Regresso ao passado

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Odia 6 de janeiro de 2021 foi o clímax da Presidência de Donald Trump. Confrontado com a sua derrota nas urnas, Trump insistiu na narrativa falsa sobre eleições fraudulentas, mobilizou e incentivou os seus mais fervorosos apoiantes a invadir o capitólio nos EUA. Foi uma tentativa desesperada de impedir a transição de poder, que bem reflete os seus quatro anos de instabilidade, polarização e desrespeito pelas mais básicas normas de convivência democrática.

Hoje, apesar de Trump ter saído da Casa Branca, constatamos que o "trumpismo" continua a ser uma realidade bem presente na política americana.

O Partido Republicano - mergulhado numa agenda profundamente conservadora, refém de militantes devotos a Trump imersos na realidade paralela das eleições fraudulentas e outras teorias da conspiração - controla várias instituições, a partir das quais tem tentado a reversão de direitos e liberdades cívicas.

Na semana passada, a maioria conservadora do Supremo Tribunal dos EUA - um legado direto de Donald Trump, que nomeou três juízes - revogou a decisão do famoso caso Roe vs. Wade, que assegurava o direito à interrupção voluntária da gravidez em todo o país. Desde então, vários estados de liderança republicana apressaram-se já a criminalizar o aborto.

Esta decisão não só priva as mulheres da sua liberdade em relação ao próprio corpo, como agrava as consequências das desigualdades socioeconómicas. A partir de agora, as mulheres pobres na América conservadora vão ter de recorrer a operações clandestinas, arriscando a prisão e a sua saúde, enquanto as ricas voam para outros estados ou países para exercer o direito à saúde reprodutiva em segurança. É um caso prático de retrocesso civilizacional.

Pior ainda, esta decisão do Supremo Tribunal junta-se a outras já tomadas, como a de dificultar o controlo das armas, ou que se receia possam ser tomadas em breve, por exemplo, para disputar a laicidade do Estado ou até impedir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Com eleições intercalares a poucos meses de distância, os EUA estão virados para dentro - mesmo num cenário de reconfiguração geopolítica global -, a braços com a profunda divisão interna da sociedade, onde qualquer compromisso entre as partes é cada vez mais difícil.

Em vários estados, os republicanos já priorizam o seu sucesso eleitoral em detrimento da democracia, avançando até com medidas para restringir o voto das comunidades que não lhes são favoráveis, incluindo limitações acrescidas ao voto por correspondência ou a deslocação das mesas de voto para longe dos bairros que votam mais nos democratas, aumentando a sua abstenção.

É verdade que Joe Biden e os democratas estão enfraquecidos pelo difícil contexto económico, agravado pela guerra na Ucrânia. Mas a alternativa é um Partido Republicano ainda mais radical, onde o populismo de Trump não só resistiu à invasão do Capitólio, como efetivamente escoou do topo para as bases. O rumo do conservadorismo americano é assustador e ameaça que "Partido Democrata" possa deixar de ser nome e passe a ser adjetivo.

Portugal volta a acolher mais um grande evento, desta vez a Conferência das Nações Unidas, que procura respostas para salvar os Oceanos. Não há tempo para inércia. De Lisboa deve sair um compromisso global concreto que assegure tanto a sustentabilidade dos oceanos enquanto repositório da biodiversidade mundial e garante da estabilidade climática, como o desenvolvimento responsável da economia azul.

Eurodeputado

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