Regular o futuro do trabalho e criar os empregos do futuro
Com a pandemia, surgiram algumas discussões sobre a inevitabilidade de algumas das alterações introduzidas ao nível da organização do trabalho, durante as fases de confinamento, acabarem por perdurar ou inspirar mudanças mais profundas quando regressarmos à normalidade. Isto é, mudanças como o teletrabalho, a substituição de reuniões presenciais e viagens de negócio por teleconferências e a própria reconfiguração física dos locais de trabalho, mais do que conjunturais podem revelar-se estruturais.
Mas aquilo que me parece que tem estado ausente desta discussão é, por um lado, a verdadeira amplitude das transformações em curso no futuro do trabalho (com disrupções que são anteriores à pandemia) e, por outro lado, as implicações que estas mudanças têm nas políticas públicas e não apenas nas opções empresariais.
A pandemia representa a quarta vaga de mudanças profundas na configuração do futuro do trabalho. Primeiro, a globalização deu origem a uma especialização das economias e a uma integração das empresas em cadeias de valor globais, contribuindo para uma certa padronização global das funções, das competências e das responsabilidades dos trabalhadores (ainda que, infelizmente, com rendimentos e condições de trabalho muito desiguais).
Depois, as profundas alterações demográficas ocorridas nas últimas décadas e, em especial, o envelhecimento da população nos países mais desenvolvidos tornaram inevitável - sob pena de assistirmos a uma diminuição do PIB e a uma maior pressão sobre as finanças públicas dos Estados - um ajustamento do mundo do trabalho, incluindo a necessidade de se trabalhar durante mais anos e assumir políticas migratórias mais abertas.
Mais recentemente, a aceleração da robotização, da inteligência artificial e da digitalização, colocaram novos desafios à organização da sociedade e do mercado de trabalho. Por um lado, esta disrupção tecnológica abre novas perspetivas de superação de problemas ambientais e sociais e cria uma nova fileira de atividades económicas; por outro lado, levanta riscos ao nível do respeito pela dignidade da pessoa humana e gera anseios sobre a estabilidade e a qualidade do emprego. Ora, nem o medo nem o conformismo são bons conselheiros nesta jornada. De momento, não se confirmam os receios de uma diminuição global do emprego em resultado da automação ou da inteligência artificial. Isto é, as novas atividades económicas geradas pela disrupção tecnológica e a reorganização de tarefas têm compensado os empregos que são destruídos. Mas isso é ilusório: as desigualdades agravaram-se e a constatação de um aumento do número global de empregos de pouco consolo serve aos trabalhadores que são vítimas desta destruição criativa. Sendo que alguns dados apontam para mudanças de enorme amplitude no futuro: um recente estudo da OCDE estima que 14% de todo o trabalho será robotizado e 32% será alvo de mudanças significativas.
É por isso que, em vez de um olhar contemplativo perante as sucessivas vagas de transformação do mercado de trabalho, ou de um debate apressado sobre teletrabalho, precisamos de lançar uma nova geração de políticas públicas na educação, preparando as crianças para exercer profissões que, em 65% dos casos, ainda não foram inventadas e para o desenvolvimento da criatividade e do pensamento crítico; na formação profissional, ultrapassando o facto de seis em cada dez trabalhadores não disporem das competências básicas ao nível digital; na proteção social, garantindo uma rede de apoio a um número crescente de trabalhadores em regime de autoemprego e de trabalho parcial; na fiscalidade e no sistema de pensões, garantindo que a justiça distributiva e a sustentabilidade da segurança social são compatíveis com a crescente robotização.
Temos de nos preparar para regular o futuro do trabalho, mas também para liderar na criação dos empregos do futuro.
Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento na OCDE; presidente do think tank Plataforma para o Crescimento Sustentável