Renzi arrisca futuro com referendo

O referendo constitucional que o primeiro-ministro italiano defende para mudar o sistema político transformou-se em plebiscito a Matteo Renzi, que ameaçou demitir-se se perder. Isso pode gerar incerteza política em Roma, afetar a economia e arrastar a Europa para nova crise
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Quando chegou à chefia do governo, em fevereiro de 2014, Matteo Renzi tinha 39 anos e, no currículo político, apenas a presidência da câmara de Florença. Era o outsider que vinha para abalar a política. Mas, apenas dois anos depois e com os italianos a não sentirem que a sua vida está a mudar, já é o rosto do establishment e cometeu o erro de transformar o referendo constitucional de hoje num plebiscito ao seu governo. O resultado é ter que enfrentar toda a oposição (mesmo aquela dentro do próprio partido) unida a favor do "não", desejosa de que isso signifique a sua saída do governo. A União Europeia olha preocupada para a instabilidade política e as consequências económicas.

"Vão votar para que Renzi não se torne no vosso patrão e no patrão de Itália", afirmou o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, da Força Itália (centro-direita), assegurando que se Renzi perder tem que "abandonar a política". Em Turim, o líder e fundador do Movimento 5 Estrelas (antissistema e antieuropeu), o ex-humorista Beppe Grillo, repete que "o "não" é a mais pura forma de política" e que os italianos são "os ratos de laboratório de um mundo novo". Mesmo o ex-primeiro-ministro Massimo D"Alema, do mesmo Partido Democrático que Renzi, fez campanha contra o referendo: "Reduz a autonomia das autoridades locais e concentra demasiado poder nas mãos do governo sem os necessários controlos", indicou à AFP.

Contra todas estas vozes está o primeiro-ministro, que com esta reforma espera reduzir os poderes do Senado (atualmente o sistema italiano é um bicameralismo perfeito, no qual senadores e deputados têm a mesma força), além de acabar com a sobreposição de poderes a nível regional. No último ato da campanha, em Florença, Renzi pediu aos apoiantes para tentarem convencer os eleitores indecisos "um por um", porque tudo estava em jogo nas últimas horas. Ontem, dia de reflexão, o silêncio era a palavra de ordem - até no Twitter a hashtag #silenzioelettorale era uma das mais usadas.

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Hoje, cerca de 50 milhões de eleitores italianos são chamados a apoiar ou não a reforma constitucional. As últimas sondagens (publicadas há 15 dia) davam a vitória ao "não" com 54,2% das intenções de votos, contra 45,8% para o "sim". Mas havia ainda 17% de indecisos. As urnas fecham às 23.00 (22.00 em Lisboa) e serão conhecidas as sondagens à boca das urnas (que já falharam no passado), devendo ser necessário esperar pela madrugada por um resultado final.

A aguardar esse resultado está toda a Europa, que espera que desta vez o erro das sondagens seja a seu favor - depois da surpresa do brexit e da vitória de Donald Trump nos EUA. Para os líderes europeus e para os mercados, a vitória do "não" poderá gerar instabilidade política (com a eventual demissão de Renzi) que não irá ajudar face a uma situação económica já complicada.

A economia italiana parece parada há 20 anos, com o desemprego nos 11,6 % (36,4% entre os jovens) e uma dívida pública de 2,2 biliões de euros (132,7% do PIB), só menor que a grega. As previsões de crescimento para 2016, da OCDE, são de apenas 0,8%. Apesar de o ministro da Economia italiano, Pier Carlo Padoan, afastar qualquer hipótese de "terramoto financeiro" depois do referendo, a verdade é que a taxa de juro da dívida subiram nas últimas semanas e existe uma preocupação crescente em relação aos créditos de cobrança duvidosa, que ensombram a banca italiana.

Mesmo sem o risco económico numa Europa que ainda não recuperou da crise, existe a instabilidade política. Renzi disse que se demitia se perdesse o referendo e, apesar de ter voltado depois atrás, o ministro dos Transportes, Graziano Delrio, afirmou na sexta-feira na televisão pública acreditar que essa seria a decisão do primeiro-ministro. Isso obrigaria o presidente Sergio Matarella poderá tentar convencê-lo a ficar ou então nomear um governo de transição, para fazer a reforma eleitoral que é praticamente consensual entre os partidos.

Nas novas eleições, e face à onda de populismos na Europa, o receio dos líderes europeus é que a Itália opte por votar no Movimento 5 Estrelas - que já disse que pretende fazer um referendo para sair do euro - ou na Liga Norte (extrema-direita, anti-imigração e igualmente eurocético) de Matteo Salvini. O partido de Beppe Grillo está em segundo lugar nas sondagens, logo atrás do de Renzi (que mesmo saindo do poder deve manter-se à frente do Partido Democrático).

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