Reino Unido: começa hoje inquérito público ao escândalo do sangue contaminado

Quase 3000 pessoas terão morrido depois de terem recebido derivados de sangue infetado com hepatite e HIV nos anos 80 e 90
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É considerado o maior desastre do Serviço Nacional de Saúde britânico, o National Health Service (NHS). À semelhança do que aconteceu em Portugal na década de 1980, quando pelo menos 50 hemofílicos contraíram HIV em transfusões de sangue contaminado, no Reino Unido quase 3000 pessoas terão morrido depois de terem recebido derivados de sangue infetado com hepatite e VIH, durante as décadas de 1970 e 1980. Esta segunda-feira tem início o primeiro inquérito público ao caso e, segundo a BBC, desta vez, ao contrário do que aconteceu em consultas anteriores, as testemunhas poderão vir a ser obrigadas a testemunhar.

Liz Carroll, chefe-executiva da The Haemophilia Society, disse à estação de televisão que se deve trabalhar diligentemente para "descobrir a verdade, trazer justiça e, finalmente, o encerramento [do processo] para as vítimas e para as suas famílias". "Este escândalo devastou gerações de pessoas com hemofilia e outros distúrbios hemorrágicos", acrescentou a responsável, afirmando que os doentes "esperaram décadas" por esta investigação.

Remessas de sangue vieram dos EUA

Segundo os dados conhecidos, cerca de 5.000 pessoas com hemofilia e outras doenças hemorrágicas foram infetadas pelo vírus da hepatite e pelo VIH durante 20 anos. O motivo foi um novo tratamento introduzido no início dos anos 70 no Reino Unido, conhecido como agente de coagulação Fator VIII, que levou o país a importar elevadas quantidades de sangue e derivados dos EUA.

A BBC conta a história de Steve Dymond, atualmente com cerca de 60 anos. Apesar de só apresentar sintomas leves de hemofilia - grupo de doenças genéticas que prejudicam a capacidade do corpo em controlar a circulação do sangue ou a coagulação -, começou a sentir dores nas articulações e músculos, além de se sentir sempre exausto. Estávamos nos anos 80.

Dymond recebeu o tratamento em causa e quando soube que poderia ter ficado infetado com VIH, fez os testes e esperou 18 meses até receber a resposta. Uma espera longa, que ele e a mulher recordam com angústia. O resultado foi negativo, mas dez anos depois foi diagnosticado com hepatite C. Apesar de agora estar curado, continua a ter uma saúde debilitada: há dois sofreu um sangramento no estômago quase fatal, apresenta perda de audição e tem o fígado danificado.

O britânico diz que as pessoas foram "traídas e enganadas", com o Governo, os profissionais de saúde e as empresas farmacêuticas a evitarem assumir a responsabilidade.

Houve consultas anteriores, nenhuma delas oficial, pelo que não implicaram que as testemunhas fossem obrigadas a testemunhar. Algumas das pessoas infetadas receberam pagamentos - o primeiro fundo foi criado em 1989. No entanto, se esta nova investigação atribuir culpas efetivas, as vítimas podem exigir indemnizações avultadas nos tribunais.

O caso português

Em 1994, o Ministério Público português deduziu acusação contra dez pessoas pelo crime de propagação de doença contagiosa - entre elas a ex-ministra da Saúde social-democrata Leonor Beleza. O sangue contaminado com o vírus da Sida foi administrado nos anos de 1985, 86 e 87 e pertencia a lotes comprados à representante portuguesa da firma austríaca Plasma Pharm. Dos cerca de 200 infetados por este meio, apenas perto de 50 ainda estariam vivos (há dois anos). A Associação Portuguesa de Hemofilia conseguiu que todos os infetados recebessem uma indemnização de 60 mil euros e um apoio social, atribuído a partir de 2000.

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