Remédio santo

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Às primeiras chuvas, Lisboa desapareceu sob as águas. Às segundas chuvas também. Perante a maçada, o que fez o presidente da câmara? António Costa, encarregado da redenção nacional por alguma opinião publicada, passou imediatamente dos atos às palavras e explicou que "não existe solução" para as cheias na capital. Apenas apoiados em evidências e conhecimento de causa, engenheiros e especialistas afins surgiram logo a seguir com opinião contrária: as inundações são evitáveis se se tomarem as precauções necessárias, as quais por acaso são demoradas, caras e complicadas de transformar em propaganda eleitoral. Cabe-nos decidir se queremos confiar em cientistas ou no afamado autarca. Eu vou pelo autarca.

Confesso-me cansado dos políticos "habituais", aqueles que despejam promessas e respostas milagrosas em cima de todas as circunstâncias. Sentia-se a falta de um político como o dr. Costa, que de resto já passara a campanha das "primárias" do PS a evitar pronunciar-se sobre qualquer assunto. Na altura, muitos tomaram isto a título de estratégia ou calculismo, visto parecer impossível o dr. Costa, que até para desejar "Boa tarde!" se aconselhava com dezassete assessores, não ter um único palpite acerca do que quer que fosse. Estavam enganados: afinal o dr. Costa é mesmo desprovido de ideias e convicções, exceto a de que seria engraçado chegar a primeiro-ministro.

Por mim, anseio pelo radioso dia em que ele alcance o cargo e espalhe franqueza pelos temas do momento. A dívida pública? Não existe solução. A despesa do Estado? Não existe solução. A carga fiscal? Não existe solução. A fraca produtividade? Não existe solução. Os salários de miséria? Não existe solução. O desemprego? Não existe solução. A tendência inata dos socialistas para espatifar o dinheiro dos outros em "investimentos" portentosos? Não existe solução. A desvairada crença de que, à semelhança do apetite sexual dos hamsters, a economia se "estimula" por decreto? Não existe solução. A facilidade com que por cá se promovem rematados irresponsáveis ao estatuto de estadistas? Não existe solução. A ligeireza com que o bom povo se oferece às mãos dos "estadistas"? Não existe solução. Portugal? Existe o dr. Costa.

Sexta-feira, 17 de outubro

Não ir a lado nenhum

Há moradores em França que trabalham em Londres e regressam a casa ao fim de cada dia. Nos Estados Unidos, onde talvez uns 7% das pessoas habitam a mais de 70 km do emprego, há quem apanhe diariamente o voo madrugador de Salt Lake City, no Utah, para São Francisco, a 900 km. Ridículo?

Um bocadinho, mas não mais do que os exemplos opostos em que Portugal é pródigo. Os funcionários de um tribunal no interior, agora extinto, viram anulada uma mudança de 40 km, distância que aqui se considera desumana. Enquanto os ditos funcionários mantêm o posto, o salário e a possibilidade de ver a tinta secar num edifício sem funções, os médicos do SNS são informados de que a respetiva "mobilidade" termina a 60 km do lar. Se reforçarem a luta pelos direitos, ainda acabam a atender pacientes na cozinha. E pacientes é o termo.

Sábado, 18 de outubro

Estado de graça?

Conta o DN que a partir de 2015 será proibido "agredir, insultar ou apenas desobedecer a ordens de funcionários das finanças", crime punido com multa ou pena de prisão até cinco anos. A ideia, que confere às referidas criaturas "poderes de autoridade pública", aparece no Orçamento do Estado e, para um leigo, parece sofrer de certa imprecisão. Em que condições as ordens dos funcionários são compulsivas e de que tipo de ordens falamos? A senhora que atende no guiché do IRC tem o direito de, por exemplo, forçar o contribuinte a quinze minutos de zumba? E se sim, só o pode decretar na repartição ou também no meio da rua? Durante o expediente ou mesmo às quatro da madrugada? Espera-se que a discussão na especialidade esclareça estas minudências.

Quanto à agressão e aos insultos, confesso-me pasmado. Nunca imaginei que os portugueses, lendários defensores do Estado, social ou outro, levassem tão a mal o pagamento de impostos. Aliás, não acredito que o façam. É do conhecimento geral que raras atividades alegram tanto o cidadão quanto a entrega de metade dos rendimentos ao bem comum, traduzido, eu sei lá, em "projetos de regime", investimentos nas "renováveis", pavilhões "multiusos", apoios "culturais", subsídios a instituições que alertam para o aumento da pobreza e, melhor que tudo, no sustento de uma administração pública que todos apreciamos e que inclui a simpaticíssima rapaziada das finanças. Se alguma vez aconteceu ali palavra menos educada ou estaladão mais firme foi, não duvido, porque o "utente" sentiu que não pagava impostos suficientes, privando-o assim de patrocinar como gostaria a Fundação Mário Soares ou a nova rotunda iluminada em Fânzeres.

O governo está desligado da realidade, é o que é. De resto, por cá a própria realidade está desligada da realidade.

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