Religião mistura-se com política e "única certeza é que vai ganhar um Alvarado"
Considerada outrora a Suíça da América Central, a Costa Rica aboliu o exército em 1948 e é considerado um dos países mais progressistas da região. Mas isso pode estar em risco, depois de uma campanha presidencial em que a religião se misturou com a política e deixou uma fratura social sem precedentes. A fé tornou-se central não porque a segunda volta se realiza no Domingo de Páscoa (apesar de poder interferir com a participação), mas porque um dos candidatos é um pregador evangélico, Fabricio Alvarado. O adversário, que representa a continuidade com o atual governo, é Carlos Alvarado, não havendo qualquer laço familiar entre ambos. "A única certeza na Costa Rica é que vai ganhar um Alvarado", disse ao DN Carlos Malamud, investigador do Real Instituto Elcano, face às dúvidas nas sondagens.
Fabricio Alvarado surpreendeu com a vitória na primeira volta, a 4 de fevereiro, com 24,9% dos votos, quando um mês antes não ia além dos 3% nas intenções de voto entre 13 candidatos. O jornalista de 43 anos, cantor e pregador evangélico, conquistou votos ao se opor à decisão não vinculativa do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos que instou a 9 de janeiro a Costa Rica a garantir os direitos dos casais do mesmo sexo, incluindo o casamento. Fabricio, do Partido Restauração Nacional (PRN), considerou o veredicto uma intromissão nos assuntos internos da Costa Rica e prometeu sair do tribunal, que tem sede precisamente em San José, a capital do país, caso vença.
Na campanha, o evangélico prometeu lutar contra a instauração do Estado laico, planos para eliminar a educação sexual nas escolas, e propôs aumentar as penas por corrupção e ter "mão dura" contra o crime. Um dos problemas que faz que o país já não seja considerado a Suíça da América Central é o aumento do desemprego e os números recorde de crimes.
O adversário de Fabricio é Carlos Alvarado, também jornalista e ex-ministro, de 38 anos, que pelo contrário apoia os casamentos homossexuais e defende o aborto em caso de risco para a saúde da mãe. A campanha do Partido de Ação Cidadã (PAC), que conquistou 21,6% dos votos na primeira volta, esteve centrada naquele que é considerado o principal problema do país: o défice fiscal que chega aos 7%, tendo prometido reduzi-lo para metade através de uma reforma fiscal. Isto apesar de o governo do presidente Luis Guillermo Solís (proibido por lei de se candidatar a um segundo mandato consecutivo) não ter conseguido chegar a um consenso para, por exemplo, criar um imposto de valor acrescentado ou limitar os salários públicos.
As sondagens não são unânimes, havendo as que dão a vitória a Fabricio com uma diferença de mais de dez pontos, mas também as que falam num empate técnico. "Na primeira volta, Fabricio fez uma campanha muito forte, confrontacional, baseada na denúncia da vulneração dos valores familiares, contra o casamento igualitário, o aborto, o divórcio", explica Malamud. "Ele sabe que o seu apoio está aí, mas o teto é muito baixo, precisa de outros apoios. Então, na segunda volta, mandou a equipa guardar silêncio sobre os temas confrontacionais", também porque se registou um aumento da violência contra a comunidade LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual e Transexual) desde a primeira volta. Enquanto isso, Carlos fez uma campanha mais agressiva, mais decidida, e parece que isso lhe está a permitir encurtar distâncias", acrescentou o investigador. Os 15% de indecisos vão ser a chave, podendo também influenciar o facto de hoje ser o último dia de férias da Páscoa.
Seja quem for o vencedor, precisará de alianças para governar. "O Congresso está totalmente fragmentado e as possibilidades de alianças são múltiplas", refere Malamud. Mas em relação às presidenciais, essas alianças são "muito curiosas", acrescenta, explicando que o Partido de Libertação Nacional (PLN, 17 deputados), normalmente associado com a social-democracia, apoia Fabricio, o evangélico, que elegeu 14 representantes. Já o Partido da Unidade Social-Cristã (PUSC, nove deputados), teoricamente democrata-cristão, mais de direita, apoia Carlos Alvarado, sendo que o PAC de centro-esquerda tem dez representantes. Há ainda sete deputados de outros partidos.
Se ganhar, Fabricio não será o primeiro evangélico no poder na América Latina: Jimmy Morales está no poder na Guatemala desde janeiro de 2016. Nesse país, tal como nas Honduras, Nicarágua, El Salvador ou Porto Rico, os evangélicos já representam mais de 30% da população e no continente têm forte presença nos Congressos - veja-se a bancada evangélica no Brasil, com cerca de 90 representantes. Na Costa Rica, a influência das igrejas evangélicas vindas dos EUA teve um crescimento enorme, passando de 232 mil membros em 2001 para 465 330 em 2014 e quase duplicando o número de igrejas.