Os noticiários do Brasil interromperam as emissões na manhã de segunda-feira, 24, para mostrar a prisão, numa casa no Rio de Janeiro, de Maxwell Corrêa, ex-bombeiro acusado de participação direta na execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a 14 de março de 2018. Horas depois da operação, batizada pela Polícia Federal (PF) e demais autoridades envolvidas de Élpis, em homenagem à deusa grega da esperança, Flávio Dino, ministro da Justiça, revelou que a detenção era consequência da confissão e delação do ex-polícia Élcio Queiroz, o motorista do carro de onde saíram os tiros na noite do crime, preso desde março de 2019, ao lado do autor dos disparos, o também ex-polícia Ronnie Lessa..Élcio contou que Maxwell, conhecido como Suel, fora a primeira escolha de Lessa, um "matador de aluguer" lendário no Rio, para o papel de motorista. Como Suel pareceu recuar, Lessa abordou Élcio e deixou ao ex-bombeiro as tarefas de seguir os passos de Marielle, que pertencia ao PSOL, partido de ideologia semelhante ao português Bloco de Esquerda, e de se desfazer da submetralhadora e do carro usados. Edilson Barbosa, conhecido por Orelha, foi, na qualidade de dono de um ferro velho, o encarregado por Suel de destruir aquelas provas, disse Élcio..Suel, que vivia numa casa considerada pelos agentes da polícia como "incompatível com o seu salário", já havia sido detido no âmbito do caso por obstruir as investigações mas cumpria pena em regime aberto..O delator afirmou ainda que uma mala com a submetralhadora foi entregue a Lessa pelo casal Alessandra Farizote e João Paulo Soares, conhecido como Gato do Mato. Momentos depois da execução, Lessa deu aquela mesma mala ao irmão, Denis Lessa. Orelha, Alessandra, Gato do Mato e Denis também foram alvos da Élpis..Os detalhes apresentados por Élcio sobre o carro, a arma, o percurso dos criminosos e os tiros disparados foram todos, segundo o delegado da PF Guilhermo Catramby, "devidamente comprovados do ponto de vista técnico". "A colaboração não veio do acaso, foi fruto de muito trabalho de revisão de provas para tentarmos assegurar a estratégia, a delação foi corroborada e confirmada de forma taxativa", reforçou Leandro Almada, superintendente da PF no Rio de Janeiro..Na delação, Élcio disse também que, após a execução, Lessa começou a comprar carros e lanchas. E que foi o sargento da polícia Edmilson Oliveira, conhecido como Macalé, quem "apresentou o serviço", leia-se, a execução de Marielle, ao "matador de aluguer". Macalé, entretanto, foi morto em 2021 por tiros disparados de um carro, quando saía de um supermercado.."Há uma espécie de mudança de patamar da investigação e há elementos para a identificação dos mandantes, os factos até agora revelados e as novas provas colhidas indicam forte vinculação desses homicídios com a atuação das milícias e do crime organizado no Rio de Janeiro, isso é indiscutível", afirmou o ministro da Justiça. "O nosso foco agora", acrescentou Almada, "é escalar esta investigação para que possamos, partindo de um alicerce mais firme, buscar os outros envolvidos na parte intelectual"..Para tanto, é importante que Lessa, o autor dos 13 tiros que, além de matarem Marielle e Anderson, feriram sem gravidade a jornalista Fernanda Chaves, assessora da vereadora e sobrevivente do crime, decida falar à PF.."Matador de aluguer" já condenado a 12 anos de cadeia por comércio ilegal de armas e suposto dono das 117 metralhadoras encontradas na casa de um amigo no centro do Rio durante buscas para desvendar o Caso Marielle, Lessa foi segurança de Rogério Andrade, um dos mais influentes "bicheiros" (patrões do jogo ilegal) do Rio. Além disso, é destacado membro da milícia carioca Escritório do Crime e o mais famoso vizinho de Jair Bolsonaro no exclusivo condomínio Vivendas da Barra, o que motivou especulações incómodas para o ex-presidente..Segundo Bela Megale, colunista do jornal O Globo, Lessa já havia demonstrado interesse na delação antes mesmo de Élcio. Após a confissão do comparsa, está ainda mais disponível, acrescenta Natuza Nery, colunista da Globonews. A PF, porém, só aceita um acordo se o ex-polícia entregar, com provas, os mandantes..Mas, além de responder às perguntas "quem matou" e "porquê", será preciso também descobrir, como completa Ricardo Kotscho, colunista do UOL, "quem, na polícia, no poder judiciário e nos executivos federal e estadual do Rio de Janeiro, prevaricou para acobertar o caso durante cinco anos"..Com a delação de um dos autores materiais do crime acredita que se descubra, finalmente, a autoria intelectual? A nossa família nunca perdeu as esperanças de que poderíamos descobrir quem é o mandante e por que motivos mataram a minha irmã. Sabíamos que era um crime difícil de se investigar mas a esperança sempre se manteve nestes cinco anos. Com este novo passo, a esperança renova-se e sentimos que estamos caminhando para, finalmente, termos a resposta que esperamos, todos os dias, desde 14 de março de 2018..Até que ponto a vontade política deste governo contribuiu para este avanço? Desde o início deste governo, o presidente Lula e o ministro [da Justiça] Flávio Dino falavam do desejo e do empenho em desvendar o crime. Estamos a falar de um assassinato contra uma vereadora negra, uma mulher eleita, que estava no exercício de sua atividade parlamentar. É inaceitável para a democracia brasileira que esse crime não tenha resposta. Nós agradecemos a quem esteve à frente das investigações anteriormente mas celebramos o avanço desde que, há alguns meses, a Polícia Federal passou a atuar no caso..Marielle teria completado 44 anos na quinta-feira... Sempre me pergunto onde ela estaria e que projetos estaria realizando se não tivesse a sua vida ceifada daquela maneira. Ao mesmo tempo, sinto, de maneira muito forte, a presença dela comigo em todos os passos que tenho dado. Com o tempo, a nossa família pôde trazer para este mês um novo sentimento de alegria e força, pois a minha filha mais nova, Eloah, também nasceu no mês de julho, trazendo novos ares. E com essas novidades relacionadas ao caso, conseguimos sentir esperança de que ele vá ser solucionado..dnot@dn.pt