REPORTAGEM: Lanche escolar arrancou Samito das ruas no centro de Moçambique
Samito Emílio, seis anos, viveu nas tórridas ruas de Changara, afastado do conforto familiar e dependente de pessoas de boa vontade para se alimentar.
Foram tempos difíceis para uma criança que sofre de uma deficiência congénita e que cedo perdeu os pais, vítimas de sida, uma epidemia que ainda é um pesadelo em África.
Samito tem uma única perna e dois dedos da mão direita colados.
Movimentar-se é um problema e, se não fossem as pesadas bengalas improvisadas que carrega com ele todos os dias, andar seria impossível.
Samito é tímido e está quase sempre em silêncio.
Prefere o escuro do quarto em vez da luz do dia, diz quem dele cuida.
"Foi um rapaz rejeitado e, por isso, sempre fechado e por vezes agressivo", diz à Lusa Adélia Carlos, dona do orfanato que abrigou a criança há um ano, depois de abandonada pela família dos pais.
Além de Samito, Adélia Carlos cuida de outras 20 crianças no seu modesto orfanato, um projeto que depende do reduzido salário que ela ganha como docente na Escola Primária de Changara.
Os dormitórios são pequenas palhotas feitas de colmo, mas, apesar de por vezes faltar o que comer, amor e união há em abundância, garante.
"Eles todos vivem juntos aqui. Os outros ajudam o Samito a pegar nas muletas, são todos meus filhos", explica a antiga freira, que decidiu dedicar a vida por inteiro ao orfanato.
O sonho de Samito ainda não é claro, mas, com influência da mãe adotiva, o gosto pela docência parece ser uma opção.
Adélia Carlos tem lutado para que ele vá sempre à escola e com o projeto Lanche Escolar, que serve alimentos em estabelecimentos de ensino, poderá ser possível "sair definitivamente das ruas".
O projeto é financiado pelo Programa Alimentar Mundial (PAM) em várias províncias e só no distrito de Changara vai abranger 37 mil crianças, de acordo com dados do governo distrital.
Agora, Samito chega a exigir que o levem às aulas.
"Há sábados em que ele acorda, prepara-se e diz que quer ir à escola", apesar de ser fim-de-semana, acrescenta Adélia Carlos.
Segundo o diretor dos serviços distritais de Educação e Tecnologia de Changara, Jonito José António, os ganhos que advêm deste projeto beneficiam não só as crianças como também os pequenos agricultores, cuja função é abastecer os armazéns das escolas com produtos locais.
"Os objetivos da educação estão a ser alcançados com a ajuda deste projeto", observa aquele responsável.
A taxa de desistência no ensino básico caiu de 10,5% para 1,5% nos últimos cinco anos.
No total, de acordo com dados do PAM, na província de Tete, o projeto está orçado em dois milhões de dólares (1,7 milhões de euros anuais), um valor que é investido, primeiro, na capacitação dos pequenos agricultores que vão abastecer as escolas e na gestão dos produtos.
"Dois aspetos importantes para a continuidade deste projeto são os armazéns e a prestação de contas", diz à Lusa Karina Manente, representante do PAM em Moçambique.
O cardápio consiste em massa de farinha de milho e feijão num dia, arroz e verduras noutro, para alimentar sonhos em Changara.