Rembrandt e a história de Portugal juntos numa sala de museu
Paisagem com ponte de pedra, que a partir de hoje pode ser visto na Sala do Tecto Pintado do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), foi o primeiro quadro de Rembrandt que o Rijksmuseum adquiriu. "Já tinha uma série de empréstimos e doações das coleções reais, mas em 1900 compram num leilão em Paris esta pintura com a ajuda de um historiador de arte que era então diretor do museu de Haia, A. Bredius, que era também colecionador e subsidia a compra do quadro", explica Joaquim Caetano, conservador de pintura antiga do museu das Janelas Verdes, a propósito do mais recente inquilino, empréstimo do museu dos Países Baixos para a exposição Rembrandt. Elos Perdidos.
De pequeno formato e paisagem, é quase uma raridade na obra do pintor holandês (1606-1669), mas nem por isso de menor qualidade, defende Joaquim Caetano, chamando a atenção para a luz criada pelo artista. "Um céu brumoso onde se projeta um raio de sol no centro do quadro e a ideia de quando estamos na luz vemos em detalhes e quando estamos na sombra não", diz chamando a atenção para os elementos que estão iluminados, onde foi empregue toda a minúcia, e os outros, às escuras, sem detalhes. "Ao mesmo tempo, este jogo de luz cria este breve momento de felicidade e depois há uma série de gente - o homem que atravessa a ponte, agricultor que conduz o boi - fazem pensar que a paisagem psicológica, a ideia da paisagem como parte da errância humana. A existência humana é esse caminhar, momentos de felicidade num caminho quase sempre penoso", refere, lembrando que na obra de Rembrandt a paisagem é uma criação do artista.
A chegada desta tela de Rembrandt trouxe para esta sala um dos desenhos de Rembrandt que faz parte do acervo do MNAA, outra paisagem, saída de um dos cadernos do artista que faziam parte do rol de bens inventariados (e vendidos) quando entrou em bancarrota.
Ambos - tela e desenho -- confirmam que o tema só passou a interessar ao artista a partir da década de 1630. O quadro é de 1638, o desenho de 1646. Esta pode ter sido a sua maneira (não muito bem sucedida) de entrar num "mercado florescente" na época, nem católico nem judaico, que se interessava por naturezas mortas, paisagens mitológicas, nota Joaquim Caetano.
A exposição, proposta pela Holanda a Portugal, traça a história comum dos dois países, a partir dos retratados. Por exemplo, a partir de dos retratos de Carlos V e Leonor de Áustria, pintados por Joos Van Cleve, em 1530. É ela, irmã mais nova do imperador, um dos elos perdidos do título da exposição.
Antes de ser prometida a Francisco I por como trunfo de guerra, tinha sido rainha de Portugal pelo casamento com D. Manuel. Joaquim Caetano chama a atenção para o facto de o par que representa o poder serem dois irmãos e não marido e mulher. "Existem uma dezena de réplicas e aquele que se calcula que é o original está em Viena", nota Joaquim Caetano. "Deve ter sido uma imagem diplomática muito usada por Carlos V". Aliás, ao lado do quadro emprestado da coleções reais da Holanda, está agora outro mais pequeno e com ligeiras variações, que foi oferecido por Calouste Gulbenkian ao MNAA.
O derradeiro elo perdido tem D. Manuel de Portugal, filho natural de D. António Prior do Crato, como protagonista. O jovem seguiu o pai quando este fugiu do país. Intitulava-se príncipe herdeiro apesar de não o ser, mas com "sorte" e "uma boa figura" veio a casar com Emília de Nassau, irmã do príncipe de Orange, que lhe deu uma vida "nobre e condigna" e uma família numerosa. Tiveram 10 filhos que se espalharam pela Europa. A história, resumida por Joaquim Caetano, conservador de pintura antiga do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), é uma pista para chegar à identidade das duas jovens, Leonor Maurícia e Sabina Délfica, retratadas pelo pintor Gerard Van Honthors.
O pai não voltou a Portugal e muito menos de se aproximou da coroa, mas as telas, testemunho do encontro do português e da princesa da casa de Nassau, fornecem a explicação para o título da exposição Rembrandt. Elos Perdidos, ontem inaugurada pelos reis da Holanda, Willem e Máxima.
Rembrandt. Elos Perdidos, Sala do Tecto Pintado, Museu Nacional de Arte Antiga (Rua das Janelas Verdes), de 12 de outubro de 2017 a 7 de janeiro de 2018, de terça-feira a domingos, das 10.00 às 18.00. Entrada do museu: 6 euros; desconto de 50% para maiores de 65 e estudantes; gratuito até aos 12 anos e aos domingos e feriados até às 14.00.