Ricardinho: "Penso retirar-me da seleção antes do Mundial"

O melhor jogador do mundo de futsal e capitão da seleção nacional falou ao DN à margem do lançamento de um novo livro sobre a sua vida
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Aos 32 anos, o melhor jogador do Mundo publica um livro com os olhos no passado e com conselhos que um dia gostava de ter lido. O interesse do Sporting, que agitou o futsal mundial, arrefeceu e o presente joga-se, por agora, no Inter Movistar em Espanha. O futuro também está já a ser pensado e anuncia que o fim da era Ricardinho na Seleção está cada vez mais perto.

Há uma expressão portuguesa que é repetidas muitas vezes: "A minha vida dava um livro". A do Ricardinho já deu dois, porquê?

Até deu três, mas sim, dois são sobre a minha vida. Se tu me perguntasses aos 14 anos quando eu comecei, se eu algum dia ia chegar a este patamar, não acreditaria. Sabia que era ambicioso, que queria muito, mas não sei se me achava na altura com as capacidades suficientes para chegar a este patamar. Se ia lançar um livro? Isso nem entrava nos meus planos. Este livro tem o objetivo de passar uma mensagem fantástica: "Se nos dedicarmos e trabalharmos, podemos chegar longe. Não sei se vamos ter muitos Ricardinhos, Messis, ou Ronaldos, mas com dedicação podes ser grande no futebol, no futsal, no desporto.

Há portanto um conjunto de conselhos que quer passar. Sentiu falta de exemplos destes?

Eu senti falta de tudo o que existe agora, sinceramente, até das redes sociais, embora ache que hoje se exagera nesse aspeto. Agora, se houvesse coisas como esta, de qualquer desportista, era um exemplo que me poderia ter ajudado de alguma forma. Quando lês um livro ou lês uma rubrica de alguém, é para sacar algo positivo. Eu senti isso na apresentação. Havia pessoas que compraram o livro e já me estavam a pedir conselhos, a perguntar o que é que eu fiz para me superar, se eu tive conselhos de alguém, isso também são para mim troféus.

Falava dos dos benefícios das redes sociais, mas também dos exageros. Hoje tem mais visibilidade, mas também se torna alvo de mais críticas...

Eu acho que esse é um dos pontos em que tens de ser mais forte mentalmente. Sou um dos atletas com mais seguidores nas redes sociais, mas nem tudo é bom. Antes, querias fazer uma crítica ou pensavas mal de alguém e ficava no teu pensamento. Hoje em dia, estás à distância de agarrares no telemóvel e publicares. Eu sou alvo disto tudo e tenho de perceber o que posso tirar de bom e de mau, o que esqueço e o que não leio. Se quando as coisas correm bem, eu leio porque não o vou fazer quando correm mal? Imagine o que é que eu passei e ouvi nestes últimos dois meses quando houve esta questão da proposta do Sporting...

Já lá vamos. Com a idade que tem, vai ter muito mais histórias e conquistas para um próximo livro?

Conquistas espero ter, não sei se vou conseguir. Somos 14, e depende do momento de cada um, se um novo jogador se adapta, se o que já está no clube está motivado, se a equipa continua com a mesma fome. O que eu queria, era perceber a parte mais difícil de todas: Não deixar que seja o desporto a abandonar-me, mas eu a abandonar o desporto. Isto é, que seja eu a decidir o momento de sair, de perceber que chegou ao fim e não andar-me à arrastar. Não quero terminar com as pessoas a terem pena de mim.

Continua a ter o mesmo prazer que tinha quando jogava no seu bairro?

O prazer é o mesmo, a ambição de conquistar e reconquistar é maior ainda, porque a responsabilidade é maior também. O que o lado profissional me tirou foi o prazer de jogar com os meus amigos, o poder jogar num bairro, tranquilo sem ter ninguém a gravar ou a criticar, mas tens de saber adaptar-te e perceber que a tua vida já não é a mesma. Tirou-me esse prazer, a essência de ter um amigo do bairro a dizer-me: "Estamos quatro e precisamos de um para jogar". Antigamente dizia simplesmente: "Vou". Hoje não o posso fazer.

Disse numa entrevista anterior que pensava retirar-se da seleção após o Mundial 2020. Foram palavras sentidas ou do momento?

Foi uma coisa pensada, aliás penso retirar-me até antes do Mundial. Para que veja que as coisas estão tão pensadas e amadurecidas, eu penso até retirar-me antes do Mundial. Isto pelo desgaste psicológico e desgaste físico. Nos últimos 11 anos eu conquistei dez campeonatos, entre dois anos no Japão, seis meses na Rússia e cinco anos em Espanha, mais os jogos da seleção em que fazes quase sempre os apuramentos fora. E depois há Mundiais, Europeus... Isto tudo junto resulta em muito desgaste. Ainda tenho vontade de representar a seleção, de conquistar títulos, e de seguir como capitão da seleção, óbvio.

Tem ainda um recorda de internacionalizações para bater...

Eu não quero bater. Aliás, já disse isso, quero que o Arnaldo - recordista com 208 internacionalizações pela seleção de futsal - continue a ser uma referência. Eu tenho pena que tenha passado o recorde de golos do Joel Queirós e do André Lima porque também eles são referências no futsal. Eu não quero que a seleção seja os recordes do Ricardinho, isso nunca foi o meu objetivo. O meu objetivo foi tentar ajudar os meus companheiros a conquistar um título. O João Benedito, o Gonçalo Alves e outros fizeram um trabalho e deixaram-nos um legado para que hoje tenhamos as condições que temos na seleção. Lembro-me de chegar à seleção e a diária ser x euros, de termos direito a uma camisola a cada sete jogos. E eles trabalharam tudo isso para que as coisas sejam diferentes. São tudo condições que temos à custa deles, mas hoje em dia como nós jogadores somos muito egoístas... Muitos destes que estão a chegar não sabem quem eles são e por vezes nem lhes interessa. Temos é de passar essa mensagem: valorizem o que têm.

Mas isso não é uma contradição? Ser o capitão, a pessoa que passa essa mensagem e ter a ideia de decretar um fim antecipado na seleção?

Eu vou explicar o porquê de pensar assim. Com 32 anos, eu tenho de pensar mais além. Nos últimos cinco anos no Inter não fiz menos de 52 jogos por época, e depois tenho as contradições entre o treinador do clube e o selecionador. O técnico do clube diz que eu jogo muitos minutos na seleção, e depois acabo por fazer tantos ou mais no Inter. Há desgaste. Felizmente tenho tido a sorte de não ter muitas lesões. Tive a questão da tíbia no Europeu 2018 (saiu lesionado na final com a Espanha) e agora uma micro rotura no final da época. Eu tenho de pensar no futuro. Se cada vez mais me custa recuperar, imagina aos 34, aos 35 com mais de cinquentas jogos por época. O meu desgaste psicológico é enorme com as viagens que faço, junta-se a isso a distância da família, o cansaço físico depois de cada jogo... Por isso eu penso: Serei eu capaz de ajudar a minha seleção? Serei eu capaz de superar esse cansaço para chegar ao Mundial e dar as mãos aos meus colegas para conseguirmos mais uma conquista? Eu estou a ser egoísta, mas tenho de pensar nisso. Eu já tive uma conversa com o selecionador sobre isso. Obviamente que a Federação Portuguesa de Futebol não quer que eu abandone, obviamente que o selecionador não quer que eu abandone, mas as decisões difíceis são aquelas em que tens de deixar algo. Porque pedir é fácil, o problema é quando tens de abdicar de algo.

E essa decisão é tomada quando?

Essa decisão é tomada quando vais à seleção e não te sentes capaz de, ou quando chegas ao final de uma temporada, fazes contas e percebes que para te manteres a este nível, tens de abdicar de alguma coisa. De que é que vou abdicar? Este ano deixei de jogar 12 jogos da Liga, e o que as pessoas olham é aos números e aos golos, sem os quererem perceber.

Mas essa é a gestão inteligente que, por exemplo, o Cristiano Ronaldo faz no Real Madrid para manter esse nível.

Sem dúvida, mas essa gestão inteligente é para quem percebe de futsal. Infelizmente dos milhões que falam deste desporto, apenas 5 por cento entendem. Mas para atacar...

Falávamos do peso das redes sociais e em abril passado foi o próprio Ricardinho que através de uma Instagram story despoletou várias reações sobre o futuro (possível contratação pelo Sporting). Arrepende-se?

As reações são normais, mas pode pôr-me um camião tir às costas que eu aguento. Já aguentei tanta coisa, não ia aguentar agora isto? Como diria Jorge Jesus: "São peanuts". Obviamente que se calhar, poderia ter feito de maneira diferente. Mas quem lhe diz que eu não o fiz para acordar pessoas que estavam adormecidas? Não estou a falar do Benfica, atenção, mas do próprio Inter porque às vezes entra-se num comodismo em que se dá tudo por garantido, como se estivéssemos todos felizes, e não se passasse nada. O que eu fiz foi mostrar que : "Eu estou bem, mas... Eu não pertenço a ninguém, pertenço ao futsal. Eu estou num clube, mato-me por ele. Por exemplo, toda a gente sabe que eu tenho um carinho especial pelo Benfica, mas, meu amigo, quando tu te vais casar, e ela diz não, então não há casamento. Os dois têm que dizer que sim e neste caso é igual. Vou dar um exemplo: Eu quero voltar ao Benfica, e o Benfica não tem condições para me dar, claro que não vou ficar sem jogar. Temos de entender todas as partes. Neste aspeto há as pessoas capazes, inteligentes e depois há os doentes pelos clubes que não entendem isso. Tens de ser forte, saber ouvir e "xau". Agora, se eu pudesse, talvez tivesse feito as coisas de outra maneira.

Mas porquê antes da fase do play-off do campeonato espanhol?

Porque era nesse momento que as coisas tinham de ser decididas. Eu já tinha tido uma reunião com o clube para falarmos da minha situação, e foram sempre empurrando com a barriga. Chegámos perto do final da época com cinco jogadores sem saberem do futuro. Não podes fazer isso quando tens uma equipa a disputar um campeonato. O que eu fiz foi olhar pela minha vida: Eu fiz a bem, não quiseram ver, então vou ter de fazer de outra maneira. Mas o clube soube primeiro do que eu do interesse do Sporting, por isso aí não foi apanhado de surpresa. Aliás o clube fez de conta por achar que era inacessível, até que perceberam que não.

Todos os anos recebe propostas, porque é que este ano foi diferente?

Eu recebi três propostas, mas só uma delas chegava ao valor da cláusula de rescisão (1,5 milhões de euros). O Sporting cumpria os requisitos a 100%, ao passo que a do Brasil cumpria 80% dos requisitos. Havia outra da Rússia, mas essa não queria pela má experiência que lá vivi. O Sporting tinha como aliciantes o facto de poder voltar a casa e estar mais próximo dos meus filhos, de ser um clube com uma excelente estrutura, a ambição que tem e mostra em ganhar a UEFA Futsal Cup, e eu identifico-me com projetos ganhadores. Eram valores que mexeram comigo, mas eu não decidi rejeitar o Sporting. Vou é ficar mais um tempo em Espanha.

E durante este mês de junho tem acompanhado o Mundial de futebol?

Tenho visto a nossa seleção, Deus queira que chegue à final e consiga vencer. Estamos a fazer um percurso à semelhança do Europeu 2016, meio estranho. Mas como já disse no outro dia, aquela canção é bem feita para nós: "Pouco importa, se jogamos bem ou mal". Estamos a ser eficazes, temos um Ronaldo num momento muito bom, o Quaresma apareceu agora, o Pepe tem feito um grande Mundial. Na minha opinião, podemos chegar longe já vimos que esta prova não está a ser fácil para ninguém.

À semelhança de Ronaldo, ostenta o título de melhor do Mundo. Como é que se gere a pressão de ter o mundo de olhos postos em cima?

Eu desfruto muito com isso. Quis chegar ser o melhor e quero ter essa preponderância. Eu quero ganhar sempre, marcar muitos golos. No dia em que deixar de querer mais, é porque não estou lá dentro a fazer nada. Metam a pressão, exijam de mim porque eu também exijo.

Um dia referiu que era admirador confesso do Ronaldo, mas que se identificava mais com a forma de jogar do Messi. Isso não foi muito bem aceite.

Eu nem posso falar disso. À conta disso perdi um amigo, perdi seguidores. Eu sou assim, sou genuíno. Se fosse para não dizer a verdade, era político, punha-me a falar bem que era para que vocês pusessem isso nas capas dos jornais. Falo o que eu sinto. O Ronaldo é um exemplo de superação, de trabalho, é uma bandeira para o nosso país e para o nosso desporto. A mim deixa-me orgulhoso porque é um português que consegue vencer fora de Portugal. Agora, se as pessoas me criticam porque eu me identifico mais com o Messi por ser canhoto, e pequenino como eu, se ficam tristes com isso, azar o deles.

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