: "São árvores belíssimas, que não só embelezam o trajeto como dão sombra. O ato de as cortar só vai deixar o terreno livre para espécies invasoras, facilitando incêndios", considera.

Também Júlio Ricardo corrobora esta opinião. Depois de alertadas as diversas entidades (incluindo o Instituto de Conservação da Natureza e Floresta - ICNF - e a Câmara de Rio Maior, entre outras), e perante o silêncio que soa a consentimento, o grupo avança agora para os tribunais, através de uma ação popular. "Esperamos que o Ministério Público avance com uma providência cautelar para impedir o abate das árvores", afirma ao DN Júlio Ricardo.

O abate das centenas de espécies insere-se numa ação iniciada pela Infraestruturas de Portugal (IP) em fevereiro deste ano, que abrange várias vias do distrito de Santarém, entre outros. A IP invoca a "melhoria da circulação", numa nota de esclarecimento enviada à agência Lusa, no início desta semana. Acrescenta ainda que "as atividades de poda e abate de árvores na EN114 foram precedidas do respetivo parecer técnico da especialidade para avaliação das necessidades de intervenção" e que "55% das árvores alvo de intervenção respeita a espécies invasoras, nomeadamente acácias e aliantos". Os cidadãos locais discordam, justificando que "nunca identificaram qualquer espécie dessas por ali".

Mas a IP insiste que "o abate e controle destas espécies reveste-se, atualmente, da maior importância, por constituírem um grave e crescente problema", nomeadamente pela obstrução de equipamentos de sinalização e segurança "e invadindo bermas e sistemas de drenagem", bem como pela invasão dos terrenos agrícolas confinantes com a via e por serem "fatores de perda de biodiversidade".

João Correia estima que, no espaço de 15 quilómetros, tenham sido cortadas cerca de 470 árvores - carvalhos, sobreiros, cedros, aciprestes, freixos e choupos. Entretanto, recentemente verificou que à beira da EN 114 começavam a aparecer "árvores marcadas", com o (mesmo) destino traçado.

O grupo de trabalho contituído no seio deste movimento em defesa do arvoredo não se conforma com esta "estratégia do quero, posso e mando" que identificam na IP. "Eu não tenho confiança numa entidade que resolve abater árvores porque sim, sem uma análise fitosanitária, sem qualquer consideração pela ligação afetiva da população às árvores, sem qualquer respeito pela população", acrescenta João Correia. "Há aqui árvores com mais de 100 anos, algumas delas carvalhos num perímetro de três metros. E esse é um dos critérios para que possam ser candidatas à classificação de interesse municipal".

Da parte da autarquia, presidida por Luís Filipe Santana Dias (eleito pela Coligação Juntos pelo Futuro - PPD/PSD - CDS/PP), não é conhecida qualquer intervenção pela manutenção do conjunto arbóreo. O assunto já foi abordado pelo vereador da oposição Miguel Paulo (PS), que de resto também se juntou ao movimento. Além do ICNF, o grupo denuciou também a situação ao SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente) e denunciou numa carta aberta o que considera ser "um crime ambiental".

A IP garante ainda que, como medida compensatória, está prevista a plantação de árvores em vários concelhos do distrito de Santarém. "Até pode plantar, mas nunca plantará árvores com 100 anos", contesta o movimento.

dnot@dn.pt

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