Ribau Esteves: Montenegro "representa o pior que o PSD tem"
José Ribau Esteves, 55 anos, presidente da Câmara Municipal de Aveiro, vice-presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), ex-secretário-geral do PSD, no tempo da (curta) liderança de Luís Filipe Menezes. Há semanas admitiu poder ser candidato à liderança do partido, na sucessão de Rui Rio, mas recuou, por falta de apoios. Nesta entrevista, critica duramente Luís Montenegro, um dos candidatos à sucessão. Quanto a Jorge Moreira da Silva, até o poderá apoiar - há uma conversa em falta entre os dois. Outro alvo das suas críticas é o presidente da Câmara Municipal do Porto, o independente Rui Moreira, que ameaçou romper com a ANMP por causa do processo em curso de desconcentração de poderes.
Pelo terceiro ano consecutivo, a ANMP deu parece negativo ao Orçamento do Estado e à transferência de competências sem o devido envelope financeiro. Está aberta uma guerra, ou se quiser um braço de ferro, entre as autarquias e o Governo?
Obviamente, não se trata de uma guerra, trata-se de um trabalho político muito sério, muito sustentado, em primeiro lugar, numa aposta em servirmos bem os cidadãos, numa aposta em termos o Estado bem governado, e em pôr as contas em ordem no que respeita à relação dos municípios portugueses com o Governo do país que governa a nação. É isto que está em causa, apenas há aqui um enfoque diferente, estamos todos a começar um mandato, a ANMP tem uma presidência nova, o Governo é muito parecido com o anterior, mas ele próprio está com uma renovada vida assente numa maioria parlamentar de um só partido e, portanto, há um momento de redesenhar o caderno de encargos da ANMP na relação com o Governo, e de a apresentar. Obviamente, o primeiro momento é a lei do OE, é aquilo que determinou a queda do Governo, e o caderno de encargos da ANMP, naquilo que está emitido no nosso parecer desfavorável aprovado no Conselho Diretivo e no Conselho Geral, é muito parecido com aquilo que está no parecer do OE da primeira vida.
Citaçãocitacao"Rui Moreira não sabe o que é a ANMP, nunca participou numa reunião, não vai aos congressos e não participou nos conselhos gerais."
Onde é que está aqui a colisão entre a visão dos municípios - de uma realidade mais local e mais próxima das pessoas -, e visão do Governo, tendo em conta as críticas de que tem sido alvo?
Vamos localizar-nos naquilo que é mais importante: em 2020, tivemos a pandemia e os municípios foram chamados a custos extraordinários, substituindo muitas vezes o Governo do país e, nomeadamente, o Ministério da Saúde. Os municípios portugueses tiveram uma despesa covid superior a 200 milhões de euros e acordaram com o Governo que este iria transferir essa verba para os municípios. O Governo transferiu 55 milhões dessa verba e faltam transferir 156 milhões dessa verba. E o Governo tem ainda em dívida uma verba de 104 milhões de euros, por erros de cálculo do Fundo Social Municipal, um dos fundos do OE que é transferido para os municípios. Somando os dois valores, temos uma dívida do Governo de 260 milhões de euros. E, além desta realidade de ser uma dívida de montante relevante, em 2022 vamos receber menos dinheiro que o normal. Isto porque as transferências do OE para os municípios são calculadas com base na receita fiscal de dois anos antes - neste caso, de 2020 -, e em 2020 a receita fiscal do país caiu abruptamente, por força da pandemia. Contas finais, o pagamento dessa dívida é fundamental para que os municípios tenham uma verba idêntica à que tiveram em 2021, e não tenham uma redução de capacidade financeira. A questão do IVA, que é muito importante nesta luta e que não é nova, a redução do IVA para 6 por cento - e está na taxa máxima, 23 por cento -, para as refeições escolares, que poderia ser uma competência do Estado central mas é das câmaras, na esmagadora maioria das situações. O IVA da iluminação pública também o pagamos a 23 por cento, mas já o pagámos a 6 por cento. A defesa que fazemos há muitos anos é de que temos de vir para a taxa mínima, mas reparem no absurdo: faz algum sentido que esta taxa de IVA, que já devia ser a mínima, numa altura em que os custos das refeições estão a subir drasticamente, que o custo da energia e dos combustíveis está a subir drasticamente, faz algum sentido que o Governo arrecade muito mais dinheiro? Isto não faz qualquer sentido e, portanto, é uma reiterada luta da ANMP neste OE, embora seja repetida de outros anteriores. São exemplos muito claros daquilo em que é preciso pôr as contas em dia e em ordem, para garantir a tal capacidade dos municípios serem boa parte do bom serviço público aos cidadãos.
Concorda com Rui Moreira, que disse que a ANMP está dominada pelo PS e ao serviço do PS?
Sou vice-presidente da ANMP há vários anos e sou dirigente da ANMP há muitos anos. Só pode dizer isso uma pessoa como o colega Rui Moreira, que não sabe o que é a ANMP, que nunca participou numa reunião, que não vai aos congressos, e que não participou nos conselhos gerais. Portanto, é quem não sabe nada disto que pode dizer coisas dessas. A ANMP é uma associação plural, procura conciliar posições políticas a partir de um espetro político tão diverso como o que temos na liderança das câmaras municipais em Portugal. E temos tido sempre autarcas do PS, do PSD e do PCP e, portanto, há uma capacidade de construir posições políticas com base num espetro que é diverso. Tem havido essa capacidade e essa lógica de subjugação é uma falácia, é falsa, absolutamente falsa. Posso garantir que a construção das posições da ANMP tem um nível de isenção muito elevado, a consensualização de posições é clara. Vejam este parecer negativo ao OE, é aprovado por unanimidade e não houve nenhum esforço. Quem falar em subjugação, está objetivamente a faltar à verdade. É minha profunda convicção que temos agora um Governo liberto das dependências negociais com o BE e com o PCP e, obviamente, há uma expectativa muito mais alta em relação ao atual Governo do que em relação ao anterior.
O Porto ameaça sair da ANMP, houve outras autarquias que também disseram estar a pensar nisso, essa decisão pode abalar a coesão da ANMP e a sua capacidade negocial face ao Governo?
Vamos ser claros: obviamente que numa associação que tem 308 membros, a saída de um membro é negativa, claro, muito negativa.
Não é só um membro, é a segunda maior câmara do país.
Seja a segunda maior, seja a primeira, seja a mais pequena, a saída de um membro de uma associação com 308 membros, é uma coisa negativa. Mas a manutenção de 307 de 308 membros é muito positivo. Agora, é bom termos esta consciência de que a atitude do presidente Rui Moreira, é uma atitude que está desfocada do centro, porque o problema da descentralização não tem sido a luta da ANMP. O problema da descentralização naquilo que está errado, as áreas que ainda não funcionaram e que se fala muito pouco delas, por exemplo, áreas portuárias, estradas nacionais, habitação e justiça, zero. Ainda há zeros na descentralização, a verdade é que devemos ter um foco naquela que é a entidade responsável por estas disfunções, que é o Governo, e, portanto, o presidente Rui Moreira, às tantas tem de tirar o Porto de Portugal, porque é o Governo do país que é responsável pelos problemas que estão por resolver na descentralização, não é a ANMP. A ANMP tem lutado bastante, fê-lo no mandato anterior, está a fazê-lo neste, apenas temos agora uma expectativa elevada de virmos a ter ganhos de causa, repito, também porque o atual Governo assenta numa maioria parlamentar de um só partido.
Citaçãocitacao"Se nenhum de nós executar as competências, vamos continuar a ter um país centralista, se executarmos as competências vamos ter um país menos centralista, embora saibamos que não fica tudo resolvido."
Considera que a descentralização está a ser feita por decreto, apenas para o Governo se libertar de responsabilidades e de uma forma genericamente apressada?
Não, o que há na descentralização são dois tipos de desequilíbrios: naquelas competências que estão já a ser executadas por muitos municípios, em regra há uma leitura muito positiva sobre a substância da execução, na Cultura, na Educação, no estacionamento público, em várias áreas. Nalgumas delas, e algumas têm uma expressão financeira muito grande, como é o caso da principal que é a educação, há disfunções financeiras. Por exemplo, Aveiro recebe sete milhões de euros por ano e estamos a investir nove milhões de euros, desses nove milhões, há meio milhão que é opção política da câmara, mas um milhão e meio é disfunção. E a maior parte dessa disfunção nasce, por exemplo, das refeições escolares, porque o Estado paga-nos 1,4 euros por refeição e nós por força de um concurso público, estamos a pagar 2,1, ou seja, 50 por cento mais. A lei define mecanismos para corrigir isso, o Governo tem de acionar esses mecanismos para nos compensar dessa verba que falta, portanto, são disfunções dessa natureza. Depois, temos municípios que ainda não começaram a executar, como por exemplo, o Porto, e isso é um contributo para o centralismo. Se queremos combater um país centralista temos de nos arriscar a executar as competências e temos de pressionar o Governo para cumprir a lei.
Rui Moreira é, no seu entender, um aliado objetivo do centralismo?
Não vale a pena reduzirmos isto a frases muito curtas. Aquilo que estou a dizer é que o contributo que nós autarcas temos para dar para que o país seja menos centralista, para que caminhemos no caminho da descentralização, é executar o atual pacote de descentralização. Se nenhum de nós executar as competências, vamos continuar a ter um país centralista, se executarmos as competências vamos ter um país menos centralista, embora saibamos que não fica tudo resolvido.
O que está a dizer é que os municípios têm de executar as competências que lhes foram dadas. Mas ao mesmo tempo, está a dizer-nos que não têm dinheiro para executar essas competências. Como é que se conjuga a necessidade de tomar para as autarquias as competências, sem que depois a verba as possa subsidia?
Tem de haver nestes processos um mecanismo de confiança. Dou-lhe o exemplo da cultura, em Aveiro, a descentralização que temos na cultura funciona 100 por cento bem. É preciso corrigir alguma coisa? Não. Na educação temos o tal desequilíbrio que falava há pouco e a lei define que o Governo tem de corrigir este desequilíbrio financeiro fazendo uma transferência compensatória, está na lei. A atual proposta de lei do OE também esse mecanismo, está lá definido. O que é que faltou até agora e que agora se exige ao Governo que cumpra? Faltou que o Governo acionasse esse mecanismo legal e fizesse essas transferências. Posso dizer isto em Aveiro porque estou no segundo ano letivo de executar a transferência de competências da educação e não me passa pela cabeça que o Governo não seja honrado e cumpra a sua função. Mas fazendo a descentralização estou a dar um contributo para ela. Um colega que está com medo, que não se arrisca a dar o passo, que não sabe qual é o seu desequilíbrio por execução, não por previsão, obviamente que não está a dar um contributo para que a descentralização aconteça e para que Portugal resolva uma das suas mais inacreditáveis patologias, que é a de ser o país mais centralista da Europa.
Citaçãocitacao"Será uma boa maneira de comemorarmos os 50 anos do 25 de Abril se instituirmos nesse ano as regiões político-administrativas do continente."
Que competências é que Aveiro rejeitou ou que acha que não deve assumir?
O exemplo principal é a Saúde. O diploma da Saúde não tem pés nem cabeça. Só há uma solução boa para o diploma da saúde: rasgá-lo. É um absurdo, as competências não têm pés nem cabeça, o Ministério da Saúde não sabe nada, se perguntamos quanto é que um edifício gasta em água ou qual o seu estado físico, não sabem nada, é um desastre completo aquilo que é a gestão do Ministério da Saúde no que respeita a sabermos objetivamente com dados técnicos e financeiros qual é o estado da arte, é chocante. Portanto, é preciso um ponto de ordem à Saúde com urgência e já chega da desculpa da covid.
Como é que se coloca perante o problema da regionalização? O Governo promete em 2024 fazer um referendo, o referendo que é imperativo pela Constituição. Votaria sim, não, dependeria do mapa, dependeria das competências?
Defendo que a comemoração dos 50 anos do 25 de Abril se faça, em primeira instância, com uma boa discussão nacional sobre o Portugal dos próximos 50 anos. Este Portugal precisa de uma volta profunda, precisa de uma reforma do seu Estado, e o pretexto da regionalização do continente é um pretexto muito interessante para olharmos para outras componentes de organização do Estado e pormo-las em causa. Já aprendemos muitas coisas na nossa democracia, já não é nova, são 48 anos, e este é um tempo muito interessante para olharmos para esta matéria. Está provado que sem regiões no continente não é possível resolver problemas graves de disfunção da gestão do Estado, não é possível resolver problemas de centralismo. A analogia que se faz com a devida distância, com a devida diferença, aos Açores e à Madeira, é uma analogia muito importante. Quem gere hospitais, quem gere a Educação, é o governo regional, não é o Governo da república, portanto, regionalizar é fundamental. Mas regionalizar não é pôr regiões em cima do que nós temos, há direções-gerais que podem e devem acabar, o número de deputados na Assembleia da República, porque é que é 230, porque é que não é 180? Portanto, há nessa abordagem de somar o patamar da regionalização no continente do país, há também ao mesmo tempo, a diminuição de despesa do Estado por perda de entidades públicas, nomeadamente de direções-gerais, mas olhar um pouco a tudo, para que a democracia dos próximos 50 anos seja mais competente, mais representativa dos cidadãos, e no poder de decidir que se aproxime, de facto, da realidade do país. Não vamos conseguir combater as problemáticas da interioridade, da dicotomia litoral/interior, se não tivermos regionalização no continente, não é possível. Aliás, não o foi em 48 anos, não acredito que sem esse instrumento seja possível resolver esse tipo de problema. Voto sim, mas é sim com uma discussão bem feita, defendo que o Governo contrate um consórcio de universidades portuguesas para fazer um estudo que sistematize tantos outros estudos que estão feitos. Será uma boa maneira de comemorarmos os 50 anos do 25 de Abril se instituirmos nesse ano as regiões político-administrativas do continente.
Citaçãocitacao"O partido [PSD] tem duas doenças graves: tem a doença de um aparelho que se controla a si próprio para tentar manter poderes. A outra doença é a do desinteresse e desmobilização. No caminho que segue, o partido está a cavar a sua irrelevância."
Vamos falar do PSD. Recorde aos nossos ouvintes e leitores porque decidiu não se candidatar quando tinha anunciado que ponderava fazê-lo? O que o levou a tomar essa decisão?
Sumariamente, tinha um projeto de profunda mudança no PSD, de profunda reforma no PSD, porque não acredito num PSD com futuro se não fizer essa profunda mudança e reforma interna. Tive muita adesão a essa ideia, mas tive muito pouca adesão naquilo que foram pessoas a dizer que podia contar com elas para virem comigo para o terreno fazer esse trabalho de luta. O partido tem duas doenças graves: tem a doença de um aparelho que se controla a si próprio para tentar manter poderes, muitas vezes poderes pouco relevantes de ser presidente de uma concelhia ou de uma distrital, e a outra doença é a do desinteresse e desmobilização. Portanto, foi essa a nota sumária da minha auscultação do partido ao país e, com muita pena minha, entendi não ter condições para dar esse passo. Mas no caminho que segue, o partido está a cavar a sua irrelevância.
Podemos resumir isso numa frase: tinha boas ideias, mas não tinha tropas?
Não tive a quantidade de gente suficiente para vir para um grupo de trabalho lutar por esse mecanismo. Não ia para eleições para ter 20 por cento ou 30 por cento para ficar bem colocado para as próximas, isso não me interessa nada, o exercício é ganhar ou não ganhar. E o que verifiquei é que não havia gente suficiente para lutar para ganhar, não gosto de vitórias prévias, sou um homem de lutas, mas é preciso condições mínimas para lutar para ganhar e entendi que elas não estavam reunidas.
Citaçãocitacao"Luís Montenegro não apoio porque representa o pior que o partido tem em termos deste aparelho que procura perpetuar-se no poder, de pessoas que já deviam ter dado espaço a outros em termos de protagonismo."
Quem é que vai apoiar nesta disputa?
De certeza absoluta que não apoio Luís Montenegro, estou para ter uma conversa com Jorge Moreira da Silva para decidir se o apoio ou não. Portanto, Luís Montenegro não apoio porque representa o pior que o partido tem em termos deste aparelho que procura perpetuar-se no poder, de pessoas que já deviam ter dado espaço a outros em termos de protagonismo. De facto, é preciso uma mudança profunda no PSD e conheço bem Luís Montenegro, e não vejo que tenha a menor condição e nem sequer vontade de fazer essa mudança. E a tal partilha que ele tem com esses gestores dessa máquina, no pior sentido do termo, da vida do PSD, o Luís não tem espaço nenhum para ser o líder dessa mudança e dessa reforma profunda.
Já lhe disse isso ou está a dizer-lhe através da TSF e do DN?
Falo com o Luís há muito tempo, depois deixou de falar comigo quando foi líder parlamentar, nunca tive hipótese de ter uma audiência com ele como presidente de câmara, foi um homem que seguiu um caminho diferente. Eu era presidente da distrital quando o Luís Montenegro foi deputado pela primeira vez, com muito gosto, um homem de grande qualidade parlamentar, mas de facto seguiu outros caminhos e ligou-se a outras pessoas que não interessam ao PSD. Afastámo-nos politicamente e ele segue o seu caminho e eu sigo o meu, de diferença. Se for o próximo líder do partido, eu enquanto militante, cá estarei para ajudar o líder do partido, mas lutando pelo partido em que acredito: um partido que reforme profundamente a sua máquina, um partido que se abra à sociedade civil, um partido que reforme profundamente os seus estatutos, um partido que tenha a coragem de trazer os seus simpatizantes para a vida interna e, obviamente, é neste quadro que estarei a militar, mas sempre com toda a solidariedade com o líder do PSD, ajudando o melhor que possa, seja Luís Montenegro ou Jorge Moreira da Silva.
Qual será a herança que fica da liderança de Rui Rio?
Rui Rio conseguiu dar credibilidade ao PSD naquilo que respeita a ter uma atitude coerente na sua prática política. Isto é reconhecido a Rui Rio, seja na sua gestão da vida interna do partido, seja nas muitas eleições que disputou. Mas também ele queria ter uma reforma profunda no partido e não a conseguiu ou tentou fazer. Embora a justificação dele seja razoável, porque andou sempre metido em eleições nacionais de várias naturezas e teve também guerras internas permanentes. Eu que não apoiei Rui Rio na sua primeira candidatura, entendi que a guerra interna absurda que lhe foi feita, nomeadamente por Luís Montenegro - outra razão pela qual não o posso apoiar -, a guerra terrorista que ele fez. Aliás, ele recentemente fez uma declaração, não sei se à TSF, a arrepender-se, o que é uma coisa inacreditável que até chorei a rir com aquela declaração. Mas a verdade é que Rui Rio teve uma vida muito difícil. E depois houve aquela loucura completa que foi, depois de estar claro e formalmente definido que íamos ter eleições legislativas, o PSD meter-se numa guerra interna, numa eleição direta e num congresso. Foi um disparate completo.
Mas isso não foi propriamente culpa de Rui Rio.
Claro, mas o partido é só um. O que estou a dizer é que Rui Rio também foi vítima das guerras internas, essa eleição foi provocada por uma guerra interna que depois mudou de protagonista, embora a base fosse exatamente a mesma. Foi Paulo Rangel que assumiu a candidatura, mas a base era a mesma, Luís Montenegro não foi mas apoiou Paulo Rangel. Ficam estas marcas de um presidente que se dedicou ao partido, que na leitura externa lhe deu credibilidade, mas que na leitura da vida interna não conseguiu fazer a reforma e dar-lhe a paz. E sabem que em qualquer família, empresa, escola, se não houver paz, não há trabalho consequente, nomeadamente quando as tarefas são muito difíceis. Essa paz é muito importante para a vida do PSD e Rui Rio não a teve.
Citaçãocitacao"Somos democratas de um país e de uma democracia de Portugal e se o Chega é um partido desta democracia é tão respeitável como o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda ou qualquer um dos outros."
Notoriamente, o voto útil funcionou à esquerda, houve concentração de votos no PS, e não funcionou à direita, não houve concentração de votos no PSD. O que é que falhou?
Disse sempre durante a campanha que iria ganhar a eleição quem gerisse bem o voto útil, embora tenha havido a surpresa do PS ganhar com maioria absoluta. Mas isto é muito fácil, o PS jogou muito bem a vitimização, o ter sido vítima do chumbo do Orçamento do Estado. Ainda hoje ninguém consegue dizer em duas ou três frases curtas porque é que o PCP e o Bloco chumbaram o OE2022, ninguém consegue. E isto é muito importante para os cidadãos, o PS vitimizou-se bem e conseguiu um ónus forte sobre o PCP e o BE. À direita, o PSD não conseguiu fazer o mesmo a dois fenómenos que estão em desenvolvimento à sua direita e, de facto, a Iniciativa Liberal e o Chega são duas forças novas do espetro político português, em forte crescimento, com uma mensagem política diferente, com líderes que se têm assumido com um poder de comunicação muito bom, e transformaram-se na terceira e quarta força. O que o PS consegue fazer à esquerda, o PSD não conseguiu fazer à direita e isto é muito importante para explicar os resultados eleitorais.
Falando do Chega: Jorge Moreira da Silva já disse que defende que o PSD deve isolar completamente o Chega, para que isso não potencie o voto útil à esquerda como aconteceu. Concorda?
Discordo completamente. Somos democratas de um país e de uma democracia de Portugal e se o Chega é um partido desta democracia, é tão respeitável como o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda ou qualquer um dos outros.
Citaçãocitacao"Não me venham cá com coisas de que a extrema-direita é uma coisa má e perigosa e a extrema-esquerda é uma coisa simpática e fofinha."
Adolf Hitler também foi eleito.
A democracia está cheia de problemas na sua história, onde houver homens há defeitos. Alguém que arranje um modelo melhor que a democracia e mudamos imediatamente, tem é de ser melhor. A questão é esta: o Chega é um partido democrático deste país e, portanto, o PSD tem de falar com toda a gente. Ou vamos passar um atestado de menoridade ao presidente José Manuel Bolieiro nos Açores por ter relações com o Chega? Porque tem um governo que também depende do Chega? Discordo disso. O PSD não vai reconquistar muitos dos seus votantes que votaram no Chega com esse discurso, não é por aí. Temos de ter um discurso político acutilante, claro, cristalino, que traga aquelas pessoas que são contra, porque neste momento, o Chega, é o único partido político em Portugal que consegue liderar aquela atitude política de muitos cidadãos de serem contra, de quererem ter um partido de protesto. O Bloco de Esquerda e o PCP alienaram essa capacidade com a sua presença na geringonça e vão ter a maior dificuldade em recuperá-la. Poderão até recuperá-la, mas levará muito tempo e não acredito, se o PCP continuar a investir em pessoas que não dizem nada de novo, mas a verdade é que não é desprezando o Chega - e o PSD não está apenas a desprezar um partido, está a desprezar milhares de portugueses que votam no Chega -, que vai conseguir combater o fenómeno Chega. O Chega existe, o PSD tem de falar com o Chega, tem de lutar contra ele, e tem de ter capacidade de argumentação política para conquistar ou reconquistar os eleitores que eram nossos e foram votar no Chega. Não tenho nenhum preconceito sobre isto porque, para mim, entre extrema-esquerda e extrema-direita, em termos de virtude, a diferença é absolutamente nula. Aquilo de tão mau que fez a extrema-direita ao país e ao mundo, fez a extrema-esquerda ao país e ao mundo. Tivemos o 25 de novembro, que nos livrou de uma ditadura comunista porque era aquilo que se estava a preparar em Portugal. Portanto, não me venham cá com coisas de que a extrema-direita é uma coisa má e perigosa e a extrema-esquerda é uma coisa simpática e fofinha. Para mim, em termos políticos, são extremos que são democráticos, e daí o respeito e o diálogo com toda a gente, mas diferenças políticas muito marcadas é no espetro central.
Como é que o PSD pode aspirar a liderar de novo uma maioria?
É fundamental que o PSD vá buscar a sua força onde a tem. A força do PSD está no território, está nos seus autarcas, está nos governantes dos governos regionais da Madeira e dos Açores. É preciso pôr os seus deputados a trabalhar no terreno e não estarem no quentinho da Assembleia da República, é aí que está o PSD, é aí que não está a Iniciativa Liberal e o Chega. O PSD alienou este potencial político brutal há muitos anos. Quantas vezes fui chamado pelo presidente do partido ou por algum dirigente para opinar sobre alguma matéria, para tratar de matérias objetivas, quem é que em Portugal conhece o território, conhece os cidadãos, quem é que ganha eleições? Se continuar a fazer mais do mesmo, a gerir o aparelho, a pôr pessoas que não dizem nada a ninguém a fazer programas de governo sozinhos ou a fazer de conta que fazem reuniões com muita gente a ouvir e não estão a ouvir ninguém, se continuarmos a cuidar de escolher candidatos a deputados porque são quem apoia o presidente da distrital, se não voltarmos a pôr a meritocracia na vida do PSD, pois não iremos lá.