Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. "Cheers mate!"

Mala de viagem (145). Um retrato muito pessoal do Reino Unido.
Publicado a
Atualizado a

"Londres/ Na neblina da manhã, os pássaros cantam/ nos parques verdes que são todo o seu universo,/ e por entre ruas transitadas no inverso/ há outros pássaros que circulam, vermelhos,/ que nos levam a toda a parte e dão conselhos/ da cidade que cedo se levanta e deita/ ao som do sino da torre que se aproveita/ do meridiano onde o tempo recomeça." Este meu poema, de uma só estrofe, foi feito anos depois da minha única viagem à Inglaterra. Corria o ano de 1994, nas vésperas do Natal, e eu estava como o nosso grande pensador Jorge de Sena, em 1952, ao iniciar a sua "Primeira Carta de Londres": "Nem que seja apenas por alguns dias e, dentro desses dias, por umas escassas horas que me fiquem livres, inteiramente livres, para andar por aqui ao acaso, realizei já um dos maiores sonhos da minha vida: pôr pé em Inglaterra, ver Londres com os meus olhos." (Jorge de Sena, "Inglaterra Revisitada", Edições 70, p. 27). Propositadamente, ficámos alojados numa casa de um daqueles bairros periféricos da capital, para conhecer a arquitetura resultante da revolução industrial. E, ainda por cima, a casa - típica de rés-do-chão e primeiro andar - pertencia a um casal de portugueses, há muito tempo residentes em Londres. A atividade enquanto turista vencia o frio daquele dezembro em que as ruas se excitam ainda mais com a animação do Natal. No inverno, o vento dança com as folhas a seu contento. Numa das noites, não pudemos perder uma sessão do "Fantasma da Ópera", com a história de amor mais assombrosa e uma das produções mais belas e espetaculares, de que se destacam os temas musicais de Andrew Lloyd Webber. Não levávamos bilhete, por isso esperámos na fila por alguma desistência ou lugares vazios suplementares. E depressa chegou a boa notícia. Ficámos na plateia em lugar central. A sorte por vezes contempla os audazes. No dia seguinte, viajámos até Bath, indispensável para quem estava no auge dos estudos sobre as cidades termais europeias. A viagem foi dispendiosa por ser o comboio mais rápido. Não hesitámos, porque a ideia era regressar no mesmo dia, nem que fosse de noite. Conhecer um destino à distância pelos meios convencionais - e naquela época limitavam-se aos roteiros impressos - era bem diferente do que pisar o chão, tocar o património, beber um café ou chá em ambiente romântico e aconchegante. Diz-se que a cidade foi criada devido a os romanos terem ali descoberto uma água com propriedades curativas, mas talvez seja anterior. Eles construíram umas termas, cujos vestígios estão bem preservados, musealizados e apresentados numa lógica de consumo por parte dos turistas. Na época ainda se estava no início do novo edifício termal, que seria inaugurado na volta do Milénio, por isso não houve banho para nós, mas património, urbanismo e gente para ver. Desde a época isabelina até à época georgiana, The City of Bath foi um complexo termal, urbano e de lazer para os mais abastados, durante as quais se construíram empreendimentos residenciais de arquitetura georgiana, tal como o expressivo "Royal Crescent" e um hospital, que ainda existe. Um outro poema surgiu ali, à semelhança do de Londres: "Bath/ Imagino essa demora do banho:/ há corpos imersos entre pilares/ na nudez da pele despida aos ares/ frios do tempo, mas p"la água amornada/ que acaricia segredos de fada/ da cidade desse nome de antanho." No último dia, o regresso foi rocambolesco. Tomámos um táxi conduzido por um paquistanês recente em Londres, esta cidade em que, pelos vistos, toda a gente é diferente, e isso quer dizer que há lugar para todos. Porém, não fora um autocarro com o escrito "Aeroporto" e que eu indiquei para se seguir, talvez ainda hoje estivéssemos às voltas por Londres. Na melancolia desta cidade, imaginei almas perdidas, obrigadas a caminhar perpetuamente pelas suas ruas. Talvez fosse com isso que aquele taxista nos quisesse brindar. Ao chegar ao aeroporto, falira a Companhia com a qual fomos e foi-nos dada a possibilidade de ir numa outra, desta vez britânica. Tive de ser um londrino, fleumático, para receber a notícia com parcimónia. Naquele último dia, com o agasalho, vesti saudades de Inglaterra e soltei umas frases tipicamente londrinas. - "Cheers mate! And cheerio!"

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt