Republicanos vs. Democratas: os escândalos sexuais são iguais para todos? 

Joe Biden enfrenta uma acusação de agressão sexual a meses do embate com Donald Trump, cujo historial de acusações não afetou a eleição para a Casa Branca.
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Na noite de 8 de outubro de 2016, o programa "Saturday Night Live" parodiou a sede de campanha democrata, onde a atriz que interpretava Hillary Clinton dançava e abria garrafas de champanhe. O ambiente festivo seguia-se à publicação de um ficheiro de áudio onde o então candidato Donald Trump falava de agarrar mulheres pela vagina sem consentimento. Analistas e eleitores à esquerda estavam convencidos de que este escândalo enterraria as suas aspirações presidenciais. Estavam errados.

Nem este episódio nem as acusações de abusos sexuais por duas dezenas de mulheres afetaram o apoio a Trump. O movimento "Me Too", que de lá para cá levou à queda de pessoas poderosas como o produtor Harvey Weinstein, foi liderado pelo campo ideológico oposto.

É nesse contexto que o presumido candidato democrata que vai desafiar Trump nas eleições deste ano, Joe Biden, se vê acusado de agressão sexual por uma antiga colaboradora. Tara Reade diz que, em 1993, Biden a beijou contra a vontade e colocou a mão debaixo da sua roupa, penetrando-a com os dedos. O democrata negou e colocou-se à disposição de uma investigação, mas os opositores na esfera conservadora consideram a acusação legítima e alegam hipocrisia.

"Só algumas acusadoras merecem ser ouvidas?", escreveu Corey Lewandowski, conselheiro da campanha de reeleição de Donald Trump, no jornal The Hill. "A história de Tara Reade e as suas implicações não são uma situação hipotética. São reais", considerou.

A professora de História da Universidade de Washington, Margaret O"Mara, que no início de carreira trabalhou na administração de Bill Clinton, explica que a questão é "mais problemática para os democratas modernos", visto que o seu campo está associado aos direitos das mulheres. A docente lembra que uma das controvérsias iniciais da campanha de Joe Biden foi a forma como geriu o testemunho de Anita Hill em 1991, quando esta acusou de assédio o juiz conservador Clarence Thomas na audiência de confirmação para o tribunal Supremo. "A conversa mudou muito nos últimos vinte anos", analisa.

Com o partido a cerrar fileiras em torno de Biden, apoiado por Hillary Clinton, Elizabeth Warren, Kamala Harris, Kirsten Gillibrand, Bernie Sanders e muitos outros, os mesmos democratas que passaram os últimos dois anos a dizer "acreditem nas mulheres" veem-se na contingência de insinuar aos eleitores que não acreditem nesta.

"É duro", assumiu Daniel Forester, pseudónimo de um ator que vive em Los Angeles e usa as suas redes sociais para promover a discussão política. "Os democratas pelo menos tentam seguir um padrão de comportamento mais elevado", disse ao DN. "Haverá pessoas que querem lidar com isto e não ser silenciadas, e isso é bom, e haverá democratas que aceitam varrer para debaixo do tapete, o que é algo que os republicanos tendem a fazer porque são tipicamente mais homens e mais velhos."

Mas estaremos perante um fenómeno que tem maior impacto nos políticos democratas que os republicanos? Margaret O"Mara diz que nem por isso. "Trump é um ponto fora da curva em tantos aspetos. Mas não me parece que isso faça este tipo de ação por parte de um democrata ou republicano menos saliente", disse ao DN. "No último quarto de século, houve escândalos com legisladores tanto republicanos como democratas. Tivemos republicanos membros do congresso a demitirem-se também", salientou.

Foi isso que mencionou Forester, lembrando os escândalos sexuais que fizeram cair políticos republicanos como Bob Packwood, Dennis Hastert e mais recentemente Roy Moore. A diferença parece estar na corrida à Casa Branca. "Claramente o assédio sexual, ou acusações dele, não importa aos eleitores. Havia questões sobre Bill Clinton e sobre Trump e ambos ganharam", notou.

As pesquisas vão nesse sentido. De acordo com a nova sondagem da Universidade de Monmouth, 37% dos inquiridos disseram que a alegação de Reade é "provavelmente verdadeira" e destes, um em cada três mesmo assim planeia votar em Biden. No total, o democrata recolhe o apoio de 50% dos eleitores registados, enquanto Trump tem 41%. É uma margem mais expressiva para Biden que as sondagens anteriores, apesar da explosão mediática da acusação.

"Estamos em circunstâncias tão extraordinárias com a economia e a covid-19 que isso poderá ofuscar este tipo de escândalos pessoais", explica Margaret O"Mara. Olhando para a forma como o eleitorado se comportou no passado, a historiadora sublinha que "os escândalos pessoais têm um efeito decisivo quando não há um problema maior no qual as pessoas baseiam as suas decisões."

Além disso, a docente refere que o foco anterior no comportamento sexual e as acusações de mulheres contra Bill Clinton e Donald Trump "tornaram-se algo que é familiar" para os eleitores.

"Ainda falta muito para novembro e temos um ciclo noticioso que se move depressa", sublinhou, "mas olhando para isto comparativa e historicamente, a economia é tipicamente decisiva para um presidente ganhar ou perder." Em 1992, apesar dos escândalos, foi com a assinatura "é a economia, estúpido" que Clinton chegou à Casa Branca.

Uma divisão fundamental

O que as pesquisas também mostram é que há um partidarismo vincado na tendência a acreditar ou não em acusações, conforme elas afetam um candidato do seu campo ou do campo oposto. A reação dos média conservadores a Tara Reade, por exemplo, com cobertura extensa na Fox News, Breitbart, Daily Caller, The Blaze e outros, é muito diferente do que aconteceu com as mulheres que acusam Trump e com Christine Blasey-Ford, quando esta testemunhou contra o juiz Brett Kavanaugh perante o congresso.

David Weissman, ex-militar do exército norte-americano que reside num dos estados críticos para a eleição, a Florida, dá pistas nesse sentido. A sua visão é reveladora porque ele foi um acérrimo defensor de Donald Trump que mudou de opinião. Criou um grupo de Facebook para ex-apoiantes do presidente, que tem 1500 membros, e não só se autointitula ex-republicano como vai fazer trabalho no terreno para ajudar a eleger Biden.

"A direita não gosta da posição do Me Too de acreditar nas mulheres", diz Weissman, e exibe "falta de empatia" em relação a alegadas vítimas. Em 2016, as acusações contra Donald Trump não tiveram qualquer impacto no seu apoio porque não acreditou nelas. "Chamei-lhes fake news", explicou ao DN. "Senti que era uma tática para atacar Trump. Nem uma única vez pensei em acreditar nas mulheres."

Agora, o ex-apoiante do presidente considera que isto não significa acreditar nas acusadoras 100% das vezes, mas que "têm o direito de ser ouvidas". É algo que diz dever ser concedido a Tara Reade. "As alegadas vítimas não devem ser tratadas como armas de arremesso políticas", afirmou, apesar de considerar que os republicanos estão a fazer isso.

A professora Margaret O"Mara salienta esse obstáculo. "Tudo se torna muito político, o que faz com que seja difícil para estas mulheres terem uma audiência justa, com um resultado ou o outro, e o mesmo para os homens que estão a ser acusados", disse. Mas isso afetará os votos?

"As pessoas para quem isto se torna uma questão crítica não são os independentes no centro, é na base democrata e em particular as mulheres nessa base", explica a docente. "E, neste caso, vão mudar de lado e votar em Donald Trump? Duvido que o façam."

Weissman admite isso mesmo. "Se fosse verdade e o DNC [Comité Nacional Democrata] decidisse mantê-lo como candidato, eu ficaria muito desapontado mas veria o quadro maior de ter outro mandato de Trump, a forma como geriu a pandemia, como ele e os conservadores querem bloquear qualquer caminho para os progressistas, nenhum juiz liberal no Supremo, a violação da constituição", descreveu. "A nossa democracia estaria em causa, há muito mais a perder com mais quatro anos de Trump." Por isso, seja qual for o veredicto no caso Reade, "ainda votarei em Biden com base nesses princípios."

Daniel Forester tem igual posição. "Se for entre ele [Biden] e Trump, sim, voto nele ainda assim. O Trump é terrível." Nenhum dos dois determina se a acusação de Tara Reade é verdadeira ou falsa. "Isto vai ser sempre um assunto difícil, quando se trata de violência sexual, porque muitas vezes se resume à versão de um contra a do outro", afirma Forester.

Por outro lado, nota as posições contraditórias de Tara Reade no passado recente. "Tenho menos tendência a acreditar em alguém que varia tanto", disse. Reade assumiu-se primeiro como defensora de Vladimir Putin e depois apoiante de Bernie Sanders.

Tanto Forester como Weissman consideram que a reação de Joe Biden foi apropriada, ao negar veementemente e por-se à disposição para uma investigação. A seu favor poderá ter o tempo sem precedente de pandemia que vivemos, diz O"Mara.

"Estamos em território desconhecido com esta crise imensa que está a ser profundamente mal gerida pela Casa Branca. Isto realmente muda os termos" explica. "De certa forma, permite ao campo Biden não ter de passar tanto tempo a lidar com isto como teria de fazer se houvesse um vácuo noticioso."

A historiadora indica ainda que o eleitorado terá um desejo por estabilidade. "Se o passado tem valor preditivo, a economia significa muito", afirma. "O candidato que conseguir assegurar não apenas todos os americanos mas os americanos que são críticos para as eleições, os do centro-oeste, que ficarão melhor sob a sua presidência que sob a do oponente, irá ganhar."

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