A 12 de outubro de 1972, o então estudante José Ribeiro Santos, com 26 anos, foi alvejado por um agente da PIDE num encontro de alunos universitários contra a opressão do regime. Viria a morrer nesse dia, no hospital de Santa Maria. Um "dos acontecimentos marcantes" da vida de António Garcia Pereira, como assume ao DN o advogado, amigo de Ribeiro Santos, e ex-militante do PCTP-MRPP.."Foi um crime que saiu caro ao regime. Depois da morte de Ribeiro Santos [numa quinta-feira], a sexta-feira ficou marcada por uma Lisboa a virar-se do avesso, com as pessoas a aderir aos protestos", conta, fazendo depois um relato do fatídico dia: "Quando se faz a reunião, é visto um indivíduo no anfiteatro do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras [atual Instituto Superior de Economia e Gestão, ISEG] a tomar notas sobre quem falava e depressa se percebeu, através dos alunos, que era um "bufo" da PIDE. A certa altura, entram dois agentes no local e, depois de manietado o primeiro, o segundo dispara a arma - que já vinha carregada - e atinge Ribeiro Santos no peito e o José Lamego [antigo deputado do PS] numa perna, que fraqueja mas sobrevive.".Para Garcia Pereira, a imagem que fica do estudante de Direto é a "de um jovem franzino, com um sentido de humor letal, mas muito simpático e que se destacava pelo poder argumentativo, sempre sem ofender ninguém mas muito firme e pedagógico". Não sendo contemporânea de ambos, a investigadora Paula Godinho - uma das organizadoras do congresso internacional "Resistência juvenil, ditaduras e políticas de memória" -, tem a mesma impressão, retirada de intervenções feitas na conferência, que aconteceu na passada segunda e terça-feira, na Torre do Tombo.."O que fica destas sessões, com intervenções de pessoas próximas de Ribeiro Santos, como João Soares [ex-ministro, transportou a urna de Ribeiro Santos], é uma grande emoção. Sabemos agora que era pequeno, não tendo mais de 1,60 metros, com um grande vozeirão e quando se queria fazer ouvir colocava-se em cima de uma cadeira. Era galvanizador e tinha uma grande coragem. Fica o retrato de um homem pequeno mas corajoso", descreve a docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova..Por ocasião dos 50 anos da morte, está ainda prevista uma sessão evocativa no ISEG, que acontece entre as 15.30 e as 16.00 desta quarta-feira, onde Garcia Pereira irá intervir, tal como José Lamego..Também Fernando Rosas, professor e historiador, desempenhou um papel na luta democrática durante o regime do Estado Novo. Tanto é que, quando Ribeiro Santos morreu, estava "preso pela segunda vez, no Forte de Peniche, a cumprir pena política". Por isso, a visão do historiador "é de uma certa distância", mas reconhece o papel que a luta dos estudantes teve na "rutura democrática" que aconteceu aquando do 25 de Abril. "O assassinato de Ribeiro Santos acabou por radicalizar e muito a luta estudantil de então, que passou a colocar a questão colonial no centro da discussão e era algo que não acontecia", explica. "Na prisão, em Peniche, todos os presos se solidarizaram com a causa, mesmo só sabendo da morte de Ribeiro Santos dois ou três dias depois. Fizeram o luto nas celas e abordaram o assunto lá dentro". .Mas o impacto do assassinato vai além da luta estudantil, segundo Fernando Rosas. "Esta radicalização da esquerda tradicional aconteceu também através da cultura e até da própria imprensa, com vários jovens jornalistas a aparecerem vindos destas universidades. O nosso antifascismo de então era muito pouco anticolonialista, e isso mudou com influências do maio de 1968 e das lutas estudantis de 1969, mas também pelo papel que a geração de Ribeiro Santos acabou por ter nesta projeção dos ideais de esquerda", explica o historiador.."Os testemunhos na conferência acabaram por ser verdadeiramente enriquecedores, sobretudo por ouvir pessoas que conviveram com Ribeiro Santos. É a ação estudantil e da esquerda mais católica que acaba por fazer com que haja uma rutura com o Estado Novo e a implementação da democracia", conclui..rui.godinho@dn.pt