Resultado de Johnson anuncia Trump 2020. Europa = França
Os ingleses não optaram ontem apenas pelo Brexit. Deram de novo um enorme sinal de que o nacionalismo é o tema do nosso tempo. Não interessa a pequena política dos detalhes e das medidas. A alma das nações, erigida ao longo de tantos séculos e de tantas guerras com os vizinhos, não se altera em meio século. A "Europa" começou por ser uma utopia das elites. Quantas mais gerações passam (e nos afastam das Grandes Guerras), mais regressa essa alma nacional, um pouco por todo o lado, sobretudo nos países que pagam para que exista a tal "Europa" da solidariedade.
Quanto tempo aguentamos mais a utopia da paz e da união entre os povos? Ontem caiu mais um país que é apenas a mais velha democracia do planeta.
É bom dizer-se que, aqui chegados, já nem a Europa queria os ingleses sob permanente pressão da opinião pública interna, nem os ingleses conseguiriam disfarçar o que sempre foram: outsiders. Tragédia consumada, daqui para a frente é mais fácil. Os negócios resolvem-se, mais acordo menos acordo. Coisa diferente é o apego à soberania. Porque o nacionalismo está marcha em todos os países, mas o seu avanço é particularmente crítico em França, com Marine Le Pen a aproximar-se cada vez mais de uma possível vitória, mais ano menos ano.
Assusta no resultado inglês a forma como a clareza e a repetição da fórmula "pátria" chega para secundarizar todas as outras questões. Boris insistiu numa amálgama de conceitos baseados em "Brexit + pensamento Churchill + História" e tudo o resto foram pequenas coisas aos ouvidos dos eleitores. Não havia outra coisa nesta eleição que não a "alma britânica" e ninguém respondeu melhor a isso do que Johnson: O Reino Unido, livre e grande!, mesmo que mais só e pequeno.
Jeremy Corbyn errou de princípio a fim pensando que estava em causa a economia ou o serviço nacional de saúde. "Deus, pátria e família" voltou, desta vez na versão britânica de "Rainha, pátria e anti-imigração".
Não sendo isto novo, obriga a olhar sobre o que segura hoje a União Europeia. Não há Deus em Bruxelas, nem pátria, e a imigração é a fórmula para perder votos por todo o lado. A ausência de fronteiras é olhada como um perigo, o euro como um falhanço a favor da Alemanha e a solidariedade é boa para quem recebe fundos. Quem ama esta instituição? Ela, sem dúvida, tem garantido a paz, a prosperidade e a educação do continente mais instruído do planeta. Mas basta?
A única região do mundo onde parece haver um consenso para enfrentar com coragem o mais importante dossier das nossas vidas - as alterações climáticas - pode soçobrar a qualquer momento às mãos do medo: o medo da perda de soberania; o medo da mudança propulsionada pelo fim da velha economia carbónica; e o medo do colapso dos seus serviços públicos de saúde (por força do envelhecimento da população).
França é o epicentro da maior batalha pela existência/resistência da União Europeia face ao crescente nacionalismo global. Sem a França, o que é a União Europeia, mesmo que tenha a Alemanha e mais 25 países?
Quanto mais tempo resiste Macron, cercado à esquerda por marxistas anti-europeus, à direita por Le Pen, e nas ruas pelas gerações que não têm dinheiro?
Entretanto, pode Bruxelas acolher a Escócia sem abrir as portas à Catalunha? Estes dois nacionalismos são bons ou maus? E quantos faltam mais? Quantas nações/regiões se querem federar neste projeto sem pátria chamado União Europeia?
Em paralelo, o enfraquecimento do bloco europeu está em curso: Trump, que já avançou no acordo com o Canadá e México, mais depressa se alinha com a China do que com a Europa. Ontem, aliás, surgiram as notícias de início de acordo com Xi Jinping.
Os ingleses são importantes nesta estratégia de guerra ao velho continente e estão a ser aliciados para se dobrarem ao poderio económico dos norte-americanos - sem que isso suscite em Inglaterra os anticorpos que Bruxelas ou Berlim provocam. Há uma pechincha no mercado fruto do exemplo inglês: quer abandonar a União Europeia e ser amigo do matulão do mundo? Aproveite agora e leve de desconto um acordo comercial vantajoso com Trump.
A vitória de Johnson anuncia a vitória de Trump a 3 de Novembro de 2020. Na América, Deus, pátria e família funcionará ainda melhor. Mesmo que os maiores problemas do mundo sejam a pobreza e as alterações climáticas, todas as gerações não fizeram outra coisa ao longo da história que não salvarem-se a si mesmas. Estamos a assistir a isso em direto.