Relato cinquentenário da contrarrevolução do Maio de 68 por Debray
O autor Régis Debray é claro na sua evocação publicada pela primeira vez dez anos passados sobre o Maio de 68 ao colocar na mais recente o subtítulo Uma Contrarrevolução Conseguida. Se esta versão tem como título Maio de 68, já a primeira versão do volume tinha como título Modesto contributo para os discursos e cerimónias oficiais do décimo aniversário, pois era publicado ainda muito a quente e após uma das maiores tempestades sociais do século XX francês.
Debray não assistiu ao furacão pessoalmente porque estava preso na Bolívia. Tinha sido professor de Filosofia na Universidade de Havana e, posteriormente, foi seduzido pela guerrilha que Che Guevara levou para a Bolívia. Quando este foi assassinado em 1967, Debray foi detido e condenado a 30 anos de prisão. Uma campanha internacional realizada por personalidades como Jean-Paul Sartre, André Malraux, Charles de Gaulle e o papa Paulo VI, lutaram pela sua libertação, evitando que a prisão se prolongasse além de 1970. Refugiou-se no Chile, mas o golpe de Pinochet levou-o a regressar a França.
Este percurso de "quatro anos de prisão e dois de vadiagem no exterior" explica muitas das pérolas que inscreve neste seu guia para o décimo aniversário do Maio de 68. Um livrinho que o autor considera ir ganhando mais atualidade do que perdendo-a e onde se diverte a achincalhar esse movimento messiânico iniciado pelos estudantes franceses: "Tinha deixado um país em que as mulheres não podiam abrir uma conta bancária sem autorização do marido, onde o homossexual se escondia (...) e reencontrava-o povoado de corpos libertos e de espíritos desanuviados, mas já docilmente submissos aos efeitos da imagem e à aura das grandes fortunas."
Numa frase de efeito, considera que "a vanguarda francesa será doravante o vagão de cauda americano", como referiu na edição comemorativa dos 40 anos e que agora serve de prefácio a esta do 50.º aniversário. Numa segunda frase de efeito, acrescenta: "Quando já não sabemos fazer acontecer nada, uma bela recordação histórica nunca está a mais."
Frases de efeito não faltarão a este Maio de 68: "É o berço da nova sociedade burguesa"; "A história nunca é tão astuta como quando faz negócios com ingénuos"; "1968 marca o momento em que o mercado mundial comunicou ao Estado nacional o seu despedimento"... Muitas outras frases há a retirar deste ensaio de Régis Debray, que se sustém em várias premissas, entre as quais a de que a Europa tem os Estados Unidos como miragem e que a burguesia encontrava-se política e ideologicamente atrasada em relação à lógica do seu próprio desenvolvimento económico, sendo o Maio de 68 o berço da nova sociedade burguesa.
Quanto à organização da revolta, o autor resume o movimento a "três maios": o da insurreição juvenil, o do movimento reivindicativo dos trabalhadores e o do maio dos políticos. O que tornou decisiva ou explosiva essa concordância entre os três maios, considera, foi ao mesmo tempo sintoma e remédio. Debray sabe que se mantém em contracorrente nas suas opiniões e quando chega à hora das conclusões remete-as para um outro sound-byte tão original como sintético: "É feio dizer mal do que foi belo." Por isso, como o Maio de 68 está na memória como um bom clichê das revoluções, esta torna-se uma boa leitura. Quanto mais não seja porque amacia a revolta em curso.
Maio de 68
Régis Debray
Editora D. Quixote
153 páginas
PVP: 13,90 euros
Sai dia 2 de maio