Reunificação. Alemães de leste continuam a sentir-se cidadãos de segunda
A chanceler alemã disse no sábado que o país tinha feito progressos significativos desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, mas que as diferenças sociais e económicas entre os estados ainda precisavam ser eliminadas. Angela Merkel apelou à criação de condições de vida iguais em todo o território, "entre o campo e a cidade, bem como entre o norte e o sul, o leste e o oeste".
Se destacou o "grande sucesso" da reunificação, Merkel também reconheceu que o "muito que ainda há a fazer" tem caráter de urgência, em especial na antiga RDA. Em 1990, quando ocorreu a reunificação, o peso económico da Alemanha Oriental equivalia a 43% do resto do território federal. Agora equivale a 75%, disse Merkel no seu podcast semanal a propósito do Dia da Unidade, que se comemora nesta quinta-feira.
Filha de um pastor luterano, a chanceler cresceu em terras comunistas e após a queda do Muro de Berlim, a 9 de novembro de 1989, a jovem investigadora em Química entrou na política e teve uma ascensão meteórica.
Quase 30 anos volvidos, Merkel aproveitou para homenagear o povo da então RDA que, naquele tempo, "mostrou muita coragem" para "fazer a unidade alemã uma realidade". Uma "ação corajosa" que também estendeu ao governo de Helmut Kohl. E afirmou que essa audácia é necessária outra vez nos dias de hoje.
"Temos de tornar possível que todos os cidadãos da República Federal da Alemanha contribuam com a sua experiência, os seus conhecimentos e a sua história de vida para que possamos moldar juntos o nosso futuro", acrescentou Merkel.
Na sequência da Segunda Guerra Mundial, e da entrada das tropas soviéticas e aliadas, a Alemanha foi dividida em duas, com a particularidade de Berlim ocidental se tornar um enclave da Alemanha de leste. A construção do Muro de Berlim e a separação do restante território entre a esfera ocidental e a esfera da União Soviética deixou os alemães apartados uns dos outros e os de leste sob uma ditadura cuja falta de desenvolvimento económico - além da supressão de liberdades - ficou à vista quando da queda da Cortina de Ferro.
No entanto, e apesar das políticas de investimento público para acabar com o fosso entre leste e oeste, a maioria dos alemães do antigo leste comunista - os ossis - sentem-se cidadãos de segunda classe, conclui um relatório do governo.
O relatório anual sobre o estado da unidade da Alemanha citou um inquérito recente realizado para o governo, que revelou que 57% dos alemães orientais se sentiam cidadãos de segunda classe. Além disso, apenas 38% dos inquiridos no leste veem a reunificação como um sucesso, dos quais apenas 20% das pessoas com menos de 40 anos.
"Numerosos indicadores mostram que fizemos muitos progressos na convergência das condições de vida entre o leste e o oeste desde 1990", disse Christian Hirte, comissário do governo para o leste.
A taxa de emprego está em alta no leste alemão e os salários correspondem a 84% dos salários praticados no oeste.
O comissário do governo diz que o processo de convergência é um trabalho em curso, e deu como exemplos negativos o facto de nenhuma das grandes empresas ter mudado a sede para a região e o despovoamento do território, cujo saldo é negativo face a 1989 e que viu sair dois milhões de pessoas, em especial jovens e mulheres, em 30 anos.
À beira de um ano de celebrações para assinalar a queda do Muro e a reunificação, as conclusões do relatório ajudam a explicar um aumento do apoio à extrema-direita entre os eleitores de leste. "Esta insatisfação é expressa nos resultados das eleições no leste e no oeste nos últimos anos, que mostram diferenças significativas", lê-se no relatório.
Os eleitores do leste alemão, mais do que no resto do país, não sentem ligação particular aos partidos tradicionais. Os ex-comunistas de A Esquerda e a extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) reúnem cada vez mais votos.
Há um profundo ressentimento no que respeita à política de braços abertos de Angela Merkel aos migrantes e refugiados. De tal forma que, apesar de ter sido impelida a corrigir as famosas declarações durante o auge da crise dos refugiados, a CDU foi perdendo eleitorado para os partidos extremistas.
A AfD ficou em segundo lugar nas eleições regionais quer da Saxónia (27%) quer de Brandemburgo (23%) no início de setembro. Na Turíngia, que vai a votos no dia 27, as sondagens mostram A Esquerda com 28,5% de intenções de voto, seguida da AfD, com 24,5%, e só depois a CDU com 22,5%.
A ascensão da extrema-direita no leste do país é um fator de preocupação acrescido para as autoridades. No ano passado, o homicídio de um alemão por parte de um sírio em Chemnitz, na Saxónia, foi o álibi para ataques a estrangeiros e tumultos. Nesta semana começou em Dresden o julgamento de oito suspeitos de formar uma organização terrorista de extrema-direita, Revolution Chemnitz, que teria planeado um ataque para o Dia da Unidade no ano passado, em Berlim.
O comissário Hirte disse que não pode haver lugar a atitudes xenófobas, enquanto os grupos industriais advertiram que a turbulência social e política prejudica as perspetivas de investimento na região.
A comemoração da reunificação acontece neste ano em Kiel, cidade do estado mais a norte do país, Schleswig Holstein, e conta com as mais altas figuras do Estado.
Na véspera, o governo de coligação deu um sinal das dificuldades de união num tema essencial, as medidas de corte das emissões de carbono. As divergências entre vários ministérios podem tornar impossível a aprovação do pacote legislativo até ao final do ano e minar ainda mais a solidez de uma coligação enfraquecida pelas perdas nas eleições regionais e pelas lutas internas.
As medidas devem incluir o aumento dos impostos sobre os automóveis e o tráfego aéreo, bem como o aumento das portagens para camiões a partir de 2023. Os ministérios também estão em desacordo quanto ao volume de CO2 que cada uma dessas medidas reduzirá na Alemanha.
Ainda assim, quase três quartos dos alemães esperam que o governo de coligação dure até ao final da legislatura, em 2021, e desejam que Angela Merkel permaneça chanceler. A sondagem publicada pela ZDF mostrou que 72% dos interrogados acreditam que a coligação vai durar até 2021, contra 60% em junho. A sondagem mostra que apenas 19% das pessoas acreditam que a nova líder da CDU, Annegret Kramp-Karrenbauer, vai liderar o partido com sucesso.