Relembrar Sophie Scholl

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Peter Englund para muitos é ainda o rosto da Academia Sueca e, durante alguns anos, quando era o secretário desta, sempre que chegava a temporada Nobel tornava-se uma celebridade mundial. Este seu Novembro de 1942 agora publicado em Portugal pela Objetiva vem, porém, relembrar que Englund é sobretudo um grande historiador, um homem que nos seus livros tenta fazer com que os acontecimentos do passado sejam entendidos pelos leitores não só na sua complexidade, mas também na sua simplicidade.

Novembro de 1942, o mês que dá título ao livro, foi estranho, mesmo visto hoje, mais de oito décadas depois. Como explica o próprio Englund, no início dele a vitória da Alemanha Nazi e dos seus parceiros no Eixo parecia quase uma certeza. Mas no final do mês, começou a adivinhar-se que, afinal, a Segunda Guerra Mundial poderia ser ganha pelos Aliados. Há batalhas em África, na Europa e no Pacífico, onde se sente esse vento de mudança do rumo da história, seja El Alamein, Estalinegrado ou Guadalcanal. Mas, como explica o autor, "esta não é uma obra que procura descrever o que foi a guerra durante aquelas quatro semanas críticas - e os antecedentes, os planos, o curso dos acontecimentos e as suas consequências -, mas que pretende, em vez disso, dizer algo sobre como foi".

É através de cartas de gente que, de uma forma ou outra, vive a guerra que Englund conta o que se vive nesse novembro de 1942. São muitas as nacionalidades envolvidas, gente anónima, como uma escrava sexual coreana ou um paraquedista italiano, e também alguns que se tornarão famosos, como o escritor soviético Vassili Grossman ou o francês Albert Camus, que em 1957 receberia o Nobel da Literatura. Mas vou destacar aqui uma jovem alemã, cuja heroicidade é conhecida, mas que merece sempre ser lembrada: Sophie Scholl.

Estudante na Universidade de Munique, tal como o irmão Hans, Sophie tem 21 anos naquele outono. Chegou a pertencer à versão feminina da Juventude Hitleriana, como era regra, mas se chegou a haver algum entusiasmo juvenil pelo nazismo, esse rapidamente desapareceu para dar lugar a uma repulsa total da ideologia que levaria a Alemanha à derrota e a ficar manchada por crimes como o Holocausto. Os irmãos Scholl distribuíam folhetos a denunciar os nazis, queriam que o povo alemão percebesse o erro e se indignasse: "Nós não nos calamos, somos a vossa má consciência, a Rosa Branca não vos deixará em paz." Enquanto fazem este trabalho secreto, perigoso, um outro irmão combate na frente oriental, a pior, e um oficial, Fritz Hartnagel, por quem a estudante nutre uma amizade intelectual, quase uma paixão platónica, até está no cerco a Estalinegrado, onde o Exército Vermelho prepara o contra-ataque decisivo.

Rosa Branca era o nome do movimento antinazi de inspiração católica em que Sophie e Hans militavam. Denunciados pelo reitor por estarem a distribuir folhetos na universidade, foram presos pela Gestapo a 18 de fevereiro de 1943, juntamente com outro estudante, Christoph Probst. Um julgamento sumário condenou-os à morte quatro dias depois. Foram guilhotinados. Hoje são heróis nacionais da Alemanha, país que fez no pós-1945 um notável esforço de memória, assumindo a responsabilidade do nazismo, pedindo perdão e prometendo tudo fazer para não se repetir jamais.

No final do livro, Englund tem um interessante "O que lhes aconteceu depois". Leia-se "depois de novembro de 1942". Camus, já sabemos, foi Nobel, e morreu num acidente de carro em 1960; Grossman viu o seu grande romance sobre a guerra, Vida e Destino, confiscado pelo KGB, e morreu em 1964 de cancro no estômago; Okchu Mun, a coreana, depois de anos no Sudeste Asiático, regressou ao seu país, mas foi ostracizada por ter estado nos bordéis do Exército Japonês. Chegou a casar-se, mas o marido suicidou-se. Morreu em 1996; Paolo Caccia Dominioni, o italiano, depois da derrota em El Alamein voltou à Itália e juntou-se à resistência antifascista. Morreu em 1992; Hartnagel regressou à Alemanha, "casou-se com a irmã de Sophie, Elisabeth, com quem teve quatro filhos. Trabalhou como jurista e tornou-se membro do Partido Social-Democrata. Na década de 1980, esteve envolvido nos movimentos de paz alemães. Faleceu em abril de 2001, em Estugarda". Englund, claro, conta também a execução de Sophie Scholl e sublinha que "foi corajosa até ao derradeiro momento".

Este texto é, como já disse, uma homenagem à coragem. De Sophie Scholl e de todos que ousam, perante o mal, ser contra, mesmo com risco de vida. E é inspirado num grande livro, Novembro de 1942, que até surge referido na mais recente edição da Foreign Affairs em "três livros sobre a Segunda Guerra Mundial". Englund, note-se, é criticado pelas demasiadas personagens, e de, assim, "a narrativa do livro perder coerência". Sim, é um livro que exige que se conheça bem a história da Segunda Guerra Mundial.

Diretor interino do Diário de Notícias

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